domingo, 27 de julho de 2008

IRON BUTTERFRY: IN A GADDA DA VIDA: 40 anos depois...



Um dos mais contundentes registros da efervescência cultural de fins dos anos 60, a banda Iron Butterfry, de certa forma, sintetiza a proposta do Acid Rock, da contra cultura personificada pelo movimento Hippie.
Gravado em 1968, o LP “In-A-Gadda-Da-Vida”, do qual a música homônima, diga-se de passagem, com 17:05 minutos de duração, tornou-se a época um hino para os jovens americanos e seus sonhos de liberdade é um retrato musical singular dos anos 60.
Talvez os longos e destorcidos solos de guitarra, acompanhados por um baixo marcante, bateria frenética e um teclado alucinante e inconfundivelmente psicodélico, tudo isso ao sabor de letras inspiradas na filosofia do love and piece, nos pareçam hoje demasiadamente datados e distantes.
Isso não impede, entretanto, que In-A-Gadda-Da-Vida irradie um certo encanto atemporal, um apelo à evasão e transcendência das nossas desbotadas paisagens cotidianas que de muitas formas nos é contemporânea.
Quem já ouviu In-A-Gadda-Da-Vida pela manhã antes de mergulhar em rotinas e pueris papeis pessoais sabe o gosto de imprecisos e doces infinitos de pensamento que esta musica nos proporciona com sua atmosfera mágica e radicalmente psicodélica.
Tudo o mais e acid...

LIMITES



Sei que sou apenas isso...
Um indefinido rosto
Perdido
No fundo de multidões.


Mas busco a liberdade dos pássaros
Que rasgam o azul do céu
Sem o peso de qualquer sentimento,
De qualquer certeza.


Restrito aos meus limites
Mergulho em infinitos sonhados
Me faço no sem sentido
De cada ato abstrato
De mero pensamento.


Escapo ao mundo
No buscar a mim mesmo
Desfeito no tempo
Da minha própria vida.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

WORD

A palavra me rouba
O aprendizado do silêncio.

Em cacos vislumbro meu rosto
Opaco na variação de emoções
E humores.

Visto um verso
Para despir sentimentos,
Buscar o invisível e incompreensível
Segredo do acontecer da existência
Sob os desígnios do acaso.

Mas tudo que vejo e faço
Transfigura-se no raso
De um imperfeito discurso.

TIME

A soma das horas
Da minha vida
Jamais definirão
O que fui e sou
Entre o céu, a terra
E o devir.

Quantos de mim mesmo,
Afinal,
Posso sonhar, ser
E saber
Na matéria bruta dos fatos?

Nenhum retrato diz meu rosto
Nos dias,
Nenhum pensamento esclarece
O movimento da carne d’alma
Dentro do tempo.

Tudo que sei é que passo
Em atos de liberdade
No finito de cada passo.

terça-feira, 22 de julho de 2008

O CANTO DE MARLENE DIETRICH


Ouvia agora a pouco uma coletânea de Marlene Dietrich. Dei-me conta, na aventura da musica decorando a noite, do quanto, mesmo como cantora ou one woman show, ela representa o mais enigmático, ambíguo e misterioso símbolo feminino de sexualidade já construído pela mítica e irracional linguagem do cinema da primeira metade do século XX.
Interpretando peças musicais, Marlene é uma realmente singular... uma musa profunda e expressiva que parece, com a ambigüidade de uma esfinge desafiar-nos com a sóbria interpretação quase masculina de canções tão preciosas como Lili Marlene, Simphonie, Black Market ou You Go To My Head.
Segundo Charles Higman, autor de uma biografia sobre Marlene, citando seu regente dos anos 50, William Blezard, ela desenvolveu e popularizou o sprechstimme, a arte de falar como se estivesse cantando na inventividade única de seu canto.
As Performances de Dietrich são como um seqüestro de vida de alguma elegante plenitude de mundo que nos revela o máximo limite e apoteose da experiência humana.

LIVROS, LEITURAS E FRAGMENTO


Não conheço maneira mais apropriada para se ler um livro do que cortar-lhe a abstrata carne rasgando-lhe em fragmentos que, de algum modo subjetivo, nos revelam o cerne de seu corpo, de sua aparentemente homogênea narrativa.
Não se pode negar que a experiência da leitura faz-se normalmente pelo impacto de alguns parágrafos ou frases que nos seduzem, dar-se através de retalhos, de retratos em closes, ou ainda, através da surpresa reveladora de determinadas passagens onde nos reconhecemos provisoriamente.
Por tudo isso, escolher citações em um livro é um modo de dizer o que realmente nos interessa singularmente neles, aquilo de que nos apropriamos na aventura da leitura.

ILUSSIONS



Preciso vestir-me de luto
Para cantar e beber a alegria
De viver desfeito e mendigo
Em meus cinco sentidos.
O corpo faz dançar pensamentos,
Vontades explodem
Em mil direções e delírios.
Tudo existe
Em alucinante ritmo
De sentir em cores
Todo abismo que me faz
De algum modo emoção selvagem.
Mas me esqueço,
Apesar de tudo,
Na paisagem da mesa feita e previsível
De um jantar em família.
Leões e tigres
Esperam, porem, no quintal noturno
A soturna hora de um sonho
Que nunca chega a provar
O gosto de realidades.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

ENTRE OS DEUSES E OS HOMENS:O SIGNIFICADO DOS DAIMONS SEGUNDO MARIE LOUISE VON FRANZ



Uma das mais pertinentes reminiscências pagãs presentes no imaginário estabelecido pela mitologia cristã é a imagem do gênio pessoal, de um campo intermediário entre a realidade dos deuses e dos homens. Para a maioria das pessoas sua familialidade enquanto experiência psicológica, dar-se através da ingênua fantasia do anjo da guarda.
Buscando pensar o sentido mais profundo desta imagem arquetipica valho-me aqui de um fragmento de Marie Louise von Franz extraído de uma das palestras que compõem o livro Reflexões da alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G. Jung. Remeto-me assim ao arcaico conceito de daiomai e daimon onde encontramos uma simetria significativa com o conceito de complexos autônomos formulado por Jung e de vital importância para a compreensão de suas formulações. Interessante observar que a obra aqui em questão de Marie Louise von Franz é, antes de tudo, um estudo sobre o fenômeno da transferência e sua retirada, fenômeno que parece caracterizar o desenvolvimento da consciência humana através de mitos e símbolos ao longo de séculos.


“No contexto estrito da alma humana, muitos demônios cananeus e judaicos antigos tornaram-se “espíritos sopro”, que penetrando nos homens podiam produzir sensações, impulsos misteriosos, reações repentinas, etc., mas também uma postura ou uma orientação moral; no Velho Testamento fala-se de um espírito dos desejos ou do ciúme, mas também de um espírito da compreensão e do entendimento. Mesmo funções, como o olfato, a linguagem, o sono, a sexualidade, tem o seu “espírito”.
Na Grécia pré-helenica, os demônios formavam também um coletivo anônimo. A palavra daimon vem de daiomai, que significa algo como “repartir” e designava originalmente uma intervenção divina perceptível por momentos e da qual se ignorava o Deus que a teria praticado, por exemplo, afugentar os cavalos, falhar no trabalho, doenças, loucura, pavor de certos lugares na natureza virgem. Mesmo certas atividades enquanto tais são algo parecido a um daimon. Por volta de 700 a.C., na época de Hesíodo, surge pela primeira vez a concepção, bastante difundida no século III, de um daimon escoltando constantemente o indivíduo. No século IV; ele causa a infelicidade ou no infortúnio do indivíduo. No século IV começou-se a fazer oferendas a um daimon bom (aghathos) enquanto espírito domestico.
Platão utiliza a palavra de maneira ambígua, quase sempre como sinônimo de theos( Deus), agregando-lhe as vezes a nuance de um ser bem “próximo ao homem”. Assim, Diotima, como sabemos, afirma em O Banquete, que Eros era um grande daimon, “pois tudo o que é demoníaco- (pan to daimonion) está entre Deus e o mortal”, e à pergunta de Sócrates a respeito de qual era sua função, ela responde: “ a de interpretar e transmitir aos deuses o que é dos homens, e aos homens o que vem dos deuses: àqueles, orações e oferendas e a estes, ordens e recompensas pelas oferendas. No meio, portanto, está a conexão,de modo que o todo (topan) esta ligado em si mesmo. E também todas as profecias e esconjuros e toda a adivinhação e magia perpassam o demônio, pois Deus não se dirige aos homens, visto que todo o contato ou relação entre deuses e homens se dá através dele, tanto na vigília, quanto no sono... Existem muitos destes demônios e espíritos das mais variadas espécies, e Eros também é um deles.
No Estoicismo e no Platonismo, a sutil distinção entre deuses e homens tornou-se mais nítida: os deuses são poderes universais imensos, superiores, distantes dos homens e consideravelmente longe dos sofrimentos e das paixões humanas.Os daimons, ao contrário, povoam o reino intermediário entre o Olimpo e os homens, sobretudo a esfera do ar e o mundo sublunar, e reúnem-se ali com os espíritos da natureza,das fontes, plantas e animais. Esta concepção do final do Platonismo foi formulada por Apuleio de Madaura da seguinte maneira: os poetas teriam erroniamente atribuído aos deuses o que valia para os demônios: “Eles elevam e favorecem os homens, outros eles oprimem e humilham. Eles sentem portanto compaixão, indignação, felicidade e medo e todos os sentimentos da natureza humana...todas as tempestades distantes da tranqüilidade dos deuses do Céu. É que todos os deuses permanecem sempre no mesmo estado espiritual... pois nada é mais perfeito do que um Deus... Mas todas estas disposições, ao contrário, ajustam-se à natureza inferior dos demônios que tem em comum com os de cima a imortalidade e com os de baixo, as paixões... por isso denominei-os “passivos” por estarem submetidos às mesmas desordens anímicas que nós”. Num certo sentido, o espírito do homem, o seu “genius” e o seu “espírito bom” ( como o Daimonion de Sócatres) são também “daimons”, assim como os outros espíritos habitantes do ar. Depois da morte, eles se tornam Lêmures ou Lares ( deuses domésticos)ou, se eram maus, larvas (Spuks ruins).
(...)
No final da Antiguidade, a distinção entre deuses, longe dos sofrimentos terrenos, e demônios, sujeitos a todas as paixões humanas, me parece muito importante: os daimons estão mais próximos do homem do ponto de vista subjetivo-psicológico, do que os deuses. Cícero designava-os até como “mentes” ou “animi”, isto é, “almas”. Outros autores denominam-nos “potestates”, isto é, poderes. Encontramos esta designação de “alma” em muitos autores, mesmo os antigos, especialmente no Estoicismo, em Poseidônios, Fílon, Plutarco, Clemente de Alexandria e outros. A luz da psicologia junguiana, a antiga distinção entre deuses e homens significa o seguinte: os deuses representam antes as estruturas básicas arquetípicas da psique afastadas da consciência, e os demônios, ao contrário, configuram os mesmos arquétipos, só que de uma forma mais próxima da cosnciência e da vivência subjetivo-interior do homem. É como se um aspecto parcial dos arquétipos começasse a se aproximar do indivíduo, a se afeiçoar a ele, tornando-se uma “alma agregada”.”
(Marie Louise von Franz. Reflexões da Alma. Projeção e recolhimento Interior na Psicologia de C G Jung./ tradução de Erlon Jose Paschoal. SP: Cultrix/Pensamento, s/d, p.122-124)

THE MYSTERY OF UNIVERSE

O mundo convida-me
Ao espanto...

Talvez tudo que existe
não passe do sonho
de um pensamento
dentro de mim diurno;

Os pés provam
Um abismo aberto
Em explosão de fatos
E estilhaços de significados.


How Strange...
The mystery of universe.

Sou tudo o que posso
Em finitude e mundo
no pueril de cada certeza
espalhada pelo caminho.

CRONICA RELÂMPAGO XXXI


Uma das coisas que mais me chamam atenção na condição humana é a capacidade de cada individuo para justificar seus atos mais tresloucados. Geralmente temos respostas e justificativas para os nossos maiores erros.
Não creio que interiorizamos a sociedade dentro de nós como uma instância impessoal de repressão em constante conflito com nossas mais profundas vocações pessoais. Creio, ao contrario, que em nossa cristalina, porem finita e limitada, consciência das coisas raramente nos abrimos para experiência da duvida radical, para descentralização “positiva” de nosso próprio rosto nessa infinidade de coisas concretas e abstratas estabelecida pela pluralidade viva que é o mundo.
Em cada cotidiana e extraordinária situação que a existência nos impõe, somos desafiados a fazer escolhas, a lidar com o absoluto outro de nós mesmos no interagir com o mundo ou a convencional realidade coletiva.
Na ausência de qualquer segurança, nos apegamos instintivamente aquilo que no plano do imediato melhor nos define, nossa própria consciência das coisas. Não consideramos, entretanto, suas imprecisões ou seu caráter fluido e instável. Afinal, o que nos parece certo hoje pode não nos parecer daqui a um ano e podemos perder boas experiências potenciais por não enxergarmos a complexidade de um determinado momento avaliando optando pelo mínimo que percebemos.
Voltando ao inicio desta divagação, é realmente curiosa nossa infantil necessidade de viver significados, inventar significantes, em um delirante jogo de verdades que, hipoteticamente, realiza apenas a miopia de nossas certezas de momento. Sejam elas admitidas ou não como tais...