terça-feira, 6 de maio de 2008

CRÔNICA RELÂMPAGO XXVI


Condicionamos nossa biografia a realização de determinadas metas de existência que variam de acordo com os desafios que o destino nos impõe em diferentes momentos ou ciclos que nos substancializam a existência.
Nem sempre alcançamos nossos pretendidos objetivos. Em maior ou menor medida, nossa biografia é um arranjo imperfeito de um misto de acaso e vontade com o qual nos conformamos ao longo de nossa trajetória pessoal.
Um breve olhar retrospectivo é suficiente para nos darmos conta da quantidade de opções e situações que se perderam no limbo das possibilidades não realizadas. Entretanto, tudo aquilo que deixamos de ser e de viver por conta dos caprichos ou circunstâncias de valor não raramente duvidosos, perpetua-se dentro do que nos tornamos.
Justamente por isso é comum que com o acumulo das décadas que façamos auto questionamentos sobre inúmeras coisas que deixamos de viver ou fazer, caminhos que não seguimos, experiências que foram descartadas ou perdidas e potencialidades reprimidas em função de escolhas de momento. Tudo isso parece canalizar a inevitável insatisfação que define nosso sentir- em – si mesmo a imagem ou campo de experiências que somos como indivíduos.
Admitindo ou não, a condição humana nos impõe uma incompletude ontológica inalienável que nos faz na rigidez de qualquer prisão identidaria e social, surpreendentemente fluidos e provisórios. Lidar com isso é um dos mais decisivos desafios da vida.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

OS LIMITES DA SOCIEDADE E OS DIREITOS DO INDIVIDUO

“Os seres Humanos devem uns aos outros ajuda para distinguir o melhor do pior, e encorajamento para escolher o primeiro e evitar o ultimo.
Eles devem estar para sempre estimulando um aos outros para um mesmo exercício cada vez maior de suas mais elevadas faculdades, e uma direção cada vez maior de seus sentimentos e metas em direção ao sábio ao invés do tolo, elevando ao invés de degradar, objetos e contemplações.
Mas nem uma pessoa, nem qualquer numero de pessoas, tem permissão de dizer a outro ser humano de idade madura, que ele não deve fazer com sua vida para seu próprio benefício aquilo que escolhe fazer com ela.
Ela é a pessoa mais interessada em seu próprio bem estar: o interesse que qualquer outra pessoa, exceto em casos de forte relação pessoal, possa ter nele, é superficial, comparado com aquele próprio que tem; o interesse que a sociedade tem nele individualmente ( exceto em relação a sua conduta com os outros) é fracional, e completamente indireto: com respeito a seus próprios sentimentos e circunstâncias, o homem ou mulher mais comum possui meios de conhecimento que imensuravelmente excedem aqueles que possam ser possuídos por qualquer outra pessoa.”

John Stuard Mill. On Liberty/ Ensaios sobre a Liberdade. Tradução: Rita de Cássia Gondim Neiva. SP: Editora Escala, s/d, p.109.

Este primeiro fim de semana de maio foi consagrado em várias cidades da Europa e da América a manifestações globais a favor da descriminalização da maconha, tradição iniciada faz alguns anos em New York. Longe de uma apologia inócua e infantil ao uso de drogas ilícitas, tal iniciativa, obscuramente reprimida pela miopia das autoridades institucionais locais, entre as quais o caso grego tornou-se um exemplo emblemático, constituíram um esforço simbólico no sentido da redefinição do espaço público e do lugar do individuo na sociedade através de uma nova concepção de privacidade.
O que esta em jogo, no final das contas, é nossa preciosa liberdade individual e a garantia da diversidade ou pluralidade de opções contemporâneas frente ao unilateralísmo de estruturas jurídicas e institucionais fundamentadas na inércia de um arcaico “bem comum” construído pelos “nacionalismos republicanos” e identidades coletivas caducas fundadas, em ultima instância, sob idealizações de um modelo familiar partriacal ou tradicional. Tais referências já não são hoje compatíveis com as culturas da contemporaneidade e as novas realidades societárias que elas ensejam em um mundo cada vez mais marcado pelo hibridismo cultural e pela imprecisão identidária. Podemos viver com o risco de sermos nós mesmos no alem das tutelas coletivas, aprender com nossas incertezas na aventura do futuro. Isso nos difere dos opositores a comentada iniciativa ...
Não é exagero dizer que a luta pela descriminalização da maconha aproxima-se da luta pela descriminalização do aborto ou pelo reconhecimento legal da união homossexual como expressão radical e contemporânea da liberdade individual frente à opacidade autoritária e massificada de uma imagem defasada de sociedade e identidade coletiva que hoje em dia desafia cada vez mais a dinâmica da vida e existência contemporânea.
Não se trata, portanto, em um ou outro caso, de uma manifestação particularista de gays, lésbicas, promíscuos e maconheiros contra os pseudo-sagrados valores da sociedade judaico/cristã estabelecida, mas de uma afirmação do livre direito de cada individuo decidir por si mesmo suas opções e destinos no além das imposições coletivas.
Em poucas palavras, frente ao individuo, a sociedade também tem seus limites; e conviverá com crimes e aberrações infinitas na medida em que nega a pertinência do caminho próprio de cada um e, diga-se de passagem, a decorrente responsabilidade e desafios inerentes ao exercício da subjetividade .
Mesmo sendo atualmente muito conservador em minha vida privada, não posso ficar indiferente a esse grito de liberdade que a marcha pela maconha representa em sociedades que projetam sua própria sombra em seus clássicos estereótipos dos “excluídos culturais” ou pseudo-marginais, do que assumir seus próprios limites e abrir-se a discussões e duvidas tão elementares sobre os rumo das coisas de todos os dias.


DEVANEIO

Deixo certezas antigas
Sob a mesa de jantar
Para pensar em jardins profundos

Abandonado a mim mesmo
Aprendo a duvidar de tudo
Até explodir o mundo
Em pluralidade,
Diversidade
E espanto.

Algum não lugar
Engole-me o corpo
Em goles de alma
E metamorfoses

sábado, 3 de maio de 2008

LITERATURA INGLESA XXVII


Embora tenha se consagrado como autor de romances de aventura, Joseph Conrad, ou Jozef Teodor Korzeniowski (1857-1924) foi também autor de peças teatrais e ensiaos.Sua obra mais conhecida é Lord Jim, romance de aventura originalmente publicada em capítulos por volta de 1900.
A matéria prima para esta, assim como para outras de suas obras, pode ser encontrada na própria biografia do autor que foi, antes de tudo um aventureiro, um homem do mar. Nascido em Padolia, uma pequena província da Ucrânia, aos 17 anos, já órfão e exilado no norte da Rússia por conta das atividades político patrióticas do falecido pai, ingressa como aprendiz da marinha mercante em uma viagem para Marselha. Após inúmeras incursões marítimas, já com o titulo de capitão, naturaliza-se em 1886 cidadão britânico.
Não deixa de ser surpreendente que tenha feito nome como escritor dado que de inicio pouco domínio apresentava da língua inglesa, o que pode ter condicionado a singularidade de sua técnica narrativa que, tanto quanto o seu ceticismo com relação a natureza humana, influenciou autores como Henry James e Scott Fitzgerald.
Se na ultima década do séc. XIX o romance de aventura estimulava o imaginário vitoriano, profundamente marcado pelo impacto da diversidade e pluralidade cultural proporcionada pela experiência imperial britânica, tal contextualização não é suficiente para torná-lo datado ou ultrapassado.
De outras formas ainda hoje somos tocados pelo imaginário de viagens e aventuras. O diferente, o inteiramente outro, ainda exerce em nosso imaginário um papel importante que não saberia precisar aqui. Talvez, seja inerente a condição humana a busca do alem do imediatamente vivido, vislumbrar a pluralidade e diversidade que tornam o mundo possível e quase inapreensível. Talvez, ainda, seja um deslocamento da rigidez de nossas próprias identidades e realidades o que buscamos...
A apresentação que Conrad faz do seu Lord Jim, logo nas primeiras paginas do aqui já citado romance. é peculiarmente interessante para tentar dizer o fascínio que a personagem ainda pode exercer sobre nós:


"... Para os brancos dos portos e para os capitães de navios, ele era Jim e nada mais. Tinha outro nome, está visto, mas não queria ouvi-lo nunca pronunciar. Seu incógnito não visava a esconder uma personalidade, mas um fato. Quando o fato transparecia através do incógnito, Jim deixava subitamente o porto em que estava empregado e alcançava um outro, em geral mais afastado para o Oriente. Preferia os portos de mar, porque era um marinheiro exilado do mar, e porque possuía a teoria da Abordagem, que não pode servir outro oficio senão ao do vendedor marítimo. Em boa ordem, partia em retirada para o sol levante e, como por acaso, mas inexoravelmente, o fato o perseguia. Assim, tinham-no visto sucessivamente, no decorrer de anos, em Bombaim, Calcutá, Penang, Batávia, e, em cada um desses portos, ele era simplesmente Jim, o vendedor marítimo. Mais tarde, quando seu agudo sentimento do Intolerável o escorraçou para sempre dos portos e da sociedade dos brancos, até a floresta virgem, os malaios da aldeia que escolhera em jângal para ai esconder sua deplorável sensibilidade acrescentaram uma palavra ao monossílabo de seu incógnito. Eles o chamaram Tuan Jim- Lord Jim, como se diria entre nós."
( Joseph Conrad. Lord Jim. RJ: Editora Glogo S/A,, 1987, p. 10. 11)

LABIRINTOS URBANOS


Nas vias abertas
em negro de asfalto,
entre indiferentes colunas
de prédios e silêncios,
descobri a cidade
em preto e branco
no chuvoso dia
sem data de um outono.
Em tudo que me dizia
O espaço
Sentia apenas o afago
De algum desejo impreciso,
De algum medo sereno
Ou busca escondida...
No urbano labirinto
A guardava surpresas e acasos;
O milagre de um rosto
Novo e antigo
Perdido na multidão que ignoro.

ESPACE AND LIFE

A vida dos espaços físicos
Pressupõe ritmos e respirações
Próprias,
Silêncios e movimentos inauditos
Por onde
Nossas almas vagam
No sem lugar
De pensamentos perdidos.
Todo lugar
É para nós
O mínimo buscar
De um infinito.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

CHUVA E DELIRIO

Imaginações sem rumo
Misturam-se a chuva
Redesenhando a cidade
No brilho de arcaicas fantasias.

Figuras coloridas
Passeiam sobre a solidez
De uma parede incolor
Dentro de mim...
Vislumbro
Um quase outro mundo
A vestir o olhar
E a gritar a vida
Que se dissipa no tempo
No quase ser outra coisa
De cada acontecimento.

terça-feira, 29 de abril de 2008

ACROSS THE UNIVERSE


Talvez um dos mais interessantes e significativos acontecimentos deste inicio de século tenha ocorrido por ocasião das comemorações dos 50 anos da NASA mediante o lançamento ao espaço, em direção a Estrela Polar e através do sistema de antenas Deep Space Network, da primeira musica humana ao infinito sideral. A escolhida foi à canção Across the Universe dos Beatles. È curioso que a privilegiada melodia tenha sido composta pela mais importante banda da história do rock, conseguindo dizer com simplicidade, o profundo das fantasias e buscas da aventura humana em sua ilimitada sede de transcendência e recusa dos limites de sua condição que, por definição, define-se pelo vinculo ao planeta terra ...
Seria desleal impor ao evento certa formalidade e seriedade que ele não teve. Restrigindo-se a um lúdico e descontraído esforço simbólico e imaginativo, ele nos fala singularmente de nossas mais profundas imagens coletivas de futuro e aventura de humanidade. Mesmo que nada vá mudar nosso mundo...
"... Sons de risada,
sombras da terra estão soando por minhas vistas abertas
Me incitando e me convidando
Amor imortal sem limite,
que brilha ao meu redor como um milhão de sóis
Ele (o amor) me chama repetidamente através do universo.."

Across the Universe
Composição: John Lennon & Paul McCartney
Words are flowing out like endless rain into a paper cup,
They slither wildly as they slip away across the universe.
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.
Jai guru deva. Om.
(guru)(deva)
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Images of broken light which dance before me like a million eyes,
They call me on and on across the universe.
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box,
They stumble blindly as they make their way across the universe
Jai guru deva. Om./(guru)(deva)/Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Sounds of laughter, shades of love are ringing through my opened mind
Inciting and inviting me.
Limitless undying love, which shines around me like a million suns,
And calls me on and on across the universe
Jai guru deva. Om.
(guru)(deva)
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Jai guru deva.
Jai guru deva.
Jai guru deva.
Jai guru deva.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ESBOÇO

Busco ser um pouco menos
Do que penso que sou
E algo daquilo
Que pretendia ser.

Tento saber
O provisório inacabamento
Que desenha a vida
Nas apagadas paisagens
Do mundo.

Procuro-me nas ausências
E carências
De pueris vontades
Em busca da essência
Da peculiaridade
Dos meus porquês.

CRONICA RELÂMPAGO XXV


“Depois de haver meditado longamente sobre a essência da música, recomendo o gozo dessa arte como a mais deliciosa de todas. Não há outra que atue mais diretamente, mais profundamente, porque também não há outra que revele mais diretamente e mais profundamente a verdadeira natureza do mundo. Ouvir longas e belas harmonias é como um banho de espírito: purifica de toda a mancha, de tudo que é mau, mesquinho; eleva o homem, e sugere-lhe os pensamentos mais nobres que lhe seja dado ter, e ele então sente claramente tudo o que vale, ou antes quanto poderia ser.”

Arthur Schopenhauer. As Dores do Mundo. / tradução: s/d. Bahia: Livraria Progresso Editora, 1957, p. 146

A percepção cotidiana da existência é um fenômeno complexo, multifacetado, que normalmente nos escapa na miopia da objetividade de fatos e atos dispostos na linearidade de nosso modo de conceber o tempo. Essencialmente, porem, a existência de uma vida humana acontece através de um sentimento ritmo ou qualitativo; de um modo peculiar de perceber e apreender o real, condicionado as diversas fases e conjunturas que ao longo de nossa biografia sucedem-se no quase aleatório exercício da existência em nosso fluir, antes de tudo, biológico. Certamente, aos cinqüenta ou sessenta anos, não vivemos ou agimos dentro da mesma imagem de mundo na qual vivíamos aos cinco ou dez anos.
Nada mais apropriado do que vincular os tantos e diversos sentimentos de vida e mundo que compõem nossa existência a evolução de uma melodia. Não falo, naturalmente, com referencia ao que diz respeito à objetividade de sua estrutura matemática, mas ao seu aspecto “qualitativo”, imagético, ou subjetivo, isto é, sua capacidade de traduzir as paixões humanas de modo único e enigmático. Uma peça musical é composta por vários momentos em seu desenvolvimento... assim como nossas existências.