quarta-feira, 2 de abril de 2008

TRANSCENDENTE FINITO


Alem dos infinitos
Com os quais brincamos
Em sonho de mundo
Tento sonhar um transcendente finito
Que me ensine a beleza serena
De um rosto que diga
Em todos os sentidos
O melhor da vida.

Sei que tudo é passageiro
E instável
Na natureza que me define
Todas as coisas.

Mas sei também
O esforço da arte,
o fazer que perdura
Na meta natureza da matéria
Que me faz vivo.

SOMBRA

Tenho medo do outro
Que dentro de mim
Existe
Transcendendo o cotidiano
Em tropeços de infinitos.

Tenho medo do impossível
Que me faz em sonho e labirinto
Um estranho para mim mesmo.

Tudo o que não sou ou queria ser
Assombra-me os pensamentos
Em noites de sonos
De quase perfeição de inércias.

Minha sombra me acompanha
No jogo de luz e treva
Que em todos os sentidos
Me faz viver.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Shakespeare, as Nornas e o Destino


Mesmo não se tratando da leitura de um especialista em cultura popular européia, a tese defendida por Michael Howard em sua obra “ A sabedoria das Runas” em torno da presença da Imagem das Nornas, as antigas deusas do destino da mitologia nórdica, no imaginário ocidental e, mais especificamente, na obra de Shakespeare, é digna de consideração apesar de alguns limites.
Segundo ele:

“Malgrado sua supreção pela Igreja, as Nornas emergiram na cultura popular, revestidas das mais estranhas formas. Aparecem como fadas madrinhas, equipadas com uma roda de tear, que se materializam por ocasião do nascimento dos infantes reais. Nos contos de fadas da “Bela Adormecida” e “ Branca de Neve e os sete anões, as Nornas tornam-se madastras perversas. Os contos de fadas que lemos hoje para nossos filhos encerram símbolos pagãos, que sobreviveram na literatura folclórica muito tempo depois de terem perdido seu significado religiosos.
O exemplo mais notável de ressurgimento das Nornas do inconsciente coletivo como imagens arquetipicas é talvez sua aparição na figura das três bruxas da peça clássica Macbeth. Shakespeare, ou quem quer que tenha escrito as peças a ele atribuídas, era muito versado no ocultismo e nas crenças populares da onglaterra elizabethana. Parece ter tido também um conhecimento considerável do paganismo clássico. Suas bruxas, em Macbeth, não invocam o demônio quando estão agachadas em torno do caldeirão na charneca açoitada pelos ventos, mas sim a deusa grega de três cabeças, Hécate. Numa época em que a imagem corrente das bruxas era a de adoradoras satânicas do demônio, essa interpretação radical delas como seguidoras da Velha Religião pagã deve ter causado alguma surpresa entre os freqüentadores de teatro que afluíam para ver a peça.
Shakespeare chama as três bruxas de Irmãs Weird. A palavra do inglês antigo” weird” deriva do radical “wyrd”. No Oxford English dictionary o termo “weird” está consignado em dois verbetes separados. O primeiro confere-lhe o significado de “fado” ou “destino”. O segundo se refere à sua conexão com o destino, mas atribui-lhe também os sentidos secundários de “sobrenatural”, “misterioso”, “estranho” ou “ incompreensível”. Essa diversidade do segundo significado vincula a palavra à velha crença pagã no poder do Destino. Ao chamar suas bruxas de Irmãs Weird, o dramaturgo elizabethano estava dizendo a quem quer que conhecesse alguma coisa sobre os mitos pré- cristãos que elas eram as Nornas sob forma humana.
Em Macbeth, as três Irmães Weird são dotadas do poder sobrenatural de predizer o futuro. É evidente, considerando suas fórmulas encantatórias e os comentários crípticos que dirigem ao nobre escorces, que eram igualmente capazes de controlar as forças do destino. Isso também estabelece uma conexão entre as bruxas e as Nornas. Não deixa de ser interessante conjeturar que a superstição teatral segundo a qual Macbeth é uma peça aziaga originou-se da antiga crença terivel do Wyrd de afetar a vida dos mortais.”

(Michael Howard. A sabedoria das runas/ tradução: Antonio Danesi. SP: Editora Pensamento, s/d, 173 et seq.)

CRONICA RELAMPAGO XXIII

Quando somos surpreendidos por algum desagradável acontecimento cotidiano, nos vemos diante de uma apreensão mais consciente e menos automática ou espontânea da fenomenologia de nosso cotidiano tempo vivido. Mas precisamente, nos damos conta da importância do intervalo temporal compreendido por um mero segundo para configuração de nossas situações biográficas.
O gesto ou ato realizado em um milésimo de segundo pode, em outras palavras, desencadear uma seqüência de acontecimentos em maior ou menor grau decisiva para nossa existência ou sentimento de existência.
Podemos lamentar para o resto da vida a irrefletida decisão ocorrida em um mínimo momento ou o acaso de estar em determinado lugar na mais inconveniente das horas, protagonizando, por exemplo, a tragicidade de um acidente.
Talvez seja possível algum controle sobre essa loteria do acaso. Mas, mesmo se possível, ele seria fatalmente provisório e incerto. E alguma medida não possuímos qualquer razoável controle sobre nossas vidas e destino. Isso não diminui em nada a importância de nossas decisões e opções subjetivas. De alguma forma, a qualidade de nossas escolhas condiciona o leque de ocorrências objetivas possíveis, o campo de eventos aleatórios pelos quais podemos ser tragados.
Em poucas palavras, o grau de consciência que adquirimos nos capacita a lidar melhor ou pior com a ilimitada complexidade da fenomenologia da existência e sua irracionalidade elementar.

segunda-feira, 31 de março de 2008

MANHÂ DE OUTONO

Uma manhã de outono
guarda o gosto de dia novo,
da vida livre
de rotinas e cansaços.
Não lhe turvam os pesos
De muito ontens.

Vislumbro em suas horas
Um amanhã provisório
E possibilidades
De mim mesmo
No feerico cenário aberto
Do tempo que passa.

Talvez algum futuro
Se faça
No meu provisório
Viver dos fatos.

quinta-feira, 27 de março de 2008

REVOLUÇÂO INGLESA E LITERATURA INGLESA



Em seu clássico sobre a revolução inglesa, O Mundo de Ponta Cabeça: Idéias Radicais durante a Revolução Inglesa de 1640, o celebre historiador britânico Christopher Hill ( 1912-2003) nos oferece uma chave de leitura interessante para a produção literária do período e, pode-se dizer, também para o seu próprio livro. Limitar-me-ei aqui a reproduzi-la:

“ Se tem algum valor a analise que esbocei neste livro, ela poderá sugerir novas abordagens de outros aspectos da literatura de finais do Seiscentos. Tanto Milton quanto Bunyan criam para os seus personagens o que chamei de uma “situação `a Robinson Crusoé”, isto é, o isolamento do herói ou heroína face aos elos sociais, como no estado de natureza hobbesiano. A dama de Comus esta perdida no bosque, Adão e Eva tomam “a sua via solitária” do Paraíso para o mundo, Cristo se defronta com Satã sozinho no deserto, Sansão nunca sentiu maior solidão do que quando se ergueu, cercado por seus inimigos, no templo de Dagon. O peregrino de Bunyan abandona mulher e filhos buscando a salvação; Robinson Crusoé tem como precursor The Isle of Pines ( A ilha dos pinheiros), de Henry Neville. A razão, consciente ou não, para se construir essa situação literária, era a vontade de libertar o indivíduo das tradições, leis e costumes herdados, e de torná-lo apto a encontrar a salvação solitário, à vista apenas de Deus. A luz dessa analise talvez possamos articular essa tendência a libertar o indivíduo das normas sociais com a recusa ranter da moralidade convencional e, ainda, com a tabula rasa de Locke. Podemos entendê-la, mesmo, como a aplicação literária da doutrina da luz interior, quintessência do individualismo radical.”

(Christopher Hill. O Mundo de Ponta Cabeça: Idéias Radicais durante a Revolução Inglesa de 1640/ tradução de Renato Janine Ribeiro. SP: Companhia das Letras, 2º reimpressão, 1987, p. 390)

MELANCOLIA

Deixo a chuva
Cair sobre mim
Como uma melancólica mensagem
De dia seguinte,
Um dizer de amanhã ausente
Que se deita na face do tempo
E prova a preguiça de todas
As eras.

Passados me abraçam
Em gritos
No distanciar-se de futuros.
Penso no vento dizendo
Blowin’ in the Wind
No movimento vivo
Que em qualquer parte
nos faz rolling Stones.

quarta-feira, 26 de março de 2008

MARILYN MANSON: THE GOLDEN AGE OF GROTESQUE


A alegoria obcena ultilizada por Merilyn Manson nas performaces de seus shows, em especial os correspondentes a turnê de seu álbum The Golden Age of Grotesque, são alegorias carnavalescas que expressam a um mesmo tempo uma corrosiva critica a industria do interterimento, a moral tradicional e ao “principio de prazer”. Por outro lado, na performance de Manson há uma desconstrução sarcástica e corrosiva da inibição configurada pela tradição judaico cristã com relação a experiência da matéria e do corpo. Suas fantasias parecem simplesmente nos dizer o quanto a consciência não coincide com qualquer código moral, mas o transcende na medida em que pressupõe a experiência das polaridades, da coincidentia oppositorum como princípio.

SOBRE PSICOLOGIA ARQUETIPICA

Creio que um dos méritos da proposta de uma psicologia arquetipica, tal como formulada por James Hilman, encontra-se no fato de não reduzir arquetipico a psique caindo assim nos elementares “psicologismos” inerentes a linguagem e imagem de mundo dos psicólogos e terapeutas de um modo geral.
Psique, terapia, psicologia, cura, etc... não passam de imagens arquetipicas e tal afirmação apenas nos conduz a questão elementar da relação complexa existente entre consciência e imaginação.
Toda forma de representação ou reflexão em torno disto já é um exercício de fantasia e, talvez, algo mais do que isso. O que interessa aqui é o paradoxo deste fenômeno. Não quero afirmar, pura e simplesmente, que tudo é fantasia, mas que movimentar-nos unilateralmente a partir de nossos referenciais egoicos de consciência e realidade é um modo de ignorar algo importante sobre nossa irracional e imaterial consciência de mundo, construindo uma unidade falsa entre as palavras e as coisas através de alguma ilusão pueril de verdade.

JAMES HILMAN: PSICOLOGIA ARQUETIPICA E JUNG


Estudos de Psicologia Arquetipica de James Hilman reúne alguns de seus ensaios escritos em diferentes contextos durante os anos sessenta e setenta. Nestes podemos perceber a originalidade da proposta do autor dentro do vasto campo da psicologia analítica, seu esforço sistemático para “atualização” do campo de força constituído pela “imaginário junguiano” e a construção de uma leitura heterodoxa ou que simplesmente conduza a um novo momento de desenvolvimento a matriz cultural inspirada pela obra de Jung.
É nesse sentido que ele nos propõe a designação de psicologia arquetipica para definir o fazer-se contemporâneo da psicologia inspirada por C G Jung.
Em seus próprios termos:

“As expressões: junguiana, analítica e complexa nunca foram escolhas felizes nem adequadas à Psicologia que tentavam designar. Parece necessário adotar uma palavra que reflita a abordagem característica de Jung, tanto em relação à teoria e ao que de fato tem lugar na prática, como em relação à vida em geral. Chamar essa psicologia hoje de “arquetipica” é uma decorrência de seu desenvolvimento histórico. De certo modo os termos iniciais foram superados pelo conceito de arquetipico, que Jung ainda não tinha elaborado ao tempo em que deu nome à sua psicologia. O arquetipico é o mais ontologicamente fundamental dos conceitos psicológicos de Jung, com a vantagem da maior precisão, alem de ser, por definição, sempre parcialmente indefinível e aberto. Os arquetipicos são os órgãos em que se situa a vida psíquica, agentes operativos da idéia que Jung tinha terapia. O próprio Self inclui-se, conceitualmente, entre os arquetipicos. Essa designação reflete um aprofundamento teórico na parte final da obra de Jung, uma tentativa de solucionar problemas em um nivel alem dos modelos científicos e da terapia no sentido usual, pois os problemas da alma já não são problemas no sentido usual. Em vez diso, vão-se buscar as fantasias arquetipicas existentes no interior dos “modelos”, da “objetividade”, dos “problemas”. Já em 1912 Jung dispôs a analise num esquema arquetipico, libertando com isso o arquétipo do confinamento ao analítico. A analise pode ser um instrumento para a compreensão dos arquetipicos, mas não pode dar conta deles. É dando prioridade ao arquetipico sobre o analítico que propiciamos a psique uma oportunidade de sair para fora dos consultórios. O próprio consultório com isso ganha uma perspectiva arquetipica. Afinal, também a analise é uma dramatização de uma fantasia arquetipica.”
(James Hilman. Por que “Psicologia analítica” in Estudos de Psicologia Arquetipica. RJ: Achiamé, 1981, p.1981, p. 165.)