segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A PRECEPTORA NA LITERATURA INGLESA


A imagem da preceptora como personagem literária me foi apresentada pelo ensaio de Maria Conceição Monteiro intitulado Sombra Errante: A preceptora na narrativa inglesa do séc. XIX. Parafraseando a autora no prólogo da obra, talvez, um dos atores sociais mais recorrentemente representados na literatura inglesa do séc. XIX, tenha sido a prepecptora. Podemos encontrá-la no da narrativa de alguns dos principais escritores do período, desde Charllote Brontë a Thackeray.
Se por um lado lhe são atribuídas como principais estereótipos a passividade e o isolamento, por outro, no contexto da sociedade e cultura vitorianas, sua presença é fonte de conflitos entre as dimensões sexual e moral femininas.
Em outras palavras, se sua função é perpetuar os valores vitorianos ela, ao mesmo tempo, a começar por sua posição social indefinida, sua contraditória inserção no espaço privado e familiar, constituiem uma ameaça aos mesmos.

Segundo Conceição Monteiro,.

“ As obras que fazem um exame da preceptora personagem procuram expor e problematizar as conseqüências do embaraçamento de fronteiras entre o domínio público e privado, bem como o refletir sobre o que isto poderia acarretar quanto à desestruturação da família, suposto núcleo a ser preservado pela sociedade vitoriana. Sem dúvida, a preceptora personagem se desviaria dos padrões sociais vitorianos, já que ela poderia manifestar desejos. E é isto que a faz perigosa e ao mesmo tempo um ser sombrio e transgressor.”


(Maria Conceição Monteiro. Sombra Errante: A preceptora na literatura inglesa do séc. XIX. Niterói: EdUFF, 2000; p.14.)

Empregada como governess, a função da prepeptora é comandar ou disciplinar o pequeno espaço de um universo doméstico, o que só é possível na medida em que ela aprende a governar a si mesma, a calar e sufocar sua própria identidade como indivíduo e mulher.
Em outros termos, a preceptora personifica os dilemas da mulher oitocentista que, objeto de repressão social, torna-se ao mesmo tempo imagem de alteridade e ameaça em uma sociedade que se nega como profundamente inquieta, plural e em vertiginoso movimento.

domingo, 9 de dezembro de 2007

PÓS IDENTIDADE

Existo
Apesar e através de mim
Somando os futuros
Do meu passado.
Vivo a um passo atras
De meus desejos,
Brincando e brindando
A vida;
Tentando embriagar o tempo
E me perder
No além do meu próprio rosto
Perdido no mundo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

NIETZSCHE E A LÓGICA DO REBANHO


“Instinto de rebanho.- Onde quer que nos deparemos com uma moral, encontramos uma avaliação e hierarquização dos impulsos e atos humanos...”

F. Nietzsche.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um dos mais radicais críticos da sociedade de massas e da democracia moderna. Sua filosofia é esencialmente uma defesa da individualidade e singularidade humana. Pois, tornar-se o que se é, constitui para ele o grande desafio do homem que transcende o sentimento de pertencimento a mediocridade do rebanho. Es a essência de seu “super homem”...

Valho-me aqui de um fragmento de sua GAIA CIÊNCIA para ilustrar esta faceta de seu pensamento:

Remorso de rebanho- Nos tempos mais longos e mais remotos da humanidade, o remorso era inteiramente diverso do que é hoje. Hoje em dia alguém se sente responsável tão só por aquilo que quer e faz, e tem orgulho de si mesmo: todos os nossos mestres do direito partem desse amor-próprio e prazer consigo de cada indivíduo como se desde sempre se originasse daí a fonte do direito. Durante o mais longo período da humanidade, no entanto, não havia nada mais aterrador do que sentir-se particular. Estar só, sentir particularmente, não obedecer nem mandar, ter significado como indivíduo- naquele tempo isso não era um prazer, mas um castigo; a pessoa era condenada a ‘ser indivíduo’. A liberdade de pensamento era o mal estar em si. Enquanto nos sentimos a lei e a integração como coerção e perda, sentia-se o egoísmo como algo doloroso, como verdadeira desgraça. Ser si próprio, estimar-se conforme uma medida e um peso próprios- era algo que ofendia o gosto. Um pendor para isso era tido por loucura; pois à solidão estavam associados toda a miséria e todo o medo. Naquele tempo, o ‘livre arbítrio’ era vizinho imediato da má consciência: e quanto mais se agia de forma não livre, quanto mais transparecia no ato o instinto de rebanho, em vez do senso pessoal, tanto mais moral a pessoa se avaliava. Tudo o que prejudicava o rebanho, seja que o indivíduo o tivesse desejado ou não, dava remorsos ao indivíduo- e também a seu vizinho, e mesmo ao rebanho todo!- Foi nisso, mas do que tudo, que nos mudamos.”

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

PREGUIÇA

Preguiças em festa
Inventam uma paz gratuita
De vazio pensar e inércias,
Adivinham sonos
No fundo claro da tarde,
Procuram
Os pequenos torpores
Dos cansaços anônimos
De dias inacabados.
Busco
Sem querer
Pura e simplesmente
A própria melancolia
Do azul do céu...

FORTUNA

Na fumaça de um cigarro
Imagino a vida
Como um lance de dados
Sobre a superfície do tempo.

Os deuses
Em sua distante eternidade
Sussurram levemente:
Game on
E brindam ao suspense
Da sorte
De uma existência
Finita em desertos de mundo.

NOTURNO

Luzes sonolentas
Iluminam calçadas
Tristes de chuva
Diante da indiferença
De carcumidas
E melancólicas fachadas;
Quase rostos de prédios perdidos...

No corpo de portas fechadas
Brilha tatuado um OPEN fosforecente
Convidando ao mais que profundo
Da trama noturna
Enquanto reviro
Em um canto de acaso
Os restos do dia
E as sobras dos atos
Buscando um pedaço sujo de futuro.

ON LIBERTY: Stuart Mill e a defesa da Liberdade


John Stuart Mill ( 1806-1873) é, sem dúvida, o mais expressivo expoente do liberalismo inglês durante a era vitoriana dada a repercussão de suas CONSIDERAÇÕES SOBRE O GOVERNO REPRESENTATIVO ( 1861). Mas é em sua obra anterior o ENSAIO SOBRE A LIBERDADE ( 1859) que encontramos a matriz de sua maturidade intelectual e, segundo penso, onde a contemporaneidade de seu pensamento se faz mais evidente para um leitor de inicio de milênio.
On Liberty é acima de tudo uma defesa da liberdade do indivíduo e de sua autonomia frente a potencialmente tirana “ditadura da maioria” personificada pelo Estado, o conformismo moral e religioso.
Cabe esclarecer que Mill foi um crítico da democracia de massas. Ao contrário da tendência a uniformidade da vontade comum, valorizou a diferença, a pluralidade e o conflito no jogo social, dado que a unidade de opinião, se não utópica, não é desejável ou dá conta da complexidade de nossa experiência de vida.
A diversidade é a essência da liberdade e a autonomia do indivíduo constitui uma esfera de não interferência para o Estado e a Sociedade. Esta premissa filosófica constitui uma verdadeira trincheira contra os perigos representados por todas as formas de tirania e totalitarismo e fundamentalismos que obscureceram a cultura e a política do século XX e ainda não parecem até o momento fora do incerto horizonte do século XXI.

“... À parte dos dogmas peculiares de pensadores individuais, há também no mundo como um todo uma crescente inclinação a exagerar indevidamente os poderes da sociedade sobre o indivíduo, tanto pela força de opinião quanto até mesmo pela força da legislação; e como a tendência de todas as mudanças acontecendo no mundo é de reforçar a sociedade e diminuir o indivíduo, esta invasão não é um dos males que tendem a desaparecer espontaneamente, mas, ao contrário, crescer cada vez mais terrível. A disposição da humanidade seja como governantes ou cidadãos, de impor suas próprias opiniões aos outros, é tão energicamente apoiada por alguns dos melhores e por alguns dos piores sentimentos inerentes à natureza humana, que quase nunca tal disposição é mantida sob controle por qualquer coisa que não seja desejo de poder; e como o poder não está diminuindo, mas crescendo, a menos que uma forte barreira de convicção moral possa surgir contra a desordem, devemos esperar, nas atuais circunstâncias do mundo, vê-lo aumentar.”


John Stuart Mill. Ensaio sobre a Liberdade./ tradução: Rita de Cássia Gondim Neiva.SP: Editora Escala, s.d, p. 32 et seq.)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

literatura inglesa xv


No cenário da poesia de língua inglesa, o nome do norte americano William Carlos Willians ( 1883-1963) ocupa um lugar de considerável destaque. Podemos considerá-lo o mais moderno de todos os poetas, pois ele foi inequivocamente o poeta do imediato e das sensações; da intimidade do real, traduzindo em poesia as inquietações e buscas que marcaram tão radicalmente a primeira metade do séc XX e seu microcosmos cotidiano.
Williams inventa uma nova fala em incomparável engenhosidade pragmática, uma fala que expressa profundamente a própria linguagem da América, a palavra em sua imediaticidade imanente .
Nas palavras do critico literário John Malcolm Brinnin

“Há aspectos característicos da fala americana em muitos níveis-regional, social, ocupacional, cultural; a ênfase fonética que os americanos dão a milhares de frases usadas em suas permutas diárias; expressões taquigráficas que significam um estado de espírito ou uma atitude- e que são nitidamente deferentes tanto das usadas pelos britânicos quanto das empregadas geralmente em literatura ou jornalismo. O poeta que pode ouvir essas expressões fuseladas, que pode captar a relação entre um pensamento e a mímica das palavras que o transmitem, deveria encontrar uma forma de usá-las. Quando Williams não tenta fazer de um método espontâneo uma fórmula limitadora, sua explicação da maneira pela qual trabalha é sucinta e esclarecedora: ‘... em alguns dos meus trabalhos tudo quanto tenho a fazer é transcrever a linguagem, quando ainda quente, falada com sentimento. Porque quando ela vem saturada de emoção, tende a ser rítmica, autêntica, inerente ao lugar em que está sendo usada. A batida ritma da linguagem saturada.’”

( John Malcolm Brinnin. William Carlos Williams/ tradução de Nair Lacerda. SP: Livraria Martins ( Coleção Escritores Norte Americanos); s/d.; p.62)

Mas qualquer coisa dita sobre a peculiaridade de sua poesia não esta a altura da experiência direta da singularidade de seus versos:

O GRANDE NÚMERO

Entre a chuva
E as luzes
Vi o número 5
Em ouro
Sobre um carro de incêndio
Vermelho
Correndo
Tenso
Desatento
Aos sinos de alarma
Aos uivos das sereias
Às rodas retumbantes
Através da cidade escura.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O IMAGINÁRIO CONTEMPORÂNEO E O REAL COMO DESAFIO

O roteiro teórico que define o imaginário contemporâneo é, em certa medida, o da peregrinação pelos subsolos de um querer absoluto e sem objetos que nos encanta a percepção na ausência de um quadro completo ou inteligível da realidade. A confusão daquilo que nos faz pensar, o imbróglio do acontecer de tudo, já não nos permite grandes sínteses conceituais.
Uma consciência unitária, uma totalidade sistêmica ou um mundo meramente ordenado e explicável, tornou-se hoje em dia, mais do que nunca, um mero vislumbre delirante de um estado de coisas utopicamente ingênuo frente a complexidade vertiginosa de um real que se esfumaça e se faz cada vez mais construção e fantasia coletiva.

cultura pós moderna e contemporaneidade


Publicado originalmente na Inglaterra em 1989, CULTURA POS MODERNA: INTRODUÇÃO AS TEORIAS DO CONTEMPORÂNEO de Steven Connor, permanece ainda hoje como uma referência significativa para os debates em torno do tempo presente inaugurados pelas formulações e polêmicas envolvendo a pauta de discussões aglutinadas em torno da Pós Modernidade.
O autor realiza um exaustivo balanço da condição pós moderna em variados campos: filosofia, literatura, cinema, TV, política cultural, cultura popular, vida acadêmica, etc. em um esforço para a compreensão dos desafios e possibilidades representados pela cultura contemporânea. Realiza ainda um balanço critico dos principais autores que entre os anos 70 e 90 envolveram-se no debate sobre a Pos Modernidade.
Cannor nos convida a uma avaliação crítica da cultura pós moderna em seu conjunto, de suas diversas linguagens, vislumbrando a possibilidade de uma ética político cultural que, indo além do pós moderno, seja capaz de dar conta da pluralidade global que cada vez mais define o tempo presente. Para o autor o que está em jogo é a necessidade, diante do abandono das meta narrativas universalistas e totalitárias, de estabelecer um quadro comum de concordâncias. Pessoalmente não sei até que ponto este consenso mínimo seria possível em um mundo cada vez mais definido pela afirmação ilimitada da diversidade, pela fragmentação cultural, mesmo que como seu contra ponto ganhem força os fundamentalismos e particularimos identidários.
Mas deixando o autor falar:

“ O esvaziamento do horizonte do valor universal leva no final quer a um acolhimento irracionalista da agnóstica da oposição- em termos mais simples, à adoção por falta de alternativas do princípio universal de que a força é o direito-; quer à complacência ingênua do pragmatismo, em que se supõe que jamais podemos fundamentar as nossas atividades em princípios éticos que tenham mais força do que simplesmente dizer “ este é o tipo de coisas que fazemos, porque é adequado para n´s” ( No final, na verdade, a opção pragmática sempre vai se transformar na agnóstica , por que só vai funcionar satisfatoriamente até que alguém se recuse a concordar com você ou a permitir que você discorde dele.) A análise e a política culturais pós modernas por certo marcam um estágio importante e, com efeito, provavelmente epocal, no desenvolvimento da consciência ética, no reconhecimento da irredutível diversidade de vozes e interesses. No entanto, como esse estudo tem tentado mostrar, essa análise cultural sempre corre o risco de se tornar cúmplice das formas cada vez mais globalizadas que buscam submeter, explorar e administrar- e, portanto, restringir violentamente- essa diversidade. A tarefa de uma pós modernidade teórica do futuro tem de ser ( sem dissipar suas energias em fantasias de marginalidade potentemente derrotada, nem estreitar-se num profissionalismo autopromotor e nem agir como legitimação cultural dos efeitos alienantes da “sociedade da informação” do capitalismo avançado) forjar formas novas e mais inclusivas de coletividade ética. Haverá quem veja isso como apenas mais uma recaída desfibrada no universalismo, mas não se trata disso: trata-se de um chamado para a criação de um quadro comum de concordância, único fator capaz de garantir a continuidade de uma diversidade global de vozes.”

(Steven Connor. Cultura Pós Moderna: Introdução as Teorias do Contemporâneo/ Tradução: Adali Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. SP: Edições Loyola, 4º ed., 2000; p. 198)