terça-feira, 31 de março de 2009

CRÔNICA RELÂMPAGO XLVIII


Os primeiros momentos do despertar de cada manhã são definidos por uma involuntária constelação de idéias sobre o que nos espera no dia que se inicia. Talvez este momento seja um dos mais banais e decisivos cotidianos exercícios de memória. Em nossos primeiros pensamentos matinais podemos lamentar a rotina e a impossibilidade de mais algumas horas de sono, correr ansiosos de encontro aos fatos em expectativa de novidades ou pequenos prazeres ou ainda, simplesmente, cumprir mecanicamente os ritos do despertar enfadados com nossas realidades vividas.
Em todos esses casos predomina um irrefletido otimismo que nos leva a crer que nada irá nos desviar do curso do previsível, como se fosse possível domesticar o acaso.
Evidentemente, apesar de nossos “sentimentos de ordem”, a existência e um processo complexo, mutável e imprevisível regido por incertezas, algo impermeável a nossas teleologias e sentidos.
Em poucas palavras, a existência é um desafio que se renova a cada nova manhã, um desafio diante do qual resposta alguma mostra-se satisfatória em alguma dose de niilismo e duvida.
Afinal, até que ponto realmente existimos?

SELEÇÃO NATURAL


O modo próprio da existência
É a seleção natural,
O jogo entre inovação
E adaptação
Que define os mais aptos
Em enfrentamento de mundos.

Ha mais natureza em nossas biografias
Que biologias no pensamento...

Procuro ainda
Meu lugar na evolução
Entre peripécias
De causa e efeito
E devaneios
Que se perdem no vento.
Talvez um dia
me encontre...

SOLITUDE


Sou apenas
Este corpo
Que me define
No tempo e no espaço,
Este irrelevante ponto
De nada
Perdido na imensidão
Do universo.

Despido de significados,
Vivo apenas de fatos,
E atos de pensamento.

Vivo como as pedras
De uma estrada antiga
Perdida no silêncio
De uma erma floresta.

segunda-feira, 30 de março de 2009

MUDANÇA E CONTEMPORÂNEIDADE


Pode-se dizer que a contemporaneidade, em suas linguagens digitais e artefatos tecnológicos, nos submete a uma permanente tensão informacional, a uma gigantesca pluralidade de possibilidades de imagens e possibilidades cognitivas que somos como nunca antes deslocados de nossas convencionais identidades e referências de real.
De fato o horizonte ontológico das possibilidades humanas e trans-humanas do hibrido real que se esboça na virtualidade de nossos artefatos tecnológicos introduz um padrão novo na cultura ocidental, em nossas sensibilidades e configurações culturais. Algo que nos induz a intuir um novo tipo de presença no mundo que, a longo prazo, pode transformar de um modo inédito nossas carcumidas referências de sociedade e civilização introduzindo uma transmutação absoluta de todos os valores. Faça isso algum sentido ou não, o fato é que vivemos tempos confusos e estimulantes onde o real reconfigura-se mais rápido que o tempo e qualquer vislumbre de futuro se faz em poucos anos um esboço tosco de virtuais passados. O mundo vivido nunca foi tão descartável...

domingo, 29 de março de 2009

ESPECULAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM ESCRITA II

Há algo de profundamente subversivo no exercício de um texto, no dizer intimo do real em palavras e jogos de imagens e pensamentos que estabelecem enunciados. Pois escrever é, ao contrário do falar, um exercício de silêncio, um alheamento onde a palavra materializada em narrativas reinventa a própria linguagem em paradoxal exercício de consciência, de irracional abstração do entrelaçamento das palavras pelo fio do significado que inventam o próprio mundo...

ESPECULAÇÕES SOBRE A LINGUAGEM ESCRITA

Ao contrário da voz, a palavra escrita transcende o tempo através da magia do pensamento.Na cultura contemporânea, porém, pode-se dizer que ela transcendeu sua dimensão semântica convertendo-se em uma verdadeira entidade, um não lugar de imagens e significados metalingüístico que, no complexo universo da propaganda sobreposto ao espaço de grandes centros urbanos como New York, parece realizar uma autonomia da letra, do signo, sobre a gramática. Talvez este seja um indicio do quanto todo significado e codificação do real tornou-se virtual, um jogo de consciência ou simulacro.

sábado, 28 de março de 2009

EXPANSÃO

Olho para fora,
Seja de mim,
Do mundo
Ou de tudo
Que se faz pensamento.

Olho para fora,
E quase não vejo nada.

Mas olho para fora...
Despindo-me
De todos os destinos,
Certezas e possibilidades
inventadas de mim mesmo.

sexta-feira, 27 de março de 2009

POEMA PÓS HAMLET


Fiz-me abandonar
No mundo
Provando desertos
Em direções de sóis
Em crepúsculos
E serenidade de luz.

Escavei meu rosto
No chão cotidiano
Até encontrar a caveira
De minhas verdades
E escrever no céu
Um grito liberdade.

RADIOHEAD IN RIO


No ultimo 20 de março, uma sexta feira, tive o privilegio de quebrar radicalmente a rotina e vivenciar uma apresentação da banda britânica de rock alternativo Radiohead no espaço da Praça da Apoteose no Rio de Janeiro.
Como fã incondicional da banda, devo dizer antes de tudo que não se trata apenas neste caso de participar como platéia de um espetáculo de rock and roll. Um show do Radiohead é, com certeza, mais do que isso quando se é intimo de sua singular musicalidade. Trata-se de uma experiência anímica, um momento de deslumbramento ou iluminação profana de múltiplas faces e conteúdos.
No cenário da musica popular contemporânea o Radiohead ocupa um lugar impar. Nenhuma banda possui uma sonoridade tão complexa e um universo de letras tão denso.
Parte da turnê do ultimo álbum In Rainbows, de 2007, lançado inicialmente exclusivamente na internet de modo muito original, embora não seja seu melhor álbum, o que significa apenas dizer que não supera o ontológico OK Computer, é certamente o mais complexo em simbologias e alegorias. O titulo remete ao fluir do humor da banda, as suas várias faces e fases, articuladas como as sete cores do arco-iris. O jogo de luzes que define a linguagem visual do show procura comunicar justamente isso.
Bom, não pretendo aqui definitivamente uma crônica ou impressão pessoal da ocasião da apresentação da banda in Rio, mas relembrá-la, eternizá-la em palavras que, no fundo, não significam nada comparadas a experiência de escutar ao vivo clássicos como No surprises, Paranoid Android, Karma Police e experiências mágicas como The National Anthem e avadir-se do cotidiano através da magia da musica...
Caso tivesse que escolher uma banda de rock que traduzisse em musica nosso sentimento contemporâneo de mundo, de deslocamentos e incertezas identidários, ela seria sem nenhuma duvida o Radiohead de Thom Yorke (vocais, guitarra, piano), Jonny Greenwood (guitarra), Ed O'Brien (guitarra), Colin Greenwood (baixo, sintetizador) e Phil Selway (bateria, percussão).

THE REAL WORLD


Esqueça todas
As palavras ditas
Em seu fazer-se
Cotidiano,
Suas roupas,
Seu rosto e forma.
Concentre-se no silêncio...
It’s the real world.

Jogue ao vento
Os falsos e verdadeiros
Problemas,
Medos e incertezas
De dia seguinte
Até provar o vazio
Do tempo.

It’s the real world
In rites of passage...

What’s the weather like?

O QUASE NADA DE CADA DIA...


O dia seguinte corre ao meu encontro como um estranho a oferecer um abraço frio e formal. O tempo, enquanto isso, oferta possibilidades de riscos, futuros, esperanças ingênuas e leves dissociações de personalidade nos acasos e sonhos que nunca socam realidades. Sei que perdi em alguma parte do jogo entre o eu e o mundo, o rumo do meu destino, o quase saber do meu futuro aberto em possibilidades, erros, a caminho de um nada essencialmente natural.

segunda-feira, 23 de março de 2009

LANCELOT: ESPECULAÇÔES SOBRE O MITO.

A personagem de Lancelot é, depois de merlin, a mais complexa e enigmática do mito arthuriano, personificando dramática e radicalmente o ideário do amor cortês contra os códigos masculinos e partriacais do imaginário medieval.

Foi entre os anos de 1177 e 1180 que Crétien de Troyes compôs Lê chevalier de la charrette, romance que introduziu a personagem na literatura ocidental, já configurado, por um lado como símbolo e representação de cavalaria e distinção e, por outro, de infâmia e degradação.

Lancelot é a personificação mais radical do mito do cavaleiro errante. Seja através do absoluto alheamento de mundo e de si mesmo, entre o fantástico do maravilhoso, do “alem mundo” celta (domínio do sagrado), e o espaço social da tavola redonda (domínio do profano). Instancias que, quase sempre, encontram-se em tensão nas versões cristianizadas da lenda.

Sua marca é a melancolia, o desespero de quem desafia seu próprio tempo na afirmação da ética do amor cortes contra a moral cristã e a cultura partriacal da Idade Media. Genebra, afinal, é para ele mais importante que o grall, personificando o mito do eterno feminino e os imperativos do desejo e do irracional contra todo obscurantismo da fé e da idéia de verdade....

domingo, 22 de março de 2009

LANCELOT


Eu te aguardo
Do outro lado dos sonhos
Dentro do espelho
Alem dos meus medos.

Desconstruo o mundo
Em palavras jogadas
Contra a realidade
Em cada grito perdido
No contido choro
Das imaginações sublimes.

Há futuros
Que jamais viverei
Pois nunca viverei a sombra
De algum nobre rei.

POEMA DE QUASE AMOR

Jamais provei teus lábios
Ou explorei teu corpo
Na emoção de estar perdido
No mundo dos teus olhos.
Se quer sei seu nome,
Nunca escutei sua voz
Em meu coração partido
Como um hino a vida que nunca vi.

Vivi apenas silêncios,
Sombras e sonhos
Na solidão de montanha
De quem adivinha
O peso da vida
Na leveza do vento.

I love my heart.

sábado, 21 de março de 2009

CONTEMPORÂNEIDADE E PÓS IDENTIDADE


A saturação de certos valores e idéias que marcaram a chamada modernidade é um processo descontinuo, invisível e plural em seus significados.
Gosto de pensar este novo momento da história social do mundo ocidental como a gestação imagética de uma revolucionária estética da imanência; como uma recusa do “deve-ser” de todos os sentidos e meta-significados característicos da linguagem da modernidade, seus universalismos, identidades e lógicas monoteístas de homogeneidade...
Faz-se no agora que nos escapa mudamente uma afirmação do efêmero, do imediato, do irracional e do paradoxal como expressão das novas leituras e vivencias de nossa cotidiana condição humana, cada vez mais individuada, deslocada de suas tradicionais representações de sentido laicos e religiosos.
Vivemos tempos de hibridismos, multiculturalismos e pluralidades infinitas de estratégias de ser no mundo.
Entretanto, ainda nos surpreendemos perplexos diante dos espelhos da fenomenologia da existência em desafio múltiplo de diálogos e reconstruções na ontologia de cada dia.
l

AUTO ESBOÇO

Tornei-me
Um simples ensaio
De mim mesmo.
Um esboço incompleto
Do que deveria ser,
Do que poderia viver ou fazer.

Desencontrei-me do destino
Em alguma curva da vida...

Minha existência
Ainda não aconteceu.

quinta-feira, 19 de março de 2009

DIA PERDIDO

Deixei o dia
Passar por mim
Em silêncio.
Fiz dele uma data
Em branco,.
Um furo no calendário
A doer na memória
Como um testemunho
De antigas inércias e niilismos,
De minha falta de mundos
Dentro da insensatez do mundo.

PASSEIO

Acordei com o tempo
Pesando no corpo
E a vida engasgada
Nos pensamentos.

Só me restou
Sair sem rumo
Pela cidade aberta
Em aleatório movimento
De ser entre as coisas.

CRÔNICA RELÂMPAGO XL VII


Quanto do seu tempo dedicas a si mesmo, aos frívolos caprichos do seu simples acontecer? Talvez seja essencial ao equilíbrio dos pensamentos e incontornáveis passos automáticos e tensos do dia a dia ocupar-se regularmente com o nada mais intimo e incomunicável; abandonar-se as delicias e preguiças que produzem as inércias essenciais a mais plena experiência de individualidade e imanência.
Periodicamente precisamos esquecer o mundo, estabelecer nossas estratégias de silêncio e entregar o corpo e o viver a inspiração das preguiças, pequenos e fúteis prazeres.

domingo, 15 de março de 2009

APOLOGIA A PAN


A flauta de Pan
Em minhas mãos
Anuncia sonhos de florestas
Em alguma quente noite de verão.

É tarde,
E meus pensamentos desconcertados
Passeiam no conteúdo de um copo
Assentado sobre uma discreta mesa
De bar de periferia.

Entre euforia e vertigem
Descubro a vida,
Que sou apenas um corpo
Perdido no mundo.

sábado, 14 de março de 2009

NOTA SOBRE BAUDRILLARD, CULTURA DO SIMULACRO E PÓS MODERNIDADE


Para Baudrillard a superação do domínio do econômico sobre a vida é uma ilusão ingênua uma vez que os artefatos culturais , as imagens, representações, sentimentos e estruturas psíquicas tornaram-se parte dos jogos simbólicos da economia. Na verdade a economia tornou-se a grande mediadora de nosso consenso de realidade.
Por outro lado, segundo esse mesmo autor podemos pensar a cultura contemporânea como um regime de simulação, de incessante produção de imagens não fundamentadas na “realidade”, de objetos e experiências manufaturadas que tentam ser “hiper-realistas”, mais reais que a realidade objetiva. Em outras palavras, já não se exige mais que os signos tenham algum contato verificável com o mundo que supostamente representam.

GREEN EYES


Na floresta aberta
Meus olhos se fizeram verdes,
Provando a terra,
O céu e o vento
Na mais viva realidade
Das sensações e desejos.

Violence against
Nature,
Denounced
By green eyes
Moving towards the future.

sexta-feira, 13 de março de 2009

ILUSION


Abracei em uma tarde fria
Um destino qualquer
Para viver de ilusões...

Serei como todo mundo,
Saberei saboreando o concreto
O fugidio momento
Que agora se perde vazio
Na realização dos atos.

Mergulharei na multidão
Correndo ao encontro do nada
Em poses de sentido
Com um discreto sorriso
De certeza de amanhã pretendido
E estética de ilusões.

Decorarei a face estática
Que me define
Com o brilho de um sol de outros mundos...

quarta-feira, 11 de março de 2009

ATOS IMPUROS: A VIDA DE UMA FREIRA LESBICA NA ITALIA DA RENASCENÇA by JUDITH C BROWN

Atos impuros: A vida de uma freira lésbica na Itália da renascença, da historiadora norte americana Judith C. Brown, é uma pesquisa bem documentada e original sobre as representações sociais da sexualidade configuradas pelo imaginário renascentista.
Chama atenção nesta narrativa histórica, as dificuldades que as autoridades ( homens...) da época enfrentavam para compreender a sexualidade lésbica na ausência de vocabulários e conceitos que lhes permitissem "ler" essa experiência feminina de modo adequado ou, ousaria dizer, satisfatório.
Cabe observar que, mais que a “sodomia masculina”, a “sodomia” entre as mulheres era o “pecado que não pode ser nomeado”; consequentemente os documentos de época sobre o tema são escassos, tornando-o um dos mais complexos campos de estudo da historia da sexualidade ocidental.
Por tudo isso, o caso de Benedetta Carlini de Vellano, a visionária abadessa das freiras Teatinas de Pescia, que viveu no séc. XVI, é um precioso e raro estudo de caso que, considerando o método e narrativa adotados por Judidth, também nos leva as fronteiras entre história e literatura.

NOTAS PARA UMA MORAL PÓS MODERNA

O cândido ideal ética universalista, ao contrario do que pensam alguns, tornou-se nos últimos tempos uma pretensão filosófica ingênua. Já não é mais possível conceber uma finalidade teleológica valida para todos os indivíduos.
A ética tornou-se uma questão individual, remetendo antes de tudo a qualidade das escolhas realizadas pelos indivíduos e seus desdobramentos coletivos. Mas tais escolhas já não são mais constrangidas por abstratas e pueris convenções e preceitos dogmáticos como ainda sonham os adeptos dos diversos neo fundamentalismos religiosos.
Uma ética pos moderna tem como ponto de partida uma espécie de principio de responsabilidade por tudo aquilo que escolhemos e fazemos. Pressupõe indivíduos cujo nível de consciência é suficientemente elevado para, transcendendo qualquer orientação moral coletiva pretensamente universalista, estabelecer sociabilidades positivas através do exercício de sua liberdade e do reconhecimento da pluralidade e diversidade como principio da vida humana.

ESPECTATIVA

Guardo sonhos
Perdidos
Em algum eu esquecido
No fundo da memória.

Guardo a lembrança
De coisas jamais vividas,
De reais ilusões de infância.


Pois aguardo o dia
De viver plenamente
A vida que me espera
A sombra de algum presente.

segunda-feira, 9 de março de 2009

CETICISMO

Sigo pela vida
Apenas existindo,
Prosseguindo,
Pura e simplesmente...

Um pouco de mim
Se perde em passado
Outro se faz futuro
Apesar das incertezas
Que pesam nos olhos.

SOBRE O 8 DE MARÇO


O 8 de março, comemorado ontem, ainda traduz uma necessidade vital da cultura ocidental de integração da mulher e do feminino como imagem simbólica e psicologica da condição humana, superando assim definitivamente as heranças partriacais e sexistas que durante séculos relegou a mulher a marginalização e desqualificação cultural no obscurantismo religiosamente justificado de uma idade dos homens... A apologia a mulher, não em suas representações idealizadas, mas como sujeito concreto e ativo do mundo criado todos os dias pelos atos e imaginações humanas, é engendrar novas maneiras de olhar, sentir e representar o mundo. Desafio que, de muitas maneiras, apenas começamos a vivenciar e formular cotidianamente a poucas décadas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

PSEUDO AUTO IDENTIDADE


Posso viver
Em meus dias futuros
Das sobras
De antigas alegrias,
Dos murros na realidade,
Imaginando passados
Que nunca existiram...

Poso viver
Do mínimo de mim mesmo
Em rostos de fantasia,
Até o limite da dor
De ser quase eu mesmo
Em rostos de fantasias.

Mas prefiro viver
Em grito
E desafio de aceitar
O niilismo e liberdade
Da mera poesia de viver.

terça-feira, 3 de março de 2009

STEPHEN BANN E AS INVENÇÔES DA HISTÓRIA


AS INVENÇÕES DA HISTÓRIA: ENSAIOS SOBRE AS REPRESENTAÇÕES DO PASSADO, do historiador britânico STEPHEN BARNN, é uma coletânea instigante sobre os rumos e possibilidades da historiografia contemporânea. Embora tenha sido publicada originalmente nos inícios dos anos 90, ela ainda goza de atualidade pelos temas e questões que aborda. Cabe dizer que, decididamente não são poucos, indo desde a linguagem do fragmento histórico personificada pelos museus e antiquários do séc. XIX, passando pela imaginação histórica do escritor francês Vitor Hugo ou do falsificador literário Charles Bertran, pela relação entre a história e suas ciências irmãs de nascimento, ou seja, a medicina, o direito e o campo teológico, chegando aos tantos discursos da historiografia contemporânea, seu status estabelecido entre o fato, a fé e a ficção, a cartografia e a história da arte.
Esta erudita coletânea insere-se no cenário de um amplo debate internacional, ainda hoje em curso entre os historiadores profissionais, sobre as implicações de uma visão interdisciplinar das representações do passado e do tempo presente sob as formas convencionais já consagradas de se produzir a história enquanto historiografia. A peculiaridade de BARNN nesses ensaios é propor-se, como ele mesmo esclarece em seu prefácio, a ir um pouco além dessa discussão explorando a pluralidade de discursos e perspectivas que definem a historiografia contemporânea, aquilo que torna impossível defini-la no singular. Particularmente acredito ser mais apropriado hoje em dia o uso do conceito “ciências históricas” para definir o nosso complexo conjunto de discursos historiográficos onde, diga-se de passagem, o elemento subjetivo, individual, assume um papel cada vez mais relevante na construção dos discursos historiográficos ao definir e configurar um conjunto de opções metodológicas e sensibilidades:

“ ... Eu diria que esta coletânea de ensaios é altamente relevante para o debate sobre os usos contemporâneos da história que foram mencionados aqui- se esta é uma questão do “novo” contra o “tradicional”, ou da necessidade de historicizar os museus, casas e jardins e deste modo evitar a suavidade sintética de uma exposição desinformada. Mas obviamente eu não me proponho a solucionar qualquer aspecto deste debate. Minha abordagem foi mais no sentido de concentrar atenção sobre o que poderia ser chamado de arqueologia da história: as estruturas e conexões que tornaram possível, durante os últimos séculos, a emergência de um modelo integrado de representação histórica. Por exemplo, no primeiro ensaio, não estou preocupado prioritariamente com o crescimento da profissão histórica, nem com a relevância do que poderia ser chamado de historiografia normativa para a questão de como a história deveria ser ensinada nas escolas. Em vez disso, olho para as fronteiras em mutação entre a história profissional e os protocolos das veneráveis profissões do direito, da medicina e da teologia, sugerindo os modos pelos quais elas contribuíram para definir o espaço disciplinar no qual a história emergiu. Em meu ensaio de conclusão, olho para a mais recente e problemática área disciplinar da história da arte. Pode a arte ter uma história? Nenhum dos influentes porta vozes que escolhi como representantes de dois significativos pontos de vista contemporâneos veria essa pergunta como merecedora de uma resposta simples. Se meus três primeiros ensaios (interessados nas relações entre história e outros materiais textuais) enfatizam a importância dos registros trocados e partilhados, os três últimos abordam, assim, o status histórico da imagem. A descrição semiótica da imagem é utilizada, mas não de modo a excluir o investimento subjetivo do indivíduo.
(...)
As invenções da história são, portanto, para mim, decididamente plurais. Ainda assim, as mudanças de perspectiva e método que emprego são planejadas, em última instância, para indicar, como um fenômeno unificado, as diversas expressões e representações da imaginação histórica que pairam, uma após a outra, nestas páginas. Seria agradável se esta coletânea pudesse ter assumido a mesma forma poética unificada do encantador estudo de Anne Cauquelin, L’invention du paysage; que também é escrito tanto como uma exposição de códigos quanto como um relato de um investimento psicológico e pessoal.”

(Stephen Bann, As Invenções da História:ensaios sobre a representação do passado/ tradução de Flávia Villas Boas. SP: Editora da Universidade dEstadual Paulista, 1994, p. 17-19)

domingo, 1 de março de 2009

A PIECE OF THE FUTURE

Um pouco de futuro
Habita o presente
Soçobrado ao tempo.

Toma de empréstimo
Alguma relíquia perdida
No passado.

A piece of the future,
Very dangerous piece...

O futuro, afinal,
Não se faz de puro amanhã,
Mas da soma dos tempos
De uma vida inteira.