AS INVENÇÕES DA HISTÓRIA: ENSAIOS SOBRE AS REPRESENTAÇÕES DO PASSADO, do historiador britânico STEPHEN BARNN, é uma coletânea instigante sobre os rumos e possibilidades da historiografia contemporânea. Embora tenha sido publicada originalmente nos inícios dos anos 90, ela ainda goza de atualidade pelos temas e questões que aborda. Cabe dizer que, decididamente não são poucos, indo desde a linguagem do fragmento histórico personificada pelos museus e antiquários do séc. XIX, passando pela imaginação histórica do escritor francês Vitor Hugo ou do falsificador literário Charles Bertran, pela relação entre a história e suas ciências irmãs de nascimento, ou seja, a medicina, o direito e o campo teológico, chegando aos tantos discursos da historiografia contemporânea, seu status estabelecido entre o fato, a fé e a ficção, a cartografia e a história da arte.
Esta erudita coletânea insere-se no cenário de um amplo debate internacional, ainda hoje em curso entre os historiadores profissionais, sobre as implicações de uma visão interdisciplinar das representações do passado e do tempo presente sob as formas convencionais já consagradas de se produzir a história enquanto historiografia. A peculiaridade de BARNN nesses ensaios é propor-se, como ele mesmo esclarece em seu prefácio, a ir um pouco além dessa discussão explorando a pluralidade de discursos e perspectivas que definem a historiografia contemporânea, aquilo que torna impossível defini-la no singular. Particularmente acredito ser mais apropriado hoje em dia o uso do conceito “ciências históricas” para definir o nosso complexo conjunto de discursos historiográficos onde, diga-se de passagem, o elemento subjetivo, individual, assume um papel cada vez mais relevante na construção dos discursos historiográficos ao definir e configurar um conjunto de opções metodológicas e sensibilidades:
“ ... Eu diria que esta coletânea de ensaios é altamente relevante para o debate sobre os usos contemporâneos da história que foram mencionados aqui- se esta é uma questão do “novo” contra o “tradicional”, ou da necessidade de historicizar os museus, casas e jardins e deste modo evitar a suavidade sintética de uma exposição desinformada. Mas obviamente eu não me proponho a solucionar qualquer aspecto deste debate. Minha abordagem foi mais no sentido de concentrar atenção sobre o que poderia ser chamado de arqueologia da história: as estruturas e conexões que tornaram possível, durante os últimos séculos, a emergência de um modelo integrado de representação histórica. Por exemplo, no primeiro ensaio, não estou preocupado prioritariamente com o crescimento da profissão histórica, nem com a relevância do que poderia ser chamado de historiografia normativa para a questão de como a história deveria ser ensinada nas escolas. Em vez disso, olho para as fronteiras em mutação entre a história profissional e os protocolos das veneráveis profissões do direito, da medicina e da teologia, sugerindo os modos pelos quais elas contribuíram para definir o espaço disciplinar no qual a história emergiu. Em meu ensaio de conclusão, olho para a mais recente e problemática área disciplinar da história da arte. Pode a arte ter uma história? Nenhum dos influentes porta vozes que escolhi como representantes de dois significativos pontos de vista contemporâneos veria essa pergunta como merecedora de uma resposta simples. Se meus três primeiros ensaios (interessados nas relações entre história e outros materiais textuais) enfatizam a importância dos registros trocados e partilhados, os três últimos abordam, assim, o status histórico da imagem. A descrição semiótica da imagem é utilizada, mas não de modo a excluir o investimento subjetivo do indivíduo.
(...)
As invenções da história são, portanto, para mim, decididamente plurais. Ainda assim, as mudanças de perspectiva e método que emprego são planejadas, em última instância, para indicar, como um fenômeno unificado, as diversas expressões e representações da imaginação histórica que pairam, uma após a outra, nestas páginas. Seria agradável se esta coletânea pudesse ter assumido a mesma forma poética unificada do encantador estudo de Anne Cauquelin, L’invention du paysage; que também é escrito tanto como uma exposição de códigos quanto como um relato de um investimento psicológico e pessoal.”
(Stephen Bann, As Invenções da História:ensaios sobre a representação do passado/ tradução de Flávia Villas Boas. SP: Editora da Universidade dEstadual Paulista, 1994, p. 17-19)
Esta erudita coletânea insere-se no cenário de um amplo debate internacional, ainda hoje em curso entre os historiadores profissionais, sobre as implicações de uma visão interdisciplinar das representações do passado e do tempo presente sob as formas convencionais já consagradas de se produzir a história enquanto historiografia. A peculiaridade de BARNN nesses ensaios é propor-se, como ele mesmo esclarece em seu prefácio, a ir um pouco além dessa discussão explorando a pluralidade de discursos e perspectivas que definem a historiografia contemporânea, aquilo que torna impossível defini-la no singular. Particularmente acredito ser mais apropriado hoje em dia o uso do conceito “ciências históricas” para definir o nosso complexo conjunto de discursos historiográficos onde, diga-se de passagem, o elemento subjetivo, individual, assume um papel cada vez mais relevante na construção dos discursos historiográficos ao definir e configurar um conjunto de opções metodológicas e sensibilidades:
“ ... Eu diria que esta coletânea de ensaios é altamente relevante para o debate sobre os usos contemporâneos da história que foram mencionados aqui- se esta é uma questão do “novo” contra o “tradicional”, ou da necessidade de historicizar os museus, casas e jardins e deste modo evitar a suavidade sintética de uma exposição desinformada. Mas obviamente eu não me proponho a solucionar qualquer aspecto deste debate. Minha abordagem foi mais no sentido de concentrar atenção sobre o que poderia ser chamado de arqueologia da história: as estruturas e conexões que tornaram possível, durante os últimos séculos, a emergência de um modelo integrado de representação histórica. Por exemplo, no primeiro ensaio, não estou preocupado prioritariamente com o crescimento da profissão histórica, nem com a relevância do que poderia ser chamado de historiografia normativa para a questão de como a história deveria ser ensinada nas escolas. Em vez disso, olho para as fronteiras em mutação entre a história profissional e os protocolos das veneráveis profissões do direito, da medicina e da teologia, sugerindo os modos pelos quais elas contribuíram para definir o espaço disciplinar no qual a história emergiu. Em meu ensaio de conclusão, olho para a mais recente e problemática área disciplinar da história da arte. Pode a arte ter uma história? Nenhum dos influentes porta vozes que escolhi como representantes de dois significativos pontos de vista contemporâneos veria essa pergunta como merecedora de uma resposta simples. Se meus três primeiros ensaios (interessados nas relações entre história e outros materiais textuais) enfatizam a importância dos registros trocados e partilhados, os três últimos abordam, assim, o status histórico da imagem. A descrição semiótica da imagem é utilizada, mas não de modo a excluir o investimento subjetivo do indivíduo.
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As invenções da história são, portanto, para mim, decididamente plurais. Ainda assim, as mudanças de perspectiva e método que emprego são planejadas, em última instância, para indicar, como um fenômeno unificado, as diversas expressões e representações da imaginação histórica que pairam, uma após a outra, nestas páginas. Seria agradável se esta coletânea pudesse ter assumido a mesma forma poética unificada do encantador estudo de Anne Cauquelin, L’invention du paysage; que também é escrito tanto como uma exposição de códigos quanto como um relato de um investimento psicológico e pessoal.”
(Stephen Bann, As Invenções da História:ensaios sobre a representação do passado/ tradução de Flávia Villas Boas. SP: Editora da Universidade dEstadual Paulista, 1994, p. 17-19)
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