A experiência subjetiva do sagrado é de fato uma das formas como a psique objetiva se revela na experiência singular de um indivíduo. Como já havia percebido WILLIAM JAMES, o sentimento religioso é uma entidade mental multifacetada que se revela de modo autêntico e profundo enquanto assimilação pessoal e singular de pensamentos e sentimentos.
Em suas próprias palavras
Em suas próprias palavras
“Num sentido, pelo menos, a religião pessoal se revelará mais fundamental do que a teologia ou o eclesiasticismo. Depois de estabelecidas, as igrejas passam a viver de uma tradição de segunda mão; mas os fundadores de cada igreja deveram o poder, originalmente, à sua comunhão direta e pessoal com o divino. Não somente os fundadores sobre- humanos, o Cristo, o Buda, Maomé, mas todos os instituidores de seitas cristãs estão nesse caso; de modo que a religião pessoal deve ainda parecer primordial até aos que continuam a julga-la incompleta.
(...)
A religião, por conseguinte, como agora lhes peço arbitrariamente que aceitem, significará para nós os sentimentos, atos e experiências de indivíduos em sua solidão, na medida em que se sintam relacionados com o que quer que possam considerar o divino. Uma vez que a relação tanto pode ser moral quanto física ou ritual, é evidente que da religião, no sentido em que a aceitamos, podem brotar secundariamente teologias, filosofias e organizações eclesiásticas.”[1]
A “religião pessoal” caracterizada pelo autor, da qual a alquimia medieval, com as devidas reservas pode ser interpretada como um dos seus mais relevantes exemplos, pressupõe um estado de espirito onde a “ilha egóica” é transcendida pelo “continente inconsciente”. O arrebatamento pela intuição do infinito conduz a realidade psicológica do invisível, a experiência “redentora” do self que, devo dizer, vai muito além da cristalização de qualquer dogma ou da adesão mecânica a uma “comunidade do espirito”. Trata-se obviamente de uma gnose ou de uma opus.
Inspirando-me em JUNG, diria que a aventura espiritual do nosso tempo consiste na entrega da consciência ao indeterminado e indeterminável da psique. Esta é por natureza uma experiência pessoal na qual o indivíduo confronta-se involuntariamente com as representações primordiais da alma coletiva. Ela compreende, em outras palavras, a busca e realização em cada pessoa de uma individualidade psicológica, a uma auto descoberta de si mesmo como totalidade e unicidade.
Assim como através do corpo introjetamos psicologicamente o mundo exterior e físico, através de nossas fantasias religiosas, sejam laicas ou sacras, apreendemos o mundo interior da psique. Como conclui WILLIAM JAMES:
“ Segundo a minha maneira de ver, o modo pragmático de considerar a religião é o mais profundo. Dá-lhe corpo assim como lhe dá alma, fá-lo reivindicar para si, como tudo o que é real precisa reivindicar, algum reino característico de fatos. O que são os fatos mais caracteristicamente divinos, independentemente do influxo real de energia no estado de fé e no coração, não sei. Mas a super crença à qual estou pronto para aventurar-me pessoalmente é que eles existem. Toda a corrente da minha educação tende a persuadir-me de que o mundo da nossa consciência presente é apenas um dentre os inúmeros mundos de consciência que existem, e que esses outros mundos devem conter experiências providas também de um significado para a nossa vida; e que embora tais experiências e as experiências deste mundo sejam discretas, em certos pontos se tornam contínuas, e energias mais elevadas filtram-se até nós.”[2]
O mundo da consciência demarcado pelo pensamento religioso, desde a decadência da influência da Igreja Católica de Roma sobre a cultura ocidental, pode-se dizer, iniciada com as heresias do século XII, consolidada com a Reforma Protestante e recentemente complementada pelo refluxo de todas as religiões institucionais frente ao desafio do deslocamento da identidade do indivíduo, tema corrente entre os autores ditos “pós-modernos”, parece apontar para afirmação crescente da religiosidade como uma experiência cada vez mais pessoal e subjetiva. O protestantismo e posteriormente o esoterismo do século XIX, cujas marcas são claras na poesia de um Baudelaire, de um Gerald de Nerval ou de um Willian Blake, anunciam inequivocamente uma profunda transformação do relacionamento existente entre o indivíduo e o sagrado cujas proporções não podem ser esgotadas neste breve ensaio. Não seria, entretanto, precipitado toma-la como uma possível redescoberta do indivíduo e redimensionamento da consciência do coletivo. Falar sobre isso significaria, entretanto, extrapolar os limites da ciência e mergulhar no pântano escuro das especulações subjetivas, caminho que aproximaria as ciências humanas da categoria de arte, de criação.