Foi no terceiro volume de sua
Historia da Sexualidade que Foucault nos apresentou o conceito de cuidado de
si, problematizando de forma original as configurações da subjetividade na
cultura ocidental. Para tanto regressou as paisagens da antiguidade greco
romana, dando um colorido novo a filosofia de Platão, dos estoicos e dos cínicos.
Este tema preencheria seus últimos cursos ministrados no College de France interrompidos em 1984 por sua morte prematura.
Segundo Foucault, em algumas
comunidades monásticas do inicio de nossa era, foram elaboradas técnicas que
visavam um dizer constante da verdade de si mesmo a um superior hierárquico, definindo
rígidas regras de obediência. Trata-se de uma confissão permanente de faltas e
medos pessoais que põe em evidência os mais íntimos desejos.
Mas ele também nos fala sobre autores
como Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio, que na antiguidade tardia apontavam para
um outro relacionamento entre sujeito e verdade. Em lugar de uma sujeição a
autoridade e controle, os últimos filósofos da era pagã elaboraram em suas
praticas discursivas uma verdadeira ética da imanência e estética da existência
que, embora pressuponha trabalho e disciplina, não está condicionada a valores
transcendentais ou a afirmação de qualquer ordem social.
O bios torna-se, assim, matéria de uma arte onde o ocupar-se de si
mesmo é também um ocupar-se com os outros e com o mundo, um qualificar-se para
a vida publica, como Foucault demonstra através de uma minuciosa analise do diálogo
de Platão consagrado a Alcebiades, no curso A Hermeneutica do sujeito,
ministrado em 1982.
Todo um modo de vida é definido através
de exercícios de meditação e de ascese que tornam o conhecimento de si um
cuidado de si, ou seja, uma ética e uma estética. Não se trata aqui, portanto, do
sujeito enquanto objeto de um discurso verdadeiro, mas do sujeito afetado e
transformado por uma verdade que se torna forma de vida.
Pode-se falar sem pudor do
conhecimento como um modo de existência, redimensionando a construção da
subjetividade. De fato, trata-se aqui de ir além do jogo da verdade e do poder,
da sujeição a identidades. O estudo dos sistemas de pensamento e das praticas
discursivas conduzem a um questionamento dos saberes normativos e estratificados,
da direção pastoral e autoritária da produção coletiva do conhecimento
orientadas para disciplinar e estabelecer praticas de controle.
Pode-se mesmo fazer um uso
normativo das praticas do cuidado de si, sucumbir a verdade e reduzi-las a mera
disciplina. Mas é o oposto disso que nos leva a invenção de nos mesmos como experiência
de si, do mundo e dos outros. É preciso aprender a inventar-se através das
coisas.