O teatrum
Philosophicum é um ensaio realmente singular escrito por Foucaul em 1970 sobre
a filosofia de Deleuze tendo por referência suas obras Diferença e Repetição e Logica do Sentido. Trata-se de uma arqueologia
das descontinuidades no pensar contemporâneo a partir da noção de acontecimento,
tão cara a Deleuze em sua leitura dos Estoicos. Nenhum comentário aqui possível
substitui a leitura do texto. Ouso mesmo dizer que qualquer comentário possível
não lhe seria digno e o melhor a fazer é recordar um de seus fragmentos como
estratégia de releitura de sua radical critica ao princípio da representação através de uma reversão do Platonismo, como
alternativa ao neo positivismo, a filosofia da História Hegeliana, a
fenomenologia e ao retorno ao Ser proposta por Heidegger:
“ A inteligência
não corresponde à tolice: ela é a tolice já vencida, a arte categorial
de evitar o erro. O sábio é
inteligente. Mas é o pensamento que se
confronta com a tolice, e é o filósofo que a olha. Há muito tempo eles estão frente a
frente, seu olhar mergulhado nesse crânio
sem chama. É sua caveira, a dele, sua tentação, seu desejo talvez, seu teatro
catatônico. No limite, pensar seria contemplar intensamente, bem de perto, e até quase se perder, a tolice; a lassidão, a imobilidade, uma
grande fadiga, um certo mutismo
obstinado, a inércia, formam a outra face do pensamento- ou, antes seu cortejo,
o exercício cotidiano e ingrato que o prepara e que, de súbito, ele
dissipa. O filósofo deve ter bastante má vontade para não jogar corretamente o
jogo da verdade e do erro: esse malquerer, que se realiza no paradoxo, lhe permite escapar das
categorias. Mas, por outro lado, ele deve ter bastante ‘mal humor’ para
permanecer diante da tolice, para contemplá-la imóvel até a estupefação, para
se aproximar dela e imitá-la, para deixa-la lentamente crescer em si ( talvez
seja isso que se traduz educadamente: estar absorvido em seus pensamentos), e
esperar, no final jamais fixado dessa preparação cuidadosa, o impacto da
diferença: a catatonia encena o teatro do pensamento, uma vez que o paradoxo perturbou
o quadro da representação.”
Michel Foucault in Theatrum Philosophicum
(1970)