segunda-feira, 30 de julho de 2007

DEVANEIOS E PREGUIÇAS DE MIM MESMO

PREGUIÇA
Sonhei andar sobre o ar,
saborear a liberdade
de lugar algum
no absoluto estar em mim mesmo.
Sondei o corpo do ceu
até o dizer do silêncio
e o repentino acordar noturno
para um dia
de horas perdidas.
***************
Nasci em um dia qualquer,
um dia igual aos outros
entre um depois e um ontem
de incertezas e ventos.
Nasci para o incompleto
passar do tempo
no corpo de rasos fatos.
Cai nas horas
para a precipitada invenção
de passados
na memória de futuros urgentes.

NOVALIS: FRAGMENTO

“Hamlet termina esplendidamente- aste[ nicamente] começa-estenicamente termina. Wilhelm Meister termina com a síntese das anatomias- porque foi escrito para e pelo entendimento.
Quem considera a vida de outro modo, que não como uma ilusão que se aniquila a si mesma, esta ainda ele próprio embaraçado na vida.
A vida não deve ser um romance dado a nós, mas um romance feito por nós.”
NOVALIS in POLEN: FRAGMENTOS,DIÁLOGOS E MONÓLOGOS.

domingo, 29 de julho de 2007

O MITO DO HEROI E A EXPERIÊNCIA DA INDIVIDUALIDADE II

A individualidade é uma totalidade complexa e um devir de imagens e símbolos.

Como observa JOLANDE JACOBI,

Ao lado de símbolos venerados, que se formaram através de milênios no espírito humano, existem também os que nascem da capacidade formadora de símbolos em cada indivíduo; estes, no entanto, baseiam-se na sua totalidade, em formas arquetípicas fundamentais que, correspondendo à sua força de expressão e riqueza de conteúdo , são aceitos pela humanidade ou por grupos maiores ou menores.” 1

A psicologia da humanidade, como acreditava JUNG, corresponde a psicologia do indivíduo. Logo, seria uma lamentável precipitação querer reduzir a vasta problemática da individualidade humana a consecução identitária do ego ou a fantasia do individualismo abstratamente vislumbrado como pura antítese do coletivo. A individualidade não é um dado estático, mas um processo dinâmico onde o particular e o universal, o inconsciente e a consciência, a cultura e a natureza, dentre outros pares de opostos, se equacionam, incorporando-se mutuamente na definição sempre provisória do confuso e singular arranjo que é cada ser humano.

JOSEPH L. HENDERSON chama atenção para uma característica essencial do mito do herói que nos ajuda a melhor compreender esta intercessão entre o pessoal e o transpessoal, o objetivo e o subjetivo, na delimitação da individualidade :

“... uma outra característica relevante no mito do herói vem fornecer-nos uma chave para a sua compreensão. Em varias destas histórias a fraqueza inicial do herói é contrabalanceada pelo aparecimento de poderosas figuras ‘tutelares’- ou guardiaes- que se permitem realizar as tarefas sobre-humanas que lhe seriam impossíveis de executar sozinho. Entre os heróis gregos, Teseu tinha como protetor Poseidon, deus do mar; Perseu tinha Atenéia; Aquiles tinha como tutor Quiron, o sábio centauro.
Estas personagens divinas são, na verdade, representações simbólicas da psique total, entidade maior e mais ampla que supre o ego da força que lhe falta . Sua função específica lembra que é atribuição essencial do ,mito heróico desenvolver no indivíduo a consciência do ego – o conhecimento de suas próprias e fraquezas- de maneira a deixa-lo preparado para as difíceis tarefas que a vida lhe há de impor. Uma vez passado o teste inicial e entrando o indivíduo na fase de maturidade de sua vida, o mito do herói perde a relevância. A morte simbólica do herói assina-la, por assim dizer, a conquista daquela maturidade.”2

Para o autor, o herói define-se como tal na medida em que se envolve criativamente com a totalidade da psique. Neste sentido, como observa NAURO DE SOUZA VARGAS no breve prefácio elaborado para o terceiro volume da MITOLOGIA GREGA de JUNITO DE SOUZA BRANDÃO, sempre que algo novo e transformador vai se implantando em nossa consciência pessoal e coletiva algum dinamismo heróico é ativado. A imagem do herói cumpre, portanto, uma função intermediária entre o mundo da consciência e o inconsciente. Em outros termos, o herói é aquele que nasce para servir a um dado conteúdo inconsciente que busca integrar-se a consciência.

O MITO DO HEROI E A EXPERIÊNCIA DA INDIVIDUALIDADE

A imagem e realidade arquétipica do indivíduo, muito provavelmente, como sugere JUNG, irrompeu na consciência através do mito do herói cuja presença é indiscriminadamente identificada em inúmeras culturas do mundo arcaico. Ele representa, paradoxalmente, o próprio ser coletivo, “aquilo que é comum a todos” , ou ainda, a coesão primária da espécie ditada por suas raízes na natureza biológica e inconsciente. Por outro lado, em suas aventuras, o herói é também aquele ser transitório que superando inúmeras ameaças, obstáculos, provas e sofrimentos diversos, conquista e afirma sua singularidade frente a objetividade física e psíquica. Mas foram necessários séculos e séculos de história para que o indivíduo singular introjetasse uma pequena parcela da psicologia do herói.

Em SÍMBOLOS DA TRANSFORMAÇÃO JUNG afirma que,

“O homem como indivíduo é um fenômeno suspeito, cujo direito à existência poderia ser combatido sob o ponto de vista biológico, segundo o qual o indivíduo só tem sentido como ser coletivo, como elemento integrante da massa. Mas o espectro cultural lhe confere um significado que o separa da massa e que no decorrer de milênios levou a formação da personalidade, passo a passo com o qual se desenvolveu o culto do herói.”1

Em poucas palavras, a imagem do herói, em suas muitas variantes, parece sugerir no desenvolvimento da consciência diferenciada, uma tendência a afirmação do indivíduo singular como locus de transformação e de devir da experiência humana genérica. Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento de qualquer forma de civilização ou cultura pressupõe, em alguma medida, um sacrifício do “homem natural” ou inteiramente submetido a lei da espécie e a segurança da orientação coletiva. Desta forma, o processo civilizatório fomenta tanto um progressivo desenvolvimento da consciência coletiva, quanto uma gradativa auto-consciência da individualidade, referencial simbólico e ontológico onde a diversidade de tudo o que existe toma a forma de uma unidade teleologicamente orientada para uma determinada finalidade. Em outras palavras, em qualquer sociedade, a vida individual, nossa essência singular e concreta, é aquele micro universo ontológico onde os fatos humanos e naturais adquirem realidade, significado e propósito. A atitude psíquica do indivíduo ante as condições externas da existência e do cânon simbólico de uma sociedade é um fator decisivo e crucial para o curso do desenvolvimento cultural.

Rendo-me preguiçoso
A diversão da janela,
Inventando ócios
No movimento gratuito
Da paisagem.

No canto escuro da sala
Aguardam tarefas,
Agendas e horas marcadas.

Quase não as vejo
Com os olhos cheios de sol.
Hoje é apenas hoje,
Apenas momento
E acontecer sem rumo
Em um retrato solto
De realidade.

NA FRONTEIRA DO SONHO

Tento chegar ao fundo
De um mudo momento
Em que se fazem absolutas
Antigas paisagens oníricas.

Na película de um filme antigo
Imagens embriagam os olhos,
embaralham o mundo.

Tudo se torna profundo
na superfície do espelho.






J W Goethe: AS ETAPAS DA VIDA....

A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência da peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se protanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as mais das coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Máximas e Reflexões"

domingo, 22 de julho de 2007


Escapo...
Escapa-me,
no invisível de um fio de sentido
que me guia
pela paisagem de um sonho azul.

Ilusão ou visão de mim mesmo
no fundo de um silêncio
entre noites.

Acontecer absurdo
de um quase discurso
no jardim das inercias
abertas em meu cotidiano.

Este rosto oculto
no disfarce de mil faces
faz parte dos muitos
dentro de mim
que se perderam em algum mar distante.

É como o vento que passa impune
pela paisagem fria
e enlaça meus pensamentos
em um laço de duvidas e sonhos.

Quase indiferente
Recolho o mito do quintal
e enterro retratos ao pé de um muro.
Pois já não sei que rosto
vestirei para a festa do meu futuro.
Já não sei tantas coisas
que me perco no desarrumar da casa
lembrando a vida das flores
de um jardim de domingo
que nunca vi.

C.G.JUNG: Fragmentos aleatórios

“Immanuel Kant disse certa vez que duvidava de toda história individual sobre fantasmas, etc., mas, se tomadas em conjunto, havia algo nelas. Isto me lembra fatalmente um professor de teologia católica que, tratando dos sete argumentos da existência de Deus, teve de admitir que cada um deles continha um silogismo. Mas disse ao final: “ Admito que, considerados individualmente, podem ser falsos, mas o fato de serem sete deve significar alguma coisa”.Eu examino minunciosamente o meu material empírico e devo dizer que, entre muitíssimas suposições arbitrárias, há casos que me fazem titubiar. Tomei como regra aplicar a sábia frase de Multatuli: Não existe nada que seja totalmente verdadeiro, nem mesmo esta frase.”

C.G.Jung. Carta a H J Barret. Daniem (Conn.) EUA- 12.10.1956, in Cartas de C G Jung: Volume III, 1956-1971. Petropoles: Vozes,2003; p. 52.

“...O ingles acredita que é possível controlar as emoções e educa seus filhos de acordo com isso. Ter afetos revela “bad taste” e “bad education”(...) Com exclusão dos ingleses e dos budistas, ninguem se dá conta de que o afeto é um estado de emergência.”

C.G.Jung. Carta ao Dr. Ned. F.v. Tischendorf- Zentralblatt für Verkehrs Medizin- Bad Godesberg/Alemanha- 19.04.1958, in Cartas de C G Jung: Volume III, 1956-1971. Petropoles: Vozes,2003; p. 52.