quarta-feira, 10 de novembro de 2021

TRANS ANIMAL

Meu segredo é ser 
um organismo vivo
que guarda a memória de diversas naturezas.
Existo entre o orgânico e o inorgânico,
entre o humano e inumano.

Sou um animal estranho
que tenta viver como as árvores
reinventando a terra e o tempo
indiferente a paisagem.

Sou uma fera transfiguada,
indeterminada e inclassificável.
Não tentem me compreender
 pelo abecedário de qualquer saber ou ciência. 

domingo, 7 de novembro de 2021

PALAVRA VIVA

É urgente
Corporificar o texto
até que não haja fronteira 
entre a palavra e a vida,
ficção e realidade,
na contramão de todo falso realismo racional.

O pensamento é um afeto
que transfigura a palavra,
reinventa o som,
absolutizando a musicalidade,
como caminho do eu ao outro.


A palavra é carne,
vida sem espírito,
que transforma a matéria 
em mundo.

Somos sígnos e símbolos
na trama do sentido
que nos transfigura os sentidos,
que nos refaz no indeterminado
da natureza em infinito.

A palavra é corpo,
poesia viva,
ou natureza em ato  físico e metafísico.


sábado, 6 de novembro de 2021

ATEMPORALIDADE E ESPANTO

Da morte da história nasceu o não tempo do espanto, do inumano contra o antropoceno, reafirmando  a morte do homem, a reviravolta das subjetividades, através  dos corpos que germinam da terra, contra as vertigens do céu e da razão luminosa.
Desvelamos a animalidade e seus afetos, as profundezas do caos da existência, a pobreza do progresso, na redescoberta de um mundo, intenso e  arcaico, entre o mito e a imanência.
Nosso passado nunca foi moderno e nosso futuro é a potência do espanto da vida substantiva.
O atemporal da existência nos surpreende antigos e dissassossegados na falência de todas as épocas.

O DIA SATURADO

Saturado de signos,
significados,
saberes e mercadorias,
o dia era quase ilegível
na praça do mercado.

A vida não vivia.
O tédio nos adoecia,
e as horas apodreciam
a céu aberto.

Todos estavam cansados
de tanta informação 
contra os fatos
E era inútil qualquer interpretação 
daquele dia.
Mas nada que sentiámos
deixaria vestígio. 
O mundo era um cadáver
dentro de um livro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O ENÍGMA DA LINGUAGEM



O grande esoterismo da linguagem é a invenção da realidade como acontecimento verbal, como devir do corpo, além da confissão de verdade, de toda mimese e representação. 

A linguagem é como um organismo vivo que nos transforma, uma imaginação-máquina, que no inventar-se das palavras, nos lança as intensidades do inumano. 

COMUNICAÇÃO HOJE

O grande paradoxo da comunicação é que sempre há mais vozes do que ouvidos no mundo para poucos discursos.
Isso proporciona ao silêncio  a grandiosidade de um evento invisível. 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

ADIVINHAÇÃO

Desaprendi a escrever 
no naufrágio das palavras,
e tropeços do pensamento.
Agora exploro a grafia do ilegível,
os sinais rabiscados em cavernas,
a magia de letras esculpidas em pedras.

Há muito hermetismo na escrita dos loucos
e nos garranchos de uma criança.
 Nada é figurativo.
Tudo é enigma pré discursivo.

Sou avesso a qualquer realismo.
sei que um risco diz mais do que um signo.
Por isso não leio.
Adivinho,
como quem interpreta
cartas de tarô.








sexta-feira, 29 de outubro de 2021

APRENDIZ DO VENTO

Resisto as inércias do barulhento silêncio humano,
e afirmo o indeterminado do movimento.

Tudo em mim é transitório e incerto,
Provisório arranjo dos quatro elementos,
onde o sopro é corpo e verbo.

A verdade em mim não é vontade
e identidade,
é um se fazer experiência 
sem a ilusão  de finalidades
ou causalidades.
Verdade é aprender a ser vento.




COISIFICAÇÃO

O mundo é feito de coisas.
Existimos para as coisas.
Apenas as coisas são. 

Somos governados pela razão das coisas.
 Pois só as coisas importam.

Você precisa de coisas.
pois o corpo
também é coisa
entre coisas.

As coisas estão em todas as partes.
Todo mundo é mais coisa
que gente
em um mundo intensamente coisado.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O SOM DA ESCRITA

Há uma sonoridade na escrita que transcende as letras arrumadas em delicado artesanato sobre a tela branca.
Ela sabe mais nossos olhos do que os ouvidos, confundindo os sentidos nas testuras e movimentos do texto que se inventa na nervura de um real ausente.
A linguagem é viva, mutante,  e indomável, quando livre do jogo da representação ou do vazio da comunicação ordinária. 
Ela se torna esta sonoridade que  inventa a potência do sopro da voz, sendo onda e movimento, no compor das letras. Ou qualquer outra coisa além da própria letra. 
A muda melodia do significado que sempre foge,  alucina as palavras  dentro do branco da tela.
O corpo  encontra a si mesmo e se transforma nas  abstratas sensações que o expandem no mágico som  de uma escrita.
As palavras transcendem a comunicação no inventar de universos e transvalorações.