domingo, 26 de abril de 2020

O RETRATISTA


Entre a esperança e o medo,
Ele descobriu a confiança em si mesmo.
Fez da sua arte barata uma arma contra a incerteza,
Uma resposta ao caos do  mundo,
A morte e a vida,
Colhendo ecos da natureza
No retrato de dias banais.
Não era um pintor,
Era um retratista.
Dedicava-se a beleza dos pormenores,
A singularidade de cada momento,
Na nulidade de sua vida de artista.



quinta-feira, 23 de abril de 2020

MULTIDÃO E BIO POLITICA

A vida moderna
Tornou-se política de Estado,
Administração dos corpos e consciências,
No controle da população 
E  no domínio do território
Que disciplina o viver e morrer.

Virou discurso público, 
Campo de especialistas
E objeto de tecnologias.

A vida agora,
De tão  pessoal, é  questão de estatística,
Labor , consumo e espetáculo virtual.
Não raramente, também é   caso de polícia.
Pois só respira, 
só grita a alma,
A multidão que transgride,
Que se inventa outra coisa,
Que cria uma língua,
E sob o estigma do anormal
Se faz sem rosto no desdizer do mundo
Através de práticas de re- existência.

SER E DIZER

Parto da premissa de que existe um plano Real e imanente que define conteúdo e expressão,  que torna possível todo regime de signos e circulação  de acontecimentos semióticos dentro de nossa vida social. Nossas escrituras da realidade não são  obra de nossas mentes individualizadas, mas de uma singularidade sem sujeito estabelecida pela composição de narrativas a partir dos códigos de enunciados vigentes. Eles se confundem com o fluxo caótico da realidade vivida, experimentada, de todas as formas  possíveis em um dado contexto gramatical de existência. Somos o que dizemos, nos definimos no ato de escriturar o real que nos produz. O nome próprio de um modo de ser é sempre um modo de dizer e fazer o mundo.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

POEMA QUASE ESTÓICO

O ser é  o verbo,
O devir na ação de dizer 
Como fazer acontecimento.

Resumo tudo em único exemplo:
A copa da árvore não é  verde,
Ela verdeja no olhar 
Dentro do verbo.
É tudo encontro e movimento
Entre  proposição e inferência. 

Mas esqueça o que eu disse.
Naturarize-se entre as coisas,
Experimente.
Seja o verbo. 











domingo, 19 de abril de 2020

CORPO E PENSAMENTO

O pensamento é  uma forma de ação,  uma situação  física, na materialidade da imaginação  que nos define o mundo como imagem e semelhança de um eu abstrato e irreal.
Mas o que somos nós no além de tudo aquilo que nos parece real? A vida, afinal, não tem o pensamento como objetivo. Ele não  passa de uma de suas secundárias consequências,  como a consciência não  é  mais do que um efeito do agir do corpo,  de suas ambiências. 

quinta-feira, 16 de abril de 2020

DISCURSO E NARRATIVA

Normalmente, é  preciso falar em demasia até  que algo seja efetivamente dito. É comum que uma única frase defina para um um ouvinte todo conteúdo de um longo discurso. Não  como sua síntese, mas como o que realmente é  relevante. É  como um riff de guitarra dentro de uma performance musical ou como o reconhecimento de uma epígrafe. Em qualquer narrativa retemos apenas o que nos interessa, o que de algum modo nos afeta em particular. Em contra partida, todo narrador leva algum tempo para ser penetrado pelo andamento do seu próprio discurso, para perceber como ele se encadeia ,  se articula,  e estabelece seu próprio ritmo e sentido, disperso em velocidades e intensidades diversas, que o transformam em narrativa.
As palavras possuem uma respiração e pulsação   secreta. Nós  apenas a descobrimos através do exercício de uma narrativa, seja na condição de autor ou de ouvinte de um discurso . Ambos são  momentos  do próprio discurso, do seu modo de composição  e expressão, que nunca é  linear, mas labiríntico, descontínuo.  Sempre há  várias narrativas dentro de um único discurso cuja unidade é apenas aparente.  Além disso, o  fundamento de um discurso é  sempre o próprio discurso. Nunca uma exterioridade objetiva . Nenhuma narrativa é  descritiva, abstrata. Mas como um corpo que dança e faz dançar um discurso. A narrativa é  o movimento do dizer, o discurso sua forma. Ambos se alternam e confundem o tempo todo. Mesmo que qualquer manual acadêmico diga coisa totalmente diversa sobre o assunto. 




segunda-feira, 13 de abril de 2020

QUASE FIM DO MUNDO

Era só  mais uma tarde
De sol e preguiça 
Em um dia banal
De coisas perdidas. 

Era só  a vida
Brincando no tempo
Indiferente a nossa existência suja
E tão poluída.

Era só  a beleza 
De um quase fim do mundo,
No meio de tudo,
Entre causas perdidas.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

PALAVRAS ANTIGAS

Palavras anônimas  ecoam no vento.

São palavras que nasceram com os mortos
E jamais foram escritas.
Pois foram feitas para bocas & danças. 

Elas pertencem ao dizer pequeno e cotidiano
De um existir criança 
Que por nós  foi extinto.

 Habitam as letras de velhas canções de  roda,
Mas já não  sabemos dança-las,
Ouvi-las com os pés  descalços.
Por isso deixamos que sigam com o vento.
Serão para sempre palavras perdidas,
No deserto de nossas vidas.









quarta-feira, 8 de abril de 2020

OS PERIGOS DA REALIDADE

A realidade escapa aos discursos, as narrativas que circulam e conformam consciências. 
Ela se confunde com o silêncio que dorme no fundo de tudo que é  dito ou escrito contra o caos e a loucura.
A realidade é  aquilo que nos confunde, que tenciona, perturba, e permanece selvagem e a margem da civilização que desenha nossos hábitos. 
A realidade é  o inominável que transborda toda confissão  de um mundo verdade.

terça-feira, 7 de abril de 2020

POEMA PÓS EXISTENCIALISTA

Sei que não  posso fugir as metamorfoses e vertigens do instante, 
Ao falso problema de ser eu,
De quase saber o outro,
Frente ao incompreensível do mundo.

Sou simplesmente ninguém dentro da metafísica de cada palavra dita ou escrita
Entre o ser e o não  ser.

Sei que não posso escapar a angústia de um grito que me faz sorrir,
Ao virtual de um estrangeiro  existir  que me quer fazer explodir a alma do corpo,
Me fazer escapar dos limites do rosto e dos pensamentos.

Só  sei que há  uma grande saúde fora de mim,
Dentro de nós e suja de terra
Nos precipícios do mais banal da imanência, 
A margem de todo contrato social
Do outro lado de nossa brutal existência.