quinta-feira, 7 de março de 2019

LINGUAGEM, INDIVIDUO E PREDICADO


O individuo humano se define por seus predicados. Ele não possui substancia em si mesmo como unidade isolada ou fato empírico. É preciso que se faça através da linguagem, dos símbolos e signos que articula na ação de dizer a si mesmo e o mundo. Mas seu dizer não se realiza através de um esforço descritivo e de reconhecimento do que existe, ele se dá mediante a criação de um sentido próprio inerente ao próprio exercício de dizer. Expressão e interpretação coincidem no ato criativo  de dizer.

O mundo acontece na medida em que é interpretado e naturalizado através de códigos socialmente estabelecidos. O individuo acontece como função inerente ao ato do discurso, ele acontece quando faz deste discurso uma singularidade. Deste modo, aquilo que tenho a dizer não pode ser dito da mesma maneira por qualquer outro e, entretanto, comporta o dizer de todos os outros como possibilidade infinita do discurso.  O modo próprio do dizer de alguém é seu mais autêntico predicado.


SOBRE O MUNDO

Andei nos últimos tempos indiferente às pessoas e as paisagens da cidade. O que eu mais queria era estar em mim mesmo, saber tudo o que há para saber sobre o que fui e serei, sobre quem é aquele que me definiu como um eu. 

Mas não demorou muito para perceber que isso de ser eu não existe, que não sou nem na primeira ou na terceira pessoa do singular, que só persiste o mundo, que segue indiferente a mim e aos outros, sem saber se quer que é mundo, que é mudo, e existe sendo tudo que há na consciência e sentimento das coisas.Não existe nada em mim que já não diga este mundo, que já não me ultrapasse como possibilidade e realidade.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A VIRTUDE DA INDIFERENÇA

A indiferença revela-se uma virtude quando nos torna insensíveis à pessoas e fatos cotidianos. Desta forma ela nos permite uma dedicação integral à experiência de nós mesmos como singular  acontecer do mundo, como corpo que povoa a paisagem da vida comum.


A indiferença não exclui relação e interação com  o outro e com as coisas. Ela apenas impede a formação de vínculos e identidades que estabelecem hábitos que nos alienam do vazio que constitui nossa íntima existência.

Dito de outra forma, a indiferença nos permite viver sem que o outro seja um condicionante do rumo de nossas  vidas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

FUGA E ESTRANHAMENTO




Na intimidade do vazio cotidiano
O familiar me hostiliza.

Estou em franca dissonância
Em relação a tudo aquilo que me habita.

Quantos de mim cabem na paisagem?
Quais permanecem?

Tudo esta sempre fugindo,
Sinto que neste exato momento
Estou desaparecendo.

Sou um corpo estranho na paisagem,
Um estrangeiro,
Nas intensidade de errâncias.

A cada instante
Tudo fica mais distante...



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

O QUE É DESCANSAR?


Descansar não é um sinônimo de inércia ou inatividade. Trata-se de um momento de liberdade onde, despidos de nossas cotidianas personas, sucumbimos a criatividade do ócio, a contemplação criadora de nós mesmos. 


Descansar sempre pressupõe a experiência do lúdico e do insignificante. Está associado ao prazer de fazer ou de não fazer alguma coisa útil.

Para nós, filhos de um mundo ainda tão definido pelo conceito de trabalho e de produção da vida, descansar é erroneamente associado a recreação e a algum tipo de exercício inútil. Para mim, ao contrário, o sentido de descansar é experimentar silêncios,  é esquecer de si, dos outros e do mundo.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

QUEM EU SOU?



Quem eu sou é este andar torto,
este rosto banal,
E esta voz quase muda
Que já não escuta o eco
Do seu próprio silêncio.

Quem eu sou é aquele outro
Que sempre me espera
Numa esquina turva,
Mas que um dia estará vazia.
Quem eu sou é uma sombra
Que se multiplica
Em um intervalo de tempo e espaço.
É esse corpo,
Essa agonia.

A VIDA CONTRA A POESIA

Uma vida que nada quer,
Que apenas se apresenta,
É a fonte de toda experiência.


Acontecemos sofrendo a existência,
Sabendo uns aos outros através de palavras.


Três refeições por dia nunca nos bastam.
Queremos devorar o mundo.
Temos fome de infinito.


Mas a vida nada quer,
Escapa às nossas palavras
Como escapamos uns aos outros.


O mundo é quase nada.
A vida não nos basta.
Queremos o brilho dos deuses.
Somos escravos de metafísicas,
Capachos de nossas palavras.


Mas a vida nada quer.
Por isso inventamos a poesia
Apostando na palavra
Contra a própria vida.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O OUTRO DA EMOÇÃO



"A emoção não diz 'eu'. Como você mesmo disse, se está fora de si. A emoção não é da ordem do eu, mas do acontecimento. É muito difícil apreender um acontecimento, mas não acredito que essa apreensão implique a primeira pessoa. Antes seria preciso recorrer a terceira pessoa, como Maurice Blanchot, que diz haver mais intensidade na preposição 'ele sofre' do que em 'eu sofro'." 
Guilles Deleuze. A pintura inflama a escrita in Dois Regimes de Loucos: Textos e Entrevistas ( 1975-1995)


A emoção é uma espécie de possessão. É algo que vem de fora, que invade o eu, a consciência e, simplesmente, transborda.

Ela nos lança ao afeto sem a racionalidade eletiva e a teleologia do sentimento. Mas não há sentido em qualquer oposição entre emoção e pensamento. Ambos são grandezas psicológicas que transcendem o ego.

A emoção não é escolha. É sequestro. Ela acorda em nós um outro, um excesso. Ela nos põe em risco, nos ultrapassa,  sufoca e nos embriaga de caos.
A emoção é mais do  que afeto. É grito e ofuscação.

Aquele que sente não existe dentro do acontecer da emoção. Ela transcende o dualismo entre sujeito e objeto, fazendo o corpo confundir-se com o mundo na intensidade da experiência do dentro e do fora.

O EXTERIOR COMO INTERIORIDADE

A consideração do mundo é sempre uma consideração de si mesmo. A escrita e a fala, expressam esta coincidência entre o eu e o outro dentro de nós. Somos onde não estamos, somos a vida em todas as suas formas. Viver é um movimento para fora, uma exterioridade. Ninguém existe em si mesmo.