A interseção
entre inteligência e sensibilidade define a terceira parte da Ética de Espinosa
e sua teoria dos afetos. É o que confere a sua filosofia o estatuto, já
apontado por Deleuze, de uma filosofia prática fundada na experiência. Mas
afeto não deve ser aqui entendido como um sinônimo de paixão, mas como uma
relação de composição, como um agenciamento entre “corpos”. Tomando corpo como uma
singularidade dinâmica e paradoxalmente incorpórea, expressão imanente de uma
mesma substância infinita que podemos identificar como a própria natureza.
As afecções
remetem ao aumento ou a diminuição da capacidade de agir. Os afetos são potências
em variação que engendram modos de existência imanentes, formas de composição
com o ambiente, de adicionar realidade a própria vida. Inteligência e
sensibilidade não possuem qualquer caráter transcendente.
Derivo desta
leitura de Espinosa, de forma muito livre, um conceito de ambientação onde não cabe
qualquer dualismo corpo e mente, mas a ideia de uma geografia existencial onde
o dentro e o fora compõem um modo de vida, uma forma de habitar a realidade, de
reduzir-se a coordenadas como componente de um processo complexo e
multifacetado. Vislumbro aqui uma cartografia de nós mesmos como interseção de
multiplicidades onde mente, natureza, corpo, signos e símbolos, orgânico e
inorgânico, compõem a experiência singularizada da impessoalidade diversa que articula
o acontecer de um indivíduo. Individuo que não passa de um campo de afetações,
de um afetar e ser afetado, e caracteriza-se como uma indeterminação.
Se somos através
de diversas trocas definidos por uma ambientação a determinado meio, qualquer
ideia de sujeito torna-se ilusória, tão virtual como o próprio ego que, em uma
visão junguiana, não passaria de um complexo entre outros complexos, como a
sombra, a persona, anima, animus, na estruturação de uma personalidade. Existe,
assim, um paradoxo entre determinação e indeterminação. Ambos são diferentes
perspectivas de uma mesma experiência do real que não pode ser reduzida a
qualquer definição unívoca. Tudo que há é
uma espécie de ecossistema. Estamos sempre contidos em algo maior, contendo
algo menor e esta lógica se reproduz ao infinito.