Este Blog é destinado ao exercicio ludico de construção da minima moralia da individualidade humana; é expressão da individuação como meta e finalidade ontológica que se faz no dialogo entre o complexo outro que é o mundo e a multiplicidade de eus que nos define no micro cosmos de cada individualidade. Em poucas palavras, ele é um esforço de consciência e alma em movimento...entre o virtual, o real, o simbolo e o sonho.
sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
MASSA E PODER: UMA ANTROPOLOGIA PATOLÓGICA
Não é possível em algumas poucas
palavras registrar a contento o impacto da leitura de um clássico como Massa
e Poder de Elias Canetti.
Sua matéria prima, em sentido amplo, é nossa própria condição humana e o
processo civilizatório. Mas a partir de um ângulo “selvagem”, ou seja, não
domesticado pela sociologia ou pela ciência politica. Esta é a maior virtude de
sua densa e bem fundamentada narrativa que pode ser considerada uma critica
radical ao poder através de uma espécie de antropologia patológica.
O mito moderno do contrato social é aqui substituído por um associativismo instintivo em uma trama narrativa que esboça uma versão original sobe as origens do totalitarismo .
Significativamente, uma das
imagens chaves deste livro é o arquetípico da luta pela sobrevivência. Questão
que anima a história humana desde seus primórdios e compreende uma das
motivações instintivas mais preeminentes. Afinal, foi ela quem inspirou ao home
arcaico a superação do medo do desconhecido, do pavor de ser tocado, mesmo por
seus semelhantes, permitindo, através do contato, o advento da malta e,
posteriormente, da massa, como padrão elementar da associação humana.
A definição e tipificação de
massa elaborada por Canetti, sua diferenciação e relação com a malta, é questão que por sua complexidade não
comporta aqui uma apresentação resumida e apressada. Cabe apenas apontar que Canetti
revela um conhecimento singular das culturas arcaicas, mas é mediante o
reconhecimento da permanência de alguns elementos deste arcaísmo em nosso
comportamento contemporâneo mais cotidiano, que ele tece os contornos de uma
psicologia da multidão que tem na expressão corporal/motora um de seus meios
mais concretos de expressão cognitiva.
Assim, o ato de agarrar, de
triturar, de morder, de permanecer ereto, subordina-se a constituição de uma
economia simbólica da performance do poder e da potencia de existir. O próprio
poder, neste contexto, entendido como um produto da própria luta pela
sobrevivência, associada à distinção do herói civilizador, do grande líder,
posteriormente ungido pela metafisica religiosa. O líder é legitimado pela
multidão, glorificado como a personificação do sobrevivente por excelência.
Com a decadência das religiões
monoteístas da lamentação, fundamentadas no imperativo do uno e do universal,
que legitimava e fundamentava o prestigio e autoridade do líder, o poder
encontrou na malta, no conteúdo da malta da multiplicação,
para usar uma categoria do autor, um novo e secular princípio para a manutenção
do amalgama coletivo. Assim, não surpreende que hoje em dia todos os países
estejam mais inclinados a proteger sua estrutura produtiva do que a vida de
seus próprios membros. O líder, personificação ideal do sobrevivente, do todo
que é apenas um, é aquele que realmente importa diante das multidões cujo
destino tem nas mãos.
Sendo desta maneira, Canetti
assim define a distinção entre o rico, o detentor do poder e o famoso no que
diz respeito a gloria:
Para o rico o que importa é o dinheiro,
não montes e rebanhos. Os homens não interessam; basta o fato de poder
compra-los. Já o detentor do poder, coleciona homens. Os montes e rebanhos também
não lhe interessam, a não ser como meio para adquirir homens. Já para o famoso,
o que importa são os coros que gritam seu nome. Não importa se vivos, mortos ou
não nascidos, o imperativo é multiplicar aqueles que gritam seu nome,
independente dos montes e rebanhos. Assim, cada um a sua maneira exerce seu
poder diante da massa anônima.
A terapêutica que o autor parece
insinuar diante do patológico e arcaico fascínio do líder que personifica para
todos o drama da sobrevivência, nutrindo uma relação irracional com as massas,
potencializando sua tendência ao crescimento, ao expansionismo constante, na
paradoxal afirmação do um que é todos, é a aceitação franca de nossa própria
vulnerabilidade e limitações.
A prosa densamente literária do
denso estudo de Canetti esta longe de alguma forma ter sido aqui minimamente
apresentada, muito menos resumida. Neste caso, nenhuma resenha possível nos
prepara para a experiência da leitura e sentimento de perplexidade diante da
fragilidades de todo humanismo quando confrontado com a concretude da condição
humana.
A ÉTICA DO CUIDADO DE SI E DOS OUTROS
“em nossas sociedades, a partir de um certo momento – e é muito difícil
saber quando isso aconteceu –, o cuidado de si se tornou alguma coisa um tanto
suspeita. Ocupar-se de si foi, a partir de um certo momento, denunciado de boa
vontade como uma forma de amor a si mesmo, uma forma de egoísmo ou de interesse
individual em contradição com o interesse que é necessário ter em relação aos
outros ou com o necessário sacrifício de si mesmo. Tudo isso ocorreu durante o
cristianismo, mas não diria que foi pura e simplesmente fruto do cristianismo.
A questão é muito mais complexa, pois no cristianismo buscar sua salvação é
também uma maneira de cuidar de si. Mas a salvação no cristianismo é realizada
através da renúncia a si mesmo. Há um paradoxo no cuidado de si no cristianismo...”
Michel Foucault in Ética,
Sexualidade, Política. Org. e seleção de textos Manoel B. da Motta. Trad. Elisa
Monteiro, Inês Autran D. Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
(Ditos & Escritos; V)
Porque pensamos como pensamos?
Eis a pergunta mais elementar de uma hermenêutica de si mesmo, de um exame de
nossos “jogos de verdade” e formatação do real que define os limites cotidianos
de nossa linguagem.
É em torno daquilo sobre o que
nos calamos que se esboça o provisório de qualquer resposta.
O exame de quem somos é a
exploração das fronteiras de nossas certezas e valores, dos nossos condicionamentos
mais insuspeitos, como construções perenes de sentido. Pois a única questão que
permanece em nosso horizonte é aquela pertinente ao que podemos ainda ser além
daquele ponto no qual nos encontramos.
Inspira-se tal horizonte ético naquele
recuo a antiguidade do ultimo Foucault, que articula a questão da verdade,
sujeito e poder a partir das técnicas do cuidado de si e dos outros nos primórdios
da hermenêutica do sujeito na cultura ocidental. Busca-se tal referencia como
ferramenta de estratégias contemporâneas de individuação, de redefinição da
esfera pública como devir do eu e dos outros através de praticas discursivas
que apontam para construção da existência como obra de arte.
terça-feira, 2 de janeiro de 2018
ABRIGO E SILÊNCIO
Inventei o abrigo de um discurso.
Afinal, o mundo apenas existe através do dizer das coisas,
Na linguagem em movimento,
Além do significante
e do significado,
Como uma presença abstrata
Entre a paisagem e o corpo.
Tudo é devir e sentido
No incerto fato de existir.
Neste abrigo de discurso
É, entretanto, a palavra que me inventa
Como silêncio.
O LUGAR DA INDIVIDUALIDADE NO ACONTECER SOCIAL
Viver para si ou para o mundo? A
realidade de nossas praticas coletivas procuram harmonizar estes dois impulsos
difusos e opostos do exercício de nos mesmos enquanto seres viventes em estado
de sociedade. Somos educados para perpetuação pragmática da ordem das coisas,
conformados a um comportamento mimético regido pela experiência de signos e símbolos verbais
e não verbais. Através deles a dialética do eu e dos outros materializa o
social como co- existência de todos em uma dada imagem de realidade e mundo. Mas
a consciência de nossa individualidade é um silêncio e um desvio em relação a experiência
do social. Habitamos este silêncio onde os signos e símbolos podem ser
subvertidos, desfigurados ou reinventados através de recodificações inéditas e
inesperadas. A individualidade é o lugar da criatividade, do incerto e efêmero.
É onde a norma declina e as mudanças são gestadas revelando o social como
devir.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
LINGUAGEM E VIDA
A experiência da realidade é definida pelo exercício de práticas discursivas e pela replicação de um conjunto de enunciados consensuais que nos tornam participantes de uma mesma imagem de mundo.
Assim, a experiência da realidade é definida pela nossa consciência enquanto codificação linguística que estabelece o que é verdadeiro e o que é falso, o que tem ou não valor, através de práticas discursivas.
Linguagem e experiência são um mesmo acontecimento no devir de nossas interações simbólicas. Mas a linguagem tem a si mesma como objeto e é exterior a nossa condição humana cujo exercício é o acontecer do corpo como devir e finitude.
É através da linguagem, entretanto, que estabelecemos o humano como simulacro, como jogo infinito entre significante e significado, como um algo a mais em relação a nossa condição de organismo biológico.
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
DISCURSO E FICÇÃO
Toda prática discursiva possui algo de arbitrário ou ficcional, mesmo quando orientada pela pretensão a qualidade de verdade. Pois parte de um cenário interpretativo, de um referencial simbólico que previamente estabelece a possibilidade de sentido de um enunciado.
Verdadeiro e falso são categorias inerentes à significação discursiva, a ordem de um discurso normativo configurado por um arcabouço disciplinar.
O fato é que todo discurso inventa a realidade que lhe confere significação estabelecendo o que pode e o que não pode ser dito.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
O LUGAR DO EU E DO OUTRO
“Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é
meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são
o mínimo de vida.” (Mikhail Bakhtin)
O outro é a medida da incerteza
de mim mesmo. É a imprecisão que circunscreve o falante e o ouvinte através dos
enunciados.
O outro é o próprio discurso que
se apresenta a partir de sua estrutura e
significações. É o que nos reduz a personas,
no ato do dialogo, em oposição e identidade com aquilo que é comunicado,
compartilhado, formatado pela linguagem. O sujeito é uma função da própria prática
discursiva que simultaneamente o faz um eu e um outro na alteridade discursiva,
na ação dialógica que pressupõe o próprio exercício da linguagem como pratica que nos define a
todos. Se o discurso é quem estabelece sentido a um dialogo, ele também define
o eu e o outro como um lugar dentro do dizer, como uma função inerente a construção do discurso. Somos inventados pelo e para o discurso, nos fazemos através dele aquilo que somos na presença um do outro, na incerteza daquele que fala como eu e também se percebe como um outro.
terça-feira, 19 de dezembro de 2017
NOTA SOBRE JUNG E A MODERNIDADE
Ao pensar todo o desenvolvimento da cultura ocidental a partir de sua configuração pelo mito cristão, Jung estabeleceu uma leitura original da modernidade. Para ele o tema central da época moderna era o deslocamento do homem, enquanto imagem arquetipa, para o centro da consciência. Assim, o homem sentiu sua autoconsciência e seu envolvimento com o mundo material como uma experiência mais forte do que sua dependência de uma divindade onipotente. Tal processo encontra-se representado pelo drama alquímico que, de muitas maneiras, abriu o caminho para conversão do homem a demiurgo de seu próprio mundo social através de uma natureza sacralizada e, ao mesmo tempo, passível de sua intervenção. Confrontado com seu próprio deus, o homem surpreende-se capaz de intervir na criação substituindo este mesmo deus transformando a natureza. Emerge, assim, gradativamente o Homo Faber como imagem de um domínio da natureza e antropomorfização do mundo.
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