quarta-feira, 7 de junho de 2017

PANACÉIA VIRTUAL

 Na atual sociedade de consumo somos induzidos a  buscar uma felicidade quase publicitaria definida pelos mimos das novas tecnologias digitais. Tudo se converte em acontecer simbólico, imagético, através da tele-vida oferecida pelos  celulares, jogos eletrônicos e  outros paraísos artificias que nos transportam ao acontecer virtual ao qual fomos iniciados pela tela do computador. Mas já não se trata mais de estar conectado, mas de viver a conectividade como um modo de existência , como uma extensão  de nosso acontecer no mundo. É cada vez mais difícil pensar, sentir e se expressar longe de uma tela.

Pode ser que logo chegue um tempo em que o próprio conceito de humano nos pareça demasiadamente antiguado para a persona virtual  que cada vez mais nos serve de duplo e tranborda. 

Pode ser que a simulação substitua um dia o mundo tal como conhecemos impondo o virtual como um novo e complementar referencial de realidade. 


SOBRE A VIRTUALIZAÇÃO DA ESCRITA


A virtualização da escrita é, em grande medida, uma luta contra o papel, contra  a concretude das coisas e sua materialidade. A palavra já não busca dizer a realidade.  Ela é inesgotável a qualquer discurso ou enunciado possível.  Deste modo,  sua existência é praticamente uma abstração.  A escrita virtual assume sua condição de discurso, de codificação de mundo que se fecha sobre si mesma através da trama do sentido.

Em outro plano, a virtualização da escrita implica na sua  dessacralização como representação de autoridade e verdade legitimada por uma série de instâncias sociais que permitiam sua seleta publicidade. O virtual democratiza a persona autoral e torna universal sua visibilidade. Pois desloca o escrito do suporte material do livro. Suporte este consagrado ao monopólio de uma elite letrada  articulada em ordens de discursos diversos  e institucionalizados em disciplinas técnicas  que formatam a  abstrata entidade que é a literatura ficcional  ou não.


A escrita virtual é acessível a qualquer um, bem como sua publicidade através do cyber espaço. Ela não possui numen, não expressa nenhum poder. É basicamente um ato de individuação, de construção de um avatar linguístico que resgata o lúdico de escrever, de inventar-se através de enunciados livres do peso de qualquer verdade oficial. Volta-se, ao contrário, contra todas as verdades sagradas.
O texto torna-se a própria assinatura, uma forma única de dizer , de dar vida a um avatar.

OS LIMITES DO LIVRO

O saber circular e pedagógico personificado pelo  livro é cada vez menos sedutor . Os discursos já o transcendem  como  meio ou artifício em tempos de digitalização da própria percepção. Pois o livro não comporta a fragmentação, a simultaneidade caleidoscópica do virtual como nova plataforma de construção e circulação do conhecimento de forma anti sistemática e constantemente aberta. Na medida em que reinventamos o olhar através da tela os enunciados não cabem na monotonia e concretude do impresso.


FRAGMENTO E ENUNCIADO

O jogo de sentido entre a dispersão avulsa e a totalidade dos meus enunciados tem por resultado um dizer aberto. Nada é sistemático ou conclusivo. Afundo convulso no superficial do significado.  Pensar é como colecionar cacos de espelho. Não passa de um jogo e, como tal, possui um componente lúdico.


O dizer das coisas não é um dizer de um eu que pensa, muito menos uma busca pelo desvelamento de qualquer verdade, mas um acontecer de discursos que guardam em si mesmos seu próprio sentido. Aforismos são mais interessantes do que tratados pois proporciona ao dizer uma pluralidade de temas e enunciados que não se esgotam em qualquer arbitrária convenção discursiva.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

DESVIOS EXISTENCIAIS

A vida seguia seu curso
E o mundo sua sina.
Éramos órfãos de muitos futuros
Enquanto cultivávamos o passado
Nas estufas vazias do tempo presente.
Nada dizia venturas,
Viagens ou casa nova.
Éramos os restos de nossos projetos,

Os desviantes de alguma utopia.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

A DECADÊNCIA DA HISTÓRIA

Tendemos a tomar o imediato do agora como um momento crucial e emblemático. Projetamos nele nossas ansiedades e o tomamos sempre como marco de rupturas e transformações. Afinal, diferente do passado e do futuro, o tempo presente é caracterizado pela ação, pelo acontecimento bruto e concreto. É onde as coisas efetivamente acontecem, tanto para o bem quanto para o mal.

Mas não necessariamente o presente é sinônimo de transformação. Sua dinâmica pode guardar inercias, continuidades e muito pouco potencial transformador. Nossa época não necessariamente  é o momento máximo e privilegiado de um suposto “processo histórico” onde nos encontramos constantemente as margens de um futuro condicionado a realização e emancipação da humanidade, tal como proposto pelo pensamento pós hegeliano, especialmente em sua vertente marxiana.

É, ao contrário, atualmente muito difícil vislumbrar um propósito racional ou teleologicamente orientado em  nosso convulso acontecer coletivo;muito menos vislumbrar um  progressivo desenvolvimento linear, positivo, da cultura humana. Em que pese o fascínio despertado pelos avanços tecnológicos e tensões  geo politicas,que em muito definem o jogo de xadrez mundial,não estamos avançado para nenhum ponto ideal do acontecer da humanidade. Pelo contrário, toda a historia humana nunca inspirou tamanho desencanto e ceticismo.....

segunda-feira, 29 de maio de 2017

SOBRE ENUNCIADOS E COISAS

O  dito e o feito foram desfeitos.
Por uma absoluta falta de sentido,
Não cabem mais na ordem de qualquer discurso.
O ato e o fato, justificado e claro,
Teleologicamente orientado,
Agora inspira desconfianças.
As opiniões andam a deriva
No revolto oceano das reflexões pós modernas.

Até mesmo o decomposto sujeito deste enunciado
Não se sustenta em um parágrafos.
Inventou-se um novo tipo de silêncio
Onde o não dito é a premissa do revelado.

Todas as narrativas e justificativas tem cheiro de metafísica.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

BUKOWISKI E A LITERATURA

Charles Bukowiski (1920-1994) é para mim o mais intenso e singular escritor do século XX. Sua literatura não encontra paralelos e ocupa um lugar solitário na história das formas literárias. È única e , como nenhuma outra, se faz carne, vida, através de cada conto ou poema que o autor nos legou.  O eu autoral de Bukowiski é uma persona imperfeita, desconjuntada, que testemunha os limites do humano, o desencantamento da existência cotidiana, em um  mundo que já perdeu o sentido e nos legou o hedonismo como um fardo.
Neste contexto, escrever é antes de tudo uma estratégia de sobrevivência, uma forma de suportar o próprio peso. È mesmo tudo que resta a fazer para não enlouquecer, como diz o titulo que reúne suas cartas redigidas entre os anos de 1945 e 1993. Através de suas missivas podemos  desnudar uma fecunda critica ao oficio de escritor e uma reavaliação do papel da literatura.
Em uma carta  datada de  27 de março de 1986, destinada a William Packard, encontramos, por exemplo,  a seguinte e inspiradora  passagem :

“Escrever é apenas o resultado daquilo em que nos transformamos dia após dia ao longo dos anos, é uma maldita impressão digital do eu e é isso ai. E tudo que foi escrito no passado não é nada; o que é... é apenas a linha seguinte. E quando você não consegue chegar na linha seguinte não significa que você esta velho, significa que você está morto.”
  (Charles Bukowiski. Escrever para não enlouquecer. Porto Alegre: L&PM, 2016, p.222)

Para Bukowiki, escrever não era uma técnica ou algo que se aprende, mas um exercício de si mesmo onde não existem regras. Em uma outra carta de 16 de fevereiro de 1983, destinada a Loss Glazier ele é ainda mais explicito neste sentido:
“ Se existem quaisquer bons escritores , não creio que esses escritores saiam por ai, andem por ai, falem por ai, por si, pensando ‘Eu sou um escritor’. Eles vivem porque não há nada mais para fazer. O troço se acumula: os horrores e os não horrores e as conversações, os pneus furados e os pesadelos, os gritos, as risadas e as mortes e os longos espaços de zero  e toda essa coisa, isso começa a se totalizar e ai eles olham a máquina de escrever e se sentam e o troço salta para fora, não há planejamento, apenas ocorre: se eles ainda têm sorte.”
(idem, p.196)


   Não há nada de grandioso ou fantástico na arte de escrever. Trata-se apenas de um modo de saber o mundo e a realidade como palavra viva que nos traduz em enunciados.  Escrever é apenas uma espécie de muleta para espíritos mancos. Bons escritores não são pessoas felizes...

domingo, 14 de maio de 2017

CONTRA LITERATURA

Abomino a retórica,
todos os artifícios e recursos
da linguagem.
Cultivo um estranho modo
de dizer selvagem
que implode o sentido
através do absurdo
que ultrapassa o paradoxo.

 
Tento dizer o impossível
de uma existência silenciosa

onde as palavras derretem na voz.

 

CORPO E SIGNIFICADO

Levo comigo as ilusões de uma vida inteira
de incertezas sobre tudo aquilo que nos faz humanos.

A astúcia da imaginação arquiteta a realidade
inventando as artimanhas do pensar.

Mas o que falo não é o que digo
entre representações e vontades.

A palavra habita o corpo
imperfeito e perecível
onde meu eu se perde em vertigens
se embriagando com qualquer verdade.