Coordenada por William Irwin e organizada por Henry Jacoby, a coletânea House e a Filosofia: Todo mundo Mente, nos oferece um amplo cenário para interpretar o fascinante universo da personagem Gregory House à luz de certas questões filosóficas basicamente inspiradas em Sócrates. Aristóteles, Nietszche, zen budismo, Sartre, ceticismo e filosofia da linguagem.
Mas logo de saída nos chama atenção uma ausência: não há nos textos que integram a coletânea qualquer paralelo entre o pessimismo de House e a filosofia de Shopennhauer, que diga-se de passagem lhe cairia como uma luva em razão de sua dor pessoal . Em vês disso temos uma certa insistência na avaliação, por diferentes perspectivas, do caráter de House e sua complexa relação com a ética medica.
Deixando um pouco de lado a questão acima, parece-me interessante resgatar os momentos que os ensaios que compõem a comentada coletânea melhor se aproxima da personagem que disseca.
O primeiro dos ensaios da coletânea, Animais Egoistas, vis, rastejando pela terra: House e o sentido da vida by Henry Jacoby , nos remete ao significado da vida e vincula House aquilo que em termos socráticos chamaríamos de “a vida examinada” e, em termos aristotélicos de “uma vida da razão” :
“É possível que a vida não examinada não tenha sentido e, portanto, não valha a pena ser vivida; mas isso não significa que a vida examinada tem sentido ( e que vale a pena ser vivida). Afinal, os niilistas podem estar certos. Talvez nenhuma vida tenha grande sentido. Talvez nenhuma vida valha a pena ser vivida. Como podemos saber?
Para encontrarmos essa resposta, devemos retornar à pergunta anterior: o que dá sentido a uma vida? Devemos explicar as prioridades de uma vida significativa e então mostrar que a vida examinada socrática possui tais propriedades. A partir do que vimos até agora, e principalmente no que diz respeito a House, essas propriedades nada têm a ver com Deus,a alma ou a vida após a morte. Podem, contudo, ter algo a ver com o modo como uma pessoa se sente em relação à sua vida, desde que esses sentimentos condigam com o que devemos nos importar, com o que sentimos que é importante.
A vida de House tem sentido porque ele, na maior parte do tempo, produz conseqüências desejáveis. Salva vidas. Mas o problema é que não parece se importar muito com as vidas que salva. Para ele, o mais importante é resolver enigmas. Por que? Simplesmente porque o satisfaz? E lhe alivia a dor?
É mais que isso. Quando resolve um enigma, e com isso salva uma vida, House exemplifica a vida da razão. É o que Aristóteles considerava nossa função apropriada.”
(Henry Jacoby. Animais Egoístas, vis, rastejanto pela terra: House e o sentido da vida, in House ea Filosofia: Todo mundo mente/ coordenação de William Irwin; coletânea de Henry Jacoby/ tradução Marcos Malvezzi; SP Madras, 2009, p. 23)
Um segundo momento interessante da coletânea é A lógica da adivinhação em Sherlock Holmes e House by Jerold J. Abrams. Afinal trata-se do aspecto mais elementar da personagem de House: sua inspiração de origem no famoso detetive Sherlock Holmes criado por sir Arthur Conan Doyle. Por mais que seja redundante falar sobre o tema:
“ O nome do dr. Gregory House M.D.; combina três dos famosos detetives de sir Arthur Conan Doyle: Sherlock Holmes, John Watson e Tobias Gregson. O sobrenome House, que significa “casa”, é sinônimo de Home ( em inglês, “lar”), que é a forma como Holmes pronuncia seu nome ( sem o s no fim). As iniciais medicas de House, “dr.” E “M.D”, são as mesmas do Dr. Watson, o assistente e amigo de confiança de Holmes. Watson e Holmes, por sua vez, baseiam-se em dois médicos reais. Conan Doyle também era medico praticante, e assim como Watson vê Holmes com admiração, Doyle admirava o dr. Joseph Bell, M.D. , da enfermaria Real de Edimburgo, cujo caráter, perfil e aparentes poderes mágicos detecção foram transferidos para Sherlock Holmes. O primeiro nome de House Gregory, é um pouco mais difícil de identificar, mas aparece na primeira aventura de Holmes, A Study in Scarlet, na forma do detetive de Scotland Yard Tobias Gregson. Holmes diz a Watson que Gregson é “o mais esperto de todos na Scotland Yard”, essencialmente, “o bom entre os ruins”. Gregson leva a Holmes os casos mais difíceis, aqueles que ele não conseguiu resolver, assim como Cuddy encaminha os casos mais complicados para House, quando ninguém mais no Hospital- escola Princeton Plainsboro tem se quer uma pista.
As limitações intelectuais de Gregson e de Watson são importantes porque refletem a perplexidade do leitor em relação a Holmes. Eles proporcionam a perspectiva de que precisamos para a genialidade que não temos. Do mesmo modo, não podemos nos simpatizar, muito menos nos identificar com o brilhante House sem todas as suas dificuldades pessoais e físicas. Elas o humanizam, assim como Watson e Gregson humanizam Holmes.”
(Jerold J. Abrams.A lógica da adivinhação em Sherlock Holmes e House, in House ea Filosofia: Todo mundo mente/ coordenação de William Irwin; coletânea de Henry Jacoby/ tradução Marcos Malvezzi; SP Madras, 2009, p. 55-56)
O ensaio, entretanto, nos sugere que “ house, porem, não se baseia no personagem de Holmes. Em certo sentido, ele é de fato Holmes- existindo entre dois universos paralelos : um do presente, em Princeton-Plainsboro; o outro no passado, no Numero 221 B da Baker Street”.
Creio que esta premissa é uma das principais chaves para uma compreensão mais profunda do mundo vivido de Gregory House e uma das “dicas” ou reflexões mais interessantes proporcionada pela leitura de HOUSE E A FILOSOFIA: TODO MUNDO MENTE.