domingo, 14 de setembro de 2008

INDIVIDUALIDADE E REALIDADE CONTEMPORÂNEA



Em um mundo onde não mais vigoram certezas absolutas ou universais e a realidade só se torna cognoscível através de fragmentos, de “imagens quebradas” e provisórias de pensamento, o estatuto da individualidade humana alterou-se sensivelmente.
A individualidade contemporânea pressupõe o efêmero como projeto, já não se encontra aprisionada em uma meta coletivista representado por um ideal de família ou Estado, Pelo contrário, tornou-se surpreendentemente livre e abandonado a si mesmo no ilegível do próprio destino. O que hoje da sentido a existência individual é o consumo de bens materiais e simbólicos que propiciem uma certa configuração confortável e lúdica da existência, um pequeno universo pessoal capaz de contrapor-se a realidade do mundo.A vida social tornou-se como nunca um assombroso misto de incertezas e hostilidades despido de qualquer significação autêntica.
Se a autonomia do individuo na contemporaneidade coincide com a sua mais profunda e ontológica solidão, também representa uma nova e inédita forma de codificar o real que talvez pressupunham uma virtualização cada vez maior da própria alma e digitalização da vida.

IMAGINAÇÕES



A imaginação
Se faz impreciso intervalo
Entre pensamento e palavra,
É como uma sombra de alma
A desconstruir cada frase
Desafiando o concreto
Dos gestos ou atos
Que me desenham nos dias.


Sei que existo plenamente
Apenas nos ermos das imaginações
Onde indiferente ao correr do tempo
Contemplo em perplexo silêncio
A existência nua e desfeita
Em desejo bruto.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

HOBBES E A PESSOA HUMANA


O Leviatã de Hobbes pode ser classificado como um livro profundamente pessimista e sombrio. Nada mais compreensível quando consideramos o fato de que o autor o concebe profundamente impactado pelos acontecimentos da guerra civil inglesa e da chamada revolução gloriosa.
Para Hobbes, na alvorada da modernidade, momento de profundas angustias e dilemas, a condição humana é definida essencialmente pelo conflito, conflito, segundo ele, entre o homem cidadão, o homem cristão e o homem natural, e que só pode ser pacificado através da subordinação do indivíduo ao artifício de um corpo político/coletivo.
Em nossa contemporaneidade, marcada por tantos medos e incertezas, Hobbes se faz paradoxalmente atual em nossas desconstruções do iluminismo, desmistificações da razão tradicional e questionamento da domesticação das massas em nome nome de um abstrato e cada vez mais virtual bem comum.
Bom lembrar que dentre os teóricos do absolutismo, Hobbes foi o único que, recusando a justificativa do direito divino para o poder absoluto do rei, legitimou-o partir do mito do contrato social, fato que atesta certo materialismo pragmático em sua reflexão...
Neste sentido, considero de singular significado, na primeira parte do seu Leviatã,  o capitulo XVI, intitulado “Das pessoas, autores e coisas personificadas” do qual aqui reproduzo alguns significativos fragmentos:

“ Uma pessoa é aquele cujas palavras ou ações são consideradas quer como suas próprias quer como representando as palavras ou ações de outro homem, ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas, seja com verdade ou por ficção.
Quando elas são consideradas como suas próprias ele se chama uma pessoa natural. Quando são consideradas como representando as palavras e ações de um outro, chama-se uma pessoa fictícia ou artificial.
A palavra “pessoa” é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, imitada no palco. E por vezes mais particularmente aquela parte dela que disfarça o rosto, como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator, tanto no palco como na conversação corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a outros; e daquele que representa outro diz-se que é portador de sua pessoa, ou que age em seu nome ( sentido usado por Cícero quando diz: Unus sustineo três Personas; Mei Adversarii, et Judicis- Sou portador de três pessoas; eu mesmo, meu adversário e o juiz). Recebe designações diversas, conforme a ocasião: representante, mandatário, lugar tenente, vigário, advogado, deputado, procurador, ator e outras semelhantes.”

(Thomas Hobbes. LEVIATÃ ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil/ tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva- 2º ed. SP: Abril Cultural, 1979 ( Coleção Os Pensadores) , p. 96 )

O caráter teatral da pessoa humana define a esfera pública como um teatro, um artifício. A vida social é um grande palco onde estabelece a  subjetividade se apresenta como artifício politico através de palavras e ações.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

ENIGMA BIOGRAFICO

Um amanhã brinca criança
Com os fatos
E o abstrato do vago presente;
Faz dançar pensamentos,
Quase reinventa o próprio tempo
No não passar de todas as coisas
Desfarçadas de hoje.

Tento saber como tudo
Que faz o comportado caos
Dos dias acontecer
Pode impor realidades
ao ilegível de uma biografia
aberta em liberdade
e provisório sentido
de profundamente ser
apenas uma biografia
no sem nome do mundo.

domingo, 7 de setembro de 2008

PEQUENO DEVANEIO EM TORNO DO ULISSES DE JAMES JOYCE



O eterno irlandês exilado James Joyce, autor/reinventor do mito de Ulisses em moderno imaginário de fragmentos e des-sentidos, as vezes, surge para mim em palavras como uma virtual companheiro de goles de imaginações em noites abertas e sem ponto final.
Não raramente as imaginações dizem o mundo e as pessoas mais profundamente do que o imediato de qualquer gesto ou palavra. O mundo inteiro, afinal, é uma viagem sem retorno, um distanciar-se constante de mim mesmo na ilegível direção daquilo que minimamente será para mim fatidicamente a existência em sua absoluta finitude.
Imerso no absurdo mudo do mundo sonho a sombra clara de redefinidas infâncias que através de vontades e desejos inventam futuros.


“... O estrangeiro olhava ainda na cara ante ele a lenta recessão nela daquela falsa calma, imposta, ao que parecia, por hábito ou algum estudado ardil, quanto a palavras tão amargas que pareciam acusar no seu falante malsanidade, um flair, pelas coisas cruas da vida. Uma cena desencadeia-se na memória do observador, evocada, parecê-lo-ia, por uma palavra de tal trivialidade como se aqueles dias estivessem de fato presentes ali ( como alguns o pensavam) com os seus prazeres imediatos.
(...)
Anota isto mais e recorda. O fim chega de súbito. Entra nessa antecâmera do nascimento onde os estudiosos se congregam e observa suas faces. Nada ai, ao parecer, de irrefletido ou violento. Antes quietude de custódia, condizente com sua estada nessa casa, o vigilante cuidado dos pastores e anjos perto de uma manjedoura em Belém de Judá há muito. Mas tal qual antes do raio as tempestinuvens compactas,, pesadas comm excesso preponderante de umidade, em massas tumefactas turgidamente distensas, encompassam terra e céu num vasto torpor que impende por sobre campo crestado e gado modorrento e mangrado vingar de macega e verdura até que num instante uma chispa fenda seus centros e com a reverberação do trovão tombe a sua torrente, assim e não de outro modo a transformação, violenta e instantânea, à prolação do verbo.”


(James Joyce. Ulisses/ tradução de Antônio Houaiss. SP:Abril Cultural, 1983, p.483-484)

MUTUAL PEACE

Give me the moon at my feet
E certamente serei teu céu
No abstrato desejo de imensidões
In gem of mutual peace.

O amanhã jamais chegará
Na intensidade de nosso presente
Renitente entre o passados e o futuro
De nós mesmos.

Give me the moon at my feet
In gem of mutual peace.

sábado, 6 de setembro de 2008

NIETZSCHE E O ALEM DO BEM E DO MAL



Ninguém mais do que Nietzsche foi tão fundo na leitura do mundo moderno, explorou e reagiu aos seus labirintos e paisagens de pensamentos e verdades. No que diz respeito a isso, considero Alem do Bem e do Mal um dos grandes momentos de sua filosofia, de sua zombaria do racionalismo critico e da moral cristã em favor da afirmação da vontade criadora que dorme em cada individuo e define mais do que qualquer outra coisa a singularidade da condição humana.
Em Alem do Bem e do Mal Nietzsche nos oferece a transmutação de todos os valores, o fim do maniqueísmo doentio “bem/mal” cravado como uma ferida aberta em nossa cultura ocidental.
Vale a pena aqui lembrar uma de suas passagens:


“Toda moral é, em oposição ao laisser aller, uma parte da tirania contra a “natureza”, e também contra a “razão”: isso porem, não é ainda uma objeção contra ela, senão já se teria de decretar outra vez , a partir de alguma moral, que toda espécie de tirania e irrazão não é permitida. O essencial e inestimável em toda moral é que ela é uma longa coação: para entender o estoicismo, ou Port Royal, ou o puritanismo, convém lembrar-se da coação sob a qual até agora toda linguagem chegou a força e liberdade- da coação métrica, da tirania de rima e ritmo. Quanta dificuldade criaram para si, em todos os povos, os poetas e oradores! Não excetuando alguns prosadores de hoje, em cujo ouvido mora uma consciência inexorável – “por uma tolice”, como dizem broncos utilitários , que com isso se pretendem espertos- “por submissão a leis arbitrárias”, como dizem os anarquistas, que com isso se julgam “livres”, e mesmo de espírito livre. O curioso estado de coisas, porém, é que tudo que há ou houve de liberdade, refinamento, ousadia, dança e segurança magistral sobre a terra, seja no próprio pensar, ou governar, ou no falar e persuadir, nas artes assim como nas eticidades, só se desenvolveu em virtude da “tirania das leis arbitrárias”; e, com toda seriedade, não é pequena a verossimelhança de que precisamente isso seja “natureza” e “natural”- e não aquele laisser aller!”


(Friederich Nietzsche. Obras Incompletas; seleção de textos de Gerard Lebrun ; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, posfácio de Antônio Candido- 5ºed. SP: Nova Cultural, 1991 ( Os Pensadores), p.60.)

THE FICTION

Não basta
Abrir a janela
Para saber as paisagens
Do mundo.

Entre o que vejo, sinto e digo
Existem mais distâncias
Do que estrelas
Nos silêncios do céu noturno.

Como Blake, penso apenas:
“Do what you will,
This word’s a fiction.”
Pois nada existe verdadeiramente
No alem daquela janela entreaberta...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

AMY WINEHOUSE: ENTRE A ARTE E A VIDA


Em um mundo cada vez mais hipocritamente definido pela voga do politicamente correto, pelo anti-tabagismo, pelo anti-alcoolismo e pelo renascimento dos fundamentalismos religiosos e políticos/ identidários, nada mais salutar do que a popularidade de figuras publicas e polêmicas como a jovem cantora britânica de apenas 24 anos Amy Winehouse.
Senhora de uma voz indiscutivelmente prodigiosa e um estilo único e inclassificável, foi entretanto pelos seus inúmeros escândalos envolvendo violência domestica, drogas, álcool e conseqüente cancelamento de vários shows que ela se notabilizou nos noticiários e no imaginário popular como um verdadeiro ícone da musica popular contemporânea e global.
Amy ganhou visibilidade na industria fonográfica em 2006 quando fez estrondoso sucesso com o single REHAB, uma divertida e simples canção sobre a recusa de ser internada em uma clinica de reabilitação para dependentes químicos. Já estava ali a marca do seu sucesso, ou seja, a capacidade para criativamente fundir sua vida com suas composições a ponto de, a gosto dos românticos do séc.XIX, transformar em arte sua própria biografia. Seja como for, apesar dos pudores reinantes, Amy já conquistou vários Grammys provando ser portadora de muito mais do que simples talento.
Se suas desventuras, segundo a lenda, estão vinculadas essencialmente a decepção amorosa vivida com o videomaker e badboy Blake Fielder Civil, isso não a faz, absolutamente, uma fútil e superficial garotinha inglesa, mas intensamente mulher na radicalidade de suas emoções e dilemas existências na medida em que as traduz muito competentemente em arte. Creio eu, que nunca antes qualquer outra artista foi capaz de traduzir em musica tão honesta e humanamente seus dilemas íntimos. Impossível não admirá-la por brilhar em nosso imaginário como um anjo torto na contracorrente dos artificialismos e lugares comuns que definem a condição do artista nos cenários da poderosa industria da musica.