sexta-feira, 6 de junho de 2008

FACT

Todo fato
É um hiato
Entre a verdade
E a vontade,
Uma quase certeza
Ou absurdo raso
De intuições e acasos.

Todo fato
É uma leitura
Algo obscura
Do ato do pensamento.

O mundo não diz
Realidades
Nos porões do verbo

It’s done...

quinta-feira, 5 de junho de 2008

BIO-POLITICAS, CONTEMPORÂNEIDADE E FANTASMAGONIAS


Um dos mais decisivos aspectos da contemporaneidade é aquilo que, muito impropriamente, podemos chamar de suas fantasmagorias, o universo de medos e incertezas coletivas que aos poucos vão condicionando ou inibindo a ação e opções dos indivíduos. Um dos seus exemplos é o medo, real e imaginário, de um terrorismo global, tanto quanto, em outra dimensão e recuando um pouco até os anos 80 do último século, o profundo impacto comportamental representado pelo medo da AIDS, então recém descoberta, bem como o anti tabagismo contemporâneo, a obsessão por uma vida saudável como estratégia de saúde e prolongamento da própria existência muito significativamente ancorada, quase sempre, em um delirante determinismo e utopismo genético.
Creio que tais fantasmagonias devem ser lidas em profunda associação com o conceito de Michel Foucault de bio-poder. Vale esclarecer que tal conceito foi originalmente utilizado por ele na analise do complexo conjunto de poderes e saberes configurados pela medicina no Ocidente e que, a partir do séc. XVIII e XIX, inspiraram políticas, técnicas e práticas de regulamentação e disciplinação da vida de indivíduos e populações cuja analise é vital para uma real compreensão da dinâmica do estado e cultura moderna e “pós-moderna” ou “contemporânea”.
Deixando falar o próprio Foucault:

“ Concretamente, este poder sobre a vida desenvolveu-se a partir do século XVII, em duas formas principais; que não são antitéticas e constituem, ao contrário, dois pólos de desenvolvimento interligados por todo um feixe intermediário de relações. Um dos pólos, o primeiro a ser formado, ao que parece, centrou-se no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na exortação de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos- tudo isto assegurado por procedimentos de poder que caracterizam disciplinas : anátomo-politica do corpo humano. O segundo, que se formou um pouco mais tarde, por volta da metade do século XVIII, centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte de processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevitude, com todas as condições que podem fazê-los variar; tais processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores: uma bio-politica da população. As disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois pólos em torno dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida. A instalação- durante a época clássica, desta grande tecnologia de duas faces- anatômica e biológica, individualizante e especificante, voltada para os desempenhos do corpo e encarando os processos da vida- caracteriza um poder cuja função mais elevada já não é mais matar, mas investir sobre a vida, de cima para baixo.
A velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida. Desenvolvimento rápido, no decorrer da época clássica, das disciplinas diversas- escolas, colégios, casernas, ateliês; aparecimento também, no terreno das práticas políticas e observações econômicas, dos problemas de natalidade, longevitude, saúde pública, habitação e migração; explosão, portanto de técnicas diversas e numerosas para obterem a sujeição dos corpos e o controle das populações.”

(Michel Foucault. História da Sexualidade I : A vontade de saber/ tradução de Maria Theresa da Costa Albuquerque e J A Ghilhon de Albuquerque. RJ: Graal, 1977, p.131)


Considerando as profundas mudanças ou revoluções comportamentais do século XX, especialmente a impulsionada por dois de seus mais expressivos e significativos momentos culturais: os anos 20 e 60, (que diga-se de passagem, ainda carecem de analise em termos de significações e desmembramentos),cabe dizer que, sob muitos aspectos, os novecentos, propiciaram uma afirmação do indivíduo sobre as dinâmicas de controle social então consolidadas pelas racionalidades modernas . Mas é justamente este significativo avanço que é hoje em dia ameaçado pelas novas linguagens e estratégias bio-politicas que nascem com nosso novo milênio... Este, porém é um assunto para futuras e hipotéticas postagens...

MORNING GLORY

Que diferença existe
Entre tudo
Que me escapa,
Que me lança
Ao obscuro turvo
De vontades,
Até o limite de não saber
Lugar algum
E muito menos
Sensatamente de mim?

Depois e longe
Igualmente existem
No vazio tempo
Do sem rosto
De um presente
em Futuros ausentes.

CRONICA RELÂMPAGO XXVIII

Quando procuro contrapor a imagem simbólica e virtual que possuo do ano de 1968 com as desbotadas paisagens do obscuro e insignificante ano de 2008, assombra-me uma indeterminada e imperfeita nostalgia de passados não vividos e sonhos de futuros e fluidas identidades ou cenários, tanto quanto um sentimento de insuficiência dos tempos múltiplos do meu presente.
Afinal, tão tenso e insuportável quanto poder acreditar que pode-se mudar o mundo, é a situação de viver sobre a opressão de um mundo onde a única mudança possível é a certeza dificil do dia seguinte, o não ser de qualquer novidade alem do cardápio de possíveis e previsíveis rotinas de vida inútil ou catástrofe de castelos de areia dos lúdicos voluntarismos da imaginação.
Mas que diabos é, afinal, utilidade, plena realização e intensidade de vida? Estes quase conceitos se desfazem em qualquer pensamento, pois não se explicam ou se sabem em nenhuma palavra escrita ou falada.
Viver é um mistério nas inúmeras direções latentes de nos mesmos. Viver não tem regra ou receita... Não se descobre em segredos ou magias, nem se enquadrando em ideais absurdos de castrações culturais/coletivas, retos caminhos de ilusões impessoais, religiões laicas ou sagradas lhe negam na gaiola do absoluto impositivo de verdades absolutas.
Viver é um mistério sem metro onde nos descobrimos apenas em grito... Em afirmação da mera perenidade de tudo que existe e é neste existir que não compreendemos.

terça-feira, 3 de junho de 2008

OS MALEFICIOS DO ANTI TABAGISMO


Até os anos 80 do último século, a prática tabagista gozou de certo prestigio no imaginário coletivo, foi um símbolo de gramour, refinamento e estética. A partir da chamada “década perdida” e o advento da “geração saúde”, entretanto, isso começou a mudar, o status social deu gradativamente lugar ao estigma mediante uma massiva e apelativa propaganda anti-tabagista centrada nos malefícios do hábito de fumar.
Neste inicio de século, tal propaganda começou a fomentar, a nível global, políticas de saúde pública e uma legislação anti tabaco de caráter profundamente coercitivo que já atinge lugares de franca tradição liberal como os Estados Unidos, o Reino Unido e a França.
Mas diante de tal sombrio conjunto de leis, cujo objetivo último é a inibição e coerção daqueles indivíduos que teimosamente, apesar da cruzada anti-tabagista imperante, insistem na manutenção do seu hábito, é pertinente questionar até que ponto estamos falando apenas de políticas públicas de saúde.
Colocando em segundo plano os efeitos do tabaco sobre o organismo humano, o que me parece alarmante é o fato de ganhar legitimação legislações consagradas a impor controle social sob o direito de escolha e a liberdade dos indivíduos como se disso realmente dependesse o futuro de toda a civilização supostamente saudável.
Há por traz desse tenebroso fato uma tendência perigosa para desconstrução ou questionamento dos valores libertários estabelecidos pelos modernismos e pela contemporaneidade, ao longo do séc. XX, inicialmente através das vanguardas literárias, politicas e estéticas, por exemplo, passando pelo psicodelismo, o feminismo e o poder jovem dos anos 60, até chegar a nova liberdade sexual, identidária e étnica hoje em gestação .
Tudo que afirmo aqui é que, por traz das bem intencionados discursos de nossas autoridades de saúde, dos populares aconselhamentos sobre a necessidade de uma boa dieta alimentar, fazer exercícios físicos e tudo o mais ligado a caricatas versões de “vida saudável”, ganha terreno no mundo ocidental um novo “realismo”, uma volta as “convenções” e uma pseudo estética do belo humano que apenas revela um ideal de controle social ao qual, as cada vez mais frágeis estruturas de poder definidas pelos nossos carcumidos “estados nações”, mostram-se perigosamente permeáveis, diante de um mundo cada vez mais plural, global, diverso e complexo que lhes “foge ao controle”.
Hoje em dia, portanto, quando a própria idéia de que vivemos em uma sociedade é relativizada através da imagem de que existimos como indivíduos imersos em múltiplas sociabilidades (pessoais, impessoais, concretas e simbolicas) formando uma complexa rede de relacionamentos diretos e indiretos, aqueles que ainda deliram o ideal de uma boa sociedade, inventam suas caças a bruxas.
Evidentemente, estou aqui falando sobre tabagismo, quando poderia estar falando sobre muitas outras coisas... Mas a própria critica ao tabagismo constitui hoje uma perigosa metáfora. E, o fato é que metáforas, como já notou a feminista americana Susan Sontag, são bastante perigosas, quando consideramos as políticas de saúde ou controle público de nossas sociabilidades e rituais diários de vida e morte. A mais comum dentre elas é significativamente a da guerra, e sabemos pela História o quanto imagens e sentimentos de guerras santas e cruzadas revelam o que há de pior na condição humana...

“... A metáfora mais generalizada sobrevive nas campanhas de saúde pública, que rotineiramente apresentam a doença como algo que invade a sociedade, e as tentativas de reduzir a mortalidade causada por uma determinada doença são chamadas de lutas e guerras. As metáforas militares ganharam destaque no início do século, nas campanhas de esclarecimento a respeito da sífilis realizadas durante a Primeira Guerra Mundial, e nas campanhas contra a tuberculose do pós-guerra. Um exemplo, extraído da campanha italiana contra a tuberculose nos anos 20, é o cartaz intitulado Guerre alle Mosche ( Guerra às moscas ), que mostra os efeitos letais das doenças transmitidas pela mosca. Os insetos aparecem como aviões inimigos soltando bombas de morte sobre uma população inocente. As bombas trazem inscrições. Uma delas é rotulada Microbi, micróbios; a outra, Germi della tisi, germes da tuberculose; a outra, simplesmente Malattia, doença. Um esqueleto de capa e capuz negrosd aparece no primeiro avião, como passageiro ou piloto. Em outro cartaz, “ Com estas armas conquistaremos a tuberculose”, a figura da morte aparece presa à parede por espadas desembainhadas, cada uma das quais tem uma inscrição referente a uma medida contra a doença. Numa das lâminas lê-se “limpeza”, na outra “sol”, nas outras “ar”, “repouso”, “boa alimentação”, “higiene”. (Evidentemente, nenhuma dessas armas era realmente importante. O que conquista- ou seja, cura- a tuberciulose são os antibióticos, que só foram descobertos cerca de vinte anos depois, na década de 1940.)”

(Susan Sontag. AIDS e suas metáforas/ tradução de Paulo Henrique Britto. SP: Companhia das Letras, 1989, p. 14 e 15)

BRAZIL

Não acredito
No dizer confuso das ruas,
Nas pessoas que decoram
Esses urbanos desertos
Decorando jornais vazios
E TVs toscas.

Não acredito
Em quem vomita
Em português
Virtudes insanas
De céu e de mar
Em vultos e custos
De pouco ser.

Não acredito
Em meu acaso cotidiano,
Na modernidade do atraso
Ou em metaforicas selvas ,
Carnavais e caos.

Brazil
É para mim
Apenas uma ilha imaginária
Em mapas antigos,
Uma lembrança folclórica
E céltica.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

FLORES

Cada flor
É apenas uma flor
No silêncio de cada jardim.
Nenhuma depende da outra
Para florescer,
Escrever-se na vida
Em cores, formas
E sintonias
No vago lapso
Do seu aparecer
E perecer.
Indiferente e única,
Cada flor
É apenas uma flor
Na abstração do jardim.

sábado, 31 de maio de 2008

MAGIC NIGHT

Talvez seja possivel
caminhar descuidado
sobre o chão do céu,
criar estrelas
a cada passo,
Sem saber
O mistério do mundo,
Ficar perdido
no mais profundo
do in finito que somos
até descobrir
O ponto mágico
da maior intensidade
da noite aberta
no incerto da vida.
Talvez seja possivel,
por um único instante,
plenamente viver
Além do platônico mito
da caverna em espelho.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

DESALENTO

O orvalho de outono
Me dize a essência
De todo esquecimento.

O amanhã que eu esperava
desapareceu
No cristalino vazio
D um sonho abortado.

Tudo é preguiça
Na quietude que cobre
O corpo da cidade
Com as cores mornas
De um abstrato abandono.

Já não é cedo
Ou tarde...
Apenas não há tempo
No absoluto da madrugada.
Mas gosto do abraço do frio.




quinta-feira, 29 de maio de 2008

CONTEMPORANEIDADE E SAUDE PÚBLICA: RELENDO SUSAN SONTAG


“... Afirma-se que o que esta em jogo é a sobrevivência da nação, da sociedade civilizada, do próprio mundo- tradicionais justificativas para a repressão.”
Susan Sontag

Um dos aspectos mais decisivos e cruciais da contemporaneidade é o confronto entre as novas questões e fatos proporcionados pelo avanço e redimensionamento dos saberes das antigas ciências naturais-através das pesquisas de ponta como as realizadas com células tronco e em torno da clonagem humana- e o caduco universo de valores da chamada moral tradicional de inspiração judaico-cristã.
Fazem também parte deste confronto, de modo exatamente inverso, as resistências à descriminalização do aborto, assim como as conservadoras e apocalipticas representações sociais de epidemias como a da AIDS ou o alarde em torno das conseqüências do tabagismo, visto que tais males, no imaginário coletivo, colocam igualmente em cheque uma dada idéia totalitária ou totalizadora de sociedade e de natureza humana, inspirada pelos citados valores tradicionais, claramente avessos a diversificação e pluralidade ilimitada de morais e opções que caracterizam o contemporâneo e sua implosão do universal, do social.
Falando especificamente sobre a AIDS, como uma alegoria para ilustrar o que se passa com relação as novas linguagens das políticas de saúde pública, cabe dizer que existe certa distância entre as “imaginações” inspiradas pela epidemia e a “realidade” da própria epidemia. Tal tese talvez fique mais clara através do seguinte fragmento de Susan Sontag sobre “as metáforas” da AIDS por ela denunciada em fins dos anos 80:

“ ... Pois alem da epidemia real, com o inexorável acumulo de vitimas fatais ( estatísticas são divulgadas a cada semana, a cada mês, por organizações de saúde nacionais e internacionais), há um desastre qualitativamente diferente, muito maior, que acreditamos e não acreditamos que venha a acontecer. Nada se altera quando as estimativas mais apavorantes são temporariamente revistas e atenuadas, o que acontece com regularidade com as estatísticas especulativas divulgadas por burocratas da área de saúde e jornalistas. Tal como as previsões demográficas, provavelmente tão precisas, o teor geral da noticia é normalmente pessimista.
A proliferação de relatórios ou projeções de eventualidades apocalípticas, irreais ( ou seja, inconcebíveis), tende a gerar uma variedade de reações que constituem maneiras de negar a realidade. Assim, na maioria das abordagens da questão da guerra nuclear, ser racional ( assim se auto qualificam os peritos) significa não reconhecer a realidade humana, enquanto levam em conta emocionalmente até mesmo uma parte mínima do que esta em jogo para a humanidade (que é o fazem aqueles que se consideram ameaçados) significa insistir na exigência irrealista de que toda essa situação perigosa seja rapidamente desfeita. Essa divisão da atitude pública, em uma visão inumana e outra demasiadamente humana, é muito menos radical no caso da AIDS. Os peritos denunciam a esteriotipagem do aidético e do continente onde, segundo se imagina, ela teve origem, enfatizando que a AIDS afeta populações muito mais amplas do que os grupos de risco iniciais e ameaça o mundo inteiro, não apenas na África. Embora a AIDS, como era de se esperar, venha se tornando uma das doenças mais carregadas de significado, como a lepra e a sífilis, há sem dúvida limites ao impulso de estigmatizar suas vidas. O fato de a doença ser um veículo perfeito para os temores mais genéricos existentes a respeito do futuro, tem, até certo ponto, o efeito de tornar irrelevantes as tentativas previsíveis de associar a doença a um grupo divergente ou a um continente negro.
Assim como a questão da poluição industrial e a do novo sistema de mercados financeiros globais, a crise da AIDS aponta para o fato de que vivemos num mundo em que nada de importante é regional, local, limitado; em que tudo que pode circular acaba circulando, e todo problema é- ou esta fadado a tornar-se mundial. Circulam bens ( inclusive imagens, sons e documentos, que circulam mais depressa, eletronicamente.) O lixo circula: os rejeitos industriais tóxicos de St. Etienne, Hanover, Mestre e Bistrol estão sendo despejados em cidadezinhas da costa da África ocidental. As pessoas circulam em números sem precedentes. E as doenças também. Desde as incontáveis viagens de avião dos ricos, a negócios ou a passeio, até as migrações de pobres das aldeias para as cidades, e, legalmente ou não, de um pais para outro- toda esta mobilidade, esse inter-relacionamento físico ( com a conseqüente dissolução de velhos tabus, sociais e sexuais) é tão vital para o pleno funcionamento da economia capitalista avançada, ou mundial, quanto o é a facilidade de transmissão de bens, imagens e recursos financeiros. No entanto, agora, esse maior inter-relacionamento espacial, característico do mundo moderno, não apenas pessoal mas também social, estrutural, tornou-se veiculo de uma doença às vezes considerada uma ameaça à própria espécie humana; e o medo da AIDS faz parte de toda a atenção dada a outros desastres, subprodutos de uma sociedade avançada, particularmente aqueles que constituem exemplos de degradação do meio ambiente em escala mundial. A AIDS é um dos arautos distópicos da aldeia global, aquele futuro que já chegou e ao mesmo tempo está sempre por vir, e que ninguém sabe como recusar.”
(Susan Sontag. AIDS e suas metáforas/ tradução de Paulo Henriques Brito. SP: Companhia das Letras, 1989, p. 108 e 109)

Sontag vai ainda mais longe em suas reflexões sobre a epidemia da AIDS formulando uma critica as políticas de saúde públicas que me parece adequada para fundamentação do autoritarismo inerente ao controle de epidemias e doenças que, enquanto fenômenos e realidades sócio culturais, atualmente fomentam injustificáveis leituras de mundo mediante uma concepção “fundamentalista” da saúde e da afirmação de um dado “tipo ideal” de individuo saudável. Exemplo claro disso é a ofensiva antitabagista claramente coercitiva. Talvez seja o momento de melhor pensar as conseqüências da AIDS e suas metáforas, a reorientação perversamente autoritárias das políticas de saúde hoje em curso em todo o mundo ocidental. Recorrendo novamente a autora:

“ A idéia de medicina “total” é tão indesejável quanto a da guerra “total”. E a crise criada pela AIDS também nada tem de “total”. Não estamos sendo invadidos. O corpo não é um campo de batalha. Os doentes não são baixas inevitáveis, nem tampouco são inimigos. Nós- a medicina, a sociedade- não estamos autorizados a combater por todo e qualquer meio... Em relação a essa metáfora, a metáfora militar, eu diria, perafraseando Lucrecio: que guardem os guerreiros.”
(Idem, p. 111)