terça-feira, 3 de junho de 2008

BRAZIL

Não acredito
No dizer confuso das ruas,
Nas pessoas que decoram
Esses urbanos desertos
Decorando jornais vazios
E TVs toscas.

Não acredito
Em quem vomita
Em português
Virtudes insanas
De céu e de mar
Em vultos e custos
De pouco ser.

Não acredito
Em meu acaso cotidiano,
Na modernidade do atraso
Ou em metaforicas selvas ,
Carnavais e caos.

Brazil
É para mim
Apenas uma ilha imaginária
Em mapas antigos,
Uma lembrança folclórica
E céltica.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

FLORES

Cada flor
É apenas uma flor
No silêncio de cada jardim.
Nenhuma depende da outra
Para florescer,
Escrever-se na vida
Em cores, formas
E sintonias
No vago lapso
Do seu aparecer
E perecer.
Indiferente e única,
Cada flor
É apenas uma flor
Na abstração do jardim.

sábado, 31 de maio de 2008

MAGIC NIGHT

Talvez seja possivel
caminhar descuidado
sobre o chão do céu,
criar estrelas
a cada passo,
Sem saber
O mistério do mundo,
Ficar perdido
no mais profundo
do in finito que somos
até descobrir
O ponto mágico
da maior intensidade
da noite aberta
no incerto da vida.
Talvez seja possivel,
por um único instante,
plenamente viver
Além do platônico mito
da caverna em espelho.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

DESALENTO

O orvalho de outono
Me dize a essência
De todo esquecimento.

O amanhã que eu esperava
desapareceu
No cristalino vazio
D um sonho abortado.

Tudo é preguiça
Na quietude que cobre
O corpo da cidade
Com as cores mornas
De um abstrato abandono.

Já não é cedo
Ou tarde...
Apenas não há tempo
No absoluto da madrugada.
Mas gosto do abraço do frio.




quinta-feira, 29 de maio de 2008

CONTEMPORANEIDADE E SAUDE PÚBLICA: RELENDO SUSAN SONTAG


“... Afirma-se que o que esta em jogo é a sobrevivência da nação, da sociedade civilizada, do próprio mundo- tradicionais justificativas para a repressão.”
Susan Sontag

Um dos aspectos mais decisivos e cruciais da contemporaneidade é o confronto entre as novas questões e fatos proporcionados pelo avanço e redimensionamento dos saberes das antigas ciências naturais-através das pesquisas de ponta como as realizadas com células tronco e em torno da clonagem humana- e o caduco universo de valores da chamada moral tradicional de inspiração judaico-cristã.
Fazem também parte deste confronto, de modo exatamente inverso, as resistências à descriminalização do aborto, assim como as conservadoras e apocalipticas representações sociais de epidemias como a da AIDS ou o alarde em torno das conseqüências do tabagismo, visto que tais males, no imaginário coletivo, colocam igualmente em cheque uma dada idéia totalitária ou totalizadora de sociedade e de natureza humana, inspirada pelos citados valores tradicionais, claramente avessos a diversificação e pluralidade ilimitada de morais e opções que caracterizam o contemporâneo e sua implosão do universal, do social.
Falando especificamente sobre a AIDS, como uma alegoria para ilustrar o que se passa com relação as novas linguagens das políticas de saúde pública, cabe dizer que existe certa distância entre as “imaginações” inspiradas pela epidemia e a “realidade” da própria epidemia. Tal tese talvez fique mais clara através do seguinte fragmento de Susan Sontag sobre “as metáforas” da AIDS por ela denunciada em fins dos anos 80:

“ ... Pois alem da epidemia real, com o inexorável acumulo de vitimas fatais ( estatísticas são divulgadas a cada semana, a cada mês, por organizações de saúde nacionais e internacionais), há um desastre qualitativamente diferente, muito maior, que acreditamos e não acreditamos que venha a acontecer. Nada se altera quando as estimativas mais apavorantes são temporariamente revistas e atenuadas, o que acontece com regularidade com as estatísticas especulativas divulgadas por burocratas da área de saúde e jornalistas. Tal como as previsões demográficas, provavelmente tão precisas, o teor geral da noticia é normalmente pessimista.
A proliferação de relatórios ou projeções de eventualidades apocalípticas, irreais ( ou seja, inconcebíveis), tende a gerar uma variedade de reações que constituem maneiras de negar a realidade. Assim, na maioria das abordagens da questão da guerra nuclear, ser racional ( assim se auto qualificam os peritos) significa não reconhecer a realidade humana, enquanto levam em conta emocionalmente até mesmo uma parte mínima do que esta em jogo para a humanidade (que é o fazem aqueles que se consideram ameaçados) significa insistir na exigência irrealista de que toda essa situação perigosa seja rapidamente desfeita. Essa divisão da atitude pública, em uma visão inumana e outra demasiadamente humana, é muito menos radical no caso da AIDS. Os peritos denunciam a esteriotipagem do aidético e do continente onde, segundo se imagina, ela teve origem, enfatizando que a AIDS afeta populações muito mais amplas do que os grupos de risco iniciais e ameaça o mundo inteiro, não apenas na África. Embora a AIDS, como era de se esperar, venha se tornando uma das doenças mais carregadas de significado, como a lepra e a sífilis, há sem dúvida limites ao impulso de estigmatizar suas vidas. O fato de a doença ser um veículo perfeito para os temores mais genéricos existentes a respeito do futuro, tem, até certo ponto, o efeito de tornar irrelevantes as tentativas previsíveis de associar a doença a um grupo divergente ou a um continente negro.
Assim como a questão da poluição industrial e a do novo sistema de mercados financeiros globais, a crise da AIDS aponta para o fato de que vivemos num mundo em que nada de importante é regional, local, limitado; em que tudo que pode circular acaba circulando, e todo problema é- ou esta fadado a tornar-se mundial. Circulam bens ( inclusive imagens, sons e documentos, que circulam mais depressa, eletronicamente.) O lixo circula: os rejeitos industriais tóxicos de St. Etienne, Hanover, Mestre e Bistrol estão sendo despejados em cidadezinhas da costa da África ocidental. As pessoas circulam em números sem precedentes. E as doenças também. Desde as incontáveis viagens de avião dos ricos, a negócios ou a passeio, até as migrações de pobres das aldeias para as cidades, e, legalmente ou não, de um pais para outro- toda esta mobilidade, esse inter-relacionamento físico ( com a conseqüente dissolução de velhos tabus, sociais e sexuais) é tão vital para o pleno funcionamento da economia capitalista avançada, ou mundial, quanto o é a facilidade de transmissão de bens, imagens e recursos financeiros. No entanto, agora, esse maior inter-relacionamento espacial, característico do mundo moderno, não apenas pessoal mas também social, estrutural, tornou-se veiculo de uma doença às vezes considerada uma ameaça à própria espécie humana; e o medo da AIDS faz parte de toda a atenção dada a outros desastres, subprodutos de uma sociedade avançada, particularmente aqueles que constituem exemplos de degradação do meio ambiente em escala mundial. A AIDS é um dos arautos distópicos da aldeia global, aquele futuro que já chegou e ao mesmo tempo está sempre por vir, e que ninguém sabe como recusar.”
(Susan Sontag. AIDS e suas metáforas/ tradução de Paulo Henriques Brito. SP: Companhia das Letras, 1989, p. 108 e 109)

Sontag vai ainda mais longe em suas reflexões sobre a epidemia da AIDS formulando uma critica as políticas de saúde públicas que me parece adequada para fundamentação do autoritarismo inerente ao controle de epidemias e doenças que, enquanto fenômenos e realidades sócio culturais, atualmente fomentam injustificáveis leituras de mundo mediante uma concepção “fundamentalista” da saúde e da afirmação de um dado “tipo ideal” de individuo saudável. Exemplo claro disso é a ofensiva antitabagista claramente coercitiva. Talvez seja o momento de melhor pensar as conseqüências da AIDS e suas metáforas, a reorientação perversamente autoritárias das políticas de saúde hoje em curso em todo o mundo ocidental. Recorrendo novamente a autora:

“ A idéia de medicina “total” é tão indesejável quanto a da guerra “total”. E a crise criada pela AIDS também nada tem de “total”. Não estamos sendo invadidos. O corpo não é um campo de batalha. Os doentes não são baixas inevitáveis, nem tampouco são inimigos. Nós- a medicina, a sociedade- não estamos autorizados a combater por todo e qualquer meio... Em relação a essa metáfora, a metáfora militar, eu diria, perafraseando Lucrecio: que guardem os guerreiros.”
(Idem, p. 111)



quarta-feira, 28 de maio de 2008

FLOWER


Um retrato sonoro
De um colorido sonho
Em que nunca estive
Percorre as ruas desertas
Da imaginação...
And a flower it takes a summer.

Em meu corpo e sombra
Adivinham-se primaveris desejos,
Sobras de antigos futuros despedaçados,
Enquanto jardins
Descobrem um céu de espelho
E vestem o vento com adocicados perfumes
De esquecidas naturezas.
And a flower it takes a summer.

Neste instante sonoro
De descuido de pensamento
Desapareço do dia
E ocupo-me soturno
do segredo de uma flor
suspensa em infinito e cores.

terça-feira, 27 de maio de 2008

UM CHA MUITO LOUCO...



As vezes me perco nas páginas de Alice no Pais das Maravilhas de Lewis Carroll buscando qualquer imaginação imprecisa do acontecer e existir das coisas dentro e fora de mim.

Para o momento passeio pelo capitulo VII: UM CHA MUITO LOUCO, e sua singular representação do tempo na transfiguração simbolica de imagens e palavras...
Entre a Lebre de Março, o Leirão e o Chapeleiro Louco... passado, presente e futuro se tornam outra coisa.... e reapreendo o próprio tempo cantando canções perdidas...


"Havia uma mesa arrumada embaixo de uma árvore, em frente à casa, e a Lebre de Março e o Chapeleiro estavam tomando chá; um Leirão estava sentado entre os dois, dormindo profundamente, e os outros dois o usavam como almofada, descansando sobre ele e conversando sobre sua cabeça. “Muito desconfortável para o Leirão”, pensou Alice, “mas já que ele está dormindo, acho que não se importa.” A mesa era bem grande, mas os três amontoavam-se num canto. “Não tem lugar! Não tem lugar!”, eles gritaram ao ver Alice chegando. “Tem muito lugar!”, disse Alice com indignação, e sentou-se em uma grande poltrona numa das cabeceiras da mesa. “Tome um pouco de vinho”, a Lebre de Março ofereceu em um tom encorajador. Alice olhou ao redor por sobre a mesa e não havia nada senão chá. “Eu não vejo nenhum vinho”, ela observou. “Não tem nenhum mesmo”, retrucou a Lebre de Março. “Então não é muito educado de sua parte oferecer”, respondeu Alice com raiva. “E não é muito educado de sua parte sentar-se sem ser convidada”, disse a Lebre de Março. “Eu não sabia que era sua mesa”, insistiu Alice, “ela está arrumada para muito mais que três convidados.” “Seu cabelo está precisando ser cortado”, disse o Chapeleiro. Ele estivera olhando para Alice por algum tempo com grande curiosidade e esta fora sua primeira intervenção. “Você deveria aprender a não fazer esse tipo de comentário pessoal”, Alice retrucou com severidade. “Isso é muito grosseiro.” O Chapeleiro arregalou os olhos ao ouvir isso, mas, tudo que ele disse foi: “Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?” “Legal, vamos ter diversão agora!”, pensou Alice. “Fico feliz que ele tenha começado a propor charadas — acho que posso adivinhar essa”, ela completou em voz alta. “Você acha que pode encontrar a resposta dessa?” perguntou a Lebre de Março. “Exatamente”, respondeu Alice. “Então você pode dizer o que acha”, a Lebre de Março continuou. “E vou”, Alice replicou rapidamente, “pelo menos — pelo menos, eu acho o que digo — o que é a mesma coisa, você sabe.” “Não é a mesma coisa nem um pouco!”, disse o Chapeleiro. “Senão você também poderia dizer”, completou a Lebre de Março, “que ‘Eu gosto daquilo que tenho’ é a mesma coisa que ‘Eu tenho aquilo que gosto.’” “Seria o mesmo que dizer”, interrompeu o Leirão, que parecia estar falando enquanto dormia, “que ‘Eu respiro enquanto durmo’ é a mesma coisa que ‘Eu durmo enquanto respiro!’” “Isso é a mesma coisa para você”, disse o Chapeleiro, e nesse ponto a conversa parou e a reunião ficou em silêncio por um minuto. Enquanto isso Alice tentava lembrar tudo que ela sabia sobre corvos e escrivaninhas, que não era muito. O Chapeleiro foi o primeiro a quebrar o silêncio. “Que dia do mês é hoje?”, perguntou, virando-se para Alice: ele tinha tirado seu relógio do bolso e olhava para ele ansiosamente, chacoalhando-o de vez em quando e levantando-o no ar. Alice pensou um pouco e então falou: “É dia quatro.” “Dois dias errado”, suspirou o Chapeleiro. “Eu falei pra você que a manteiga não ia adiantar nada”, ele completou, olhando raivosamente para a Lebre de Março. “Era a melhor manteiga”, a Lebre de Março replicou mansamente. “Sim, mas algumas migalhas devem ter caído”, o Chapeleiro rosnou. “Você não deveria ter passado com uma faca de pão.” A Lebre de Março apanhou o relógio e olhou para ele melancolicamente; então afundou-o na sua xícara de chá, e olhou novamente para ele: mas parecia que não encontrava nada melhor para dizer que o que já dissera: “Era a melhor manteiga, você sabe.” Alice estivera olhando por cima dos ombros com curiosidade. “Que relógio engraçado!”, ela observou. “Ele diz o dia do mês e não diz a hora!” “Porque deveria?”, resmungou o Chapeleiro. “Por acaso o seu relógio diz o ano que é?” “É claro que não”, Alice replicou rapidamente, “mas é porque o ano permanece por muito tempo o mesmo.” “Este é exatamente o caso do meu”, disse o Chapeleiro. Alice sentiu-se terrivelmente perturbada. O comentário do Chapeleiro parecia para a menina completamente sem sentido, e ainda assim era inglês. “Eu não estou entendendo nada”, ela disse, o mais educadamente que pôde. “O Leirão está dormindo novamente”, disse o Chapeleiro, e despejou um pouco de chá quente sobre seu nariz. O Leirão balançou a cabeça impacientemente e disse, sem abrir os olhos: “É claro, é claro, é justamente o que eu ia dizer.” “Você já adivinhou a charada?”, perguntou o Chapeleiro, virando-se novamente para Alice. “Não, eu desisto”, Alice respondeu. “Qual é a solução?” “Eu não tenho a mínima idéia”, disse o Chapeleiro. “Nem eu”, disse a Lebre de Março. Alice suspirou enfastiadamente. “Eu acho que você deveria fazer coisa melhor com seu tempo”, ela disse, “ao invés de gastá-lo com charadas que não têm resposta.” “Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço”, o Chapeleiro falou, “não falaria em gastá-lo como se fosse uma coisa. Ele é uma pessoa.” “Eu não sei o que você está dizendo”, disse Alice. “Claro que não!”, o Chapeleiro disse, sacudindo a cabeça desdenhosamente. “É muito provável que você nunca tenha falado com o Tempo!” “Talvez não”, Alice replicou cautelosamente, “mas eu sei que tenho que marcar o tempo quando aprendo música.” “Ah! Isso explica”, concluiu o Chapeleiro. “Ele não vai ficar marcando compasso para você. Agora, se você ficar numa boa com ele, poderá fazer o que quiser com o relógio. Por exemplo, suponha que são nove horas da manhã, bem a hora de começar a fazer as lições de casa, você apenas tem que insinuar no ouvido do Tempo e o ponteiro dá uma virada num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!” (“Eu queria que fosse”, a Lebre de Março disse para si mesma num sussurro.) “Isso seria ótimo, com certeza”, disse Alice pensativamente; “mas então...eu poderia ainda não estar com fome, você sabe.” “A princípio não, talvez”, retomou o Chapeleiro, “mas você poderia ficar na uma e meia da tarde tanto tempo quanto você quisesse.” “É assim que você faz?”, perguntou Alice. O Chapeleiro balançou a cabeça com ar de lamento. “Eu não”, ele replicou. “Eu e o Tempo tivemos uma disputa março passado...um pouco antes dela enlouquecer, você sabe...” (apontando a Lebre de Março com a colher de chá) “...foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas e eu tinha que cantar
Pisca, pisca, pequeno morcego!Como eu queria saber onde você está!
“Você conhece a canção, por acaso?” “Já ouvi alguma coisa parecida”, disse Alice. “Ela continua, você sabe”, o Chapeleiro prosseguiu, “dessa maneira:
Muito acima do mundo você voa,Parece uma bandeja de chá no céu,Pisca, pisca...”
Nesse instante o Leirão estremeceu e começou a cantar dormindo “Pisca, pisca, pisca, pisca...” e continuou repetindo tantas vezes a palavras que tiveram que lhe dar um beliscão para que ele parasse. “Bem eu mal tinha acabado de cantar o primeiro verso”, disse o Chapeleiro, “quando a Rainha berrou ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’” “Que selvageria”, exclamou Alice. “E desde então”, o Chapeleiro continuou num tom de lamento, “ele não faz nada do que eu peço! É sempre seis da tarde agora!” Uma idéia brilhante veio à mente de Alice. “Esta é a razão de tantas coisas para o chá colocadas na mesa?” ela perguntou. “É, é isso”, respondeu o Chapeleiro com um suspiro, “é sempre hora do chá, e nós não temos tempo de lavar as coisas entre um chá e outro.” “Então vocês ficam rodando em volta da mesa, não é?”, disse Alice. “Exatamente”, disse o Chapeleiro, “à medida que as coisas vão ficando sujas.” “Mas o que acontece quando vocês chegam ao início outra vez?”, Alice aventurou-se a perguntar. “Eu proponho que mudemos de assunto”, a Lebre de Março interrompeu, bocejando. “Estou ficando cansada disso. Eu voto para que a jovem senhorita conte-nos uma história.” “Eu temo que não conheço nenhuma”, disse Alice, um pouco alarmada com a proposta. “Então o Leirão contará!”, os outros dois gritaram.“Acorde, Leirão!” E beliscaram-no dos dois lados. O Leirão abriu os olhos lentamente. “Eu não estava dormindo”, ele falou numa voz rouca, fraquinha, “eu ouvi cada palavra que meus amigos falavam.” “Conte-nos uma história!”, disse a Lebre de Março. “Sim, por favor!”, implorou Alice. “E seja rápido”, completou o Chapeleiro, “ou você poderá dormir novamente antes de acabar.” “Era uma vez três irmãzinhas”, ele começou apressadamente, “e seus nomes eram Elsie, Lacie e Tillie, e elas viviam no fundo de um poço...” “E o que elas comiam?”, perguntou Alice, que sempre se interessava pelas questões sobre comida e bebida. “Elas comiam melado”, respondeu o Leirão, depois de pensar por um minuto ou dois. “Elas não poderiam viver só de melado, você sabe”, Alice observou gentilmente. “Elas ficariam doentes.” “E ficaram”, disse o Leirão, “muito doentes.” Alice tentou um pouquinho imaginar quão extraordinário seria este modo de vida, mas ficou muito confusa e assim, continuou: “Mas porque elas viviam no fundo de um poço?” “Tome mais um pouco de chá”, ofereceu a Lebre de Março para Alice, com um ar sério. “Mas eu ainda não tomei nada”, replicou Alice em um tom ofendido, “portanto eu não posso tomar mais.” “Você quer dizer que não pode tomar menos”, disse o Chapeleiro, “é mais fácil tomar mais do que nada.” “Ninguém perguntou sua opinião”, disse Alice. “Quem está fazendo observações pessoais agora?”, o Chapeleiro perguntou triunfalmente. Alice não tinha o que responder no momento, daí, aproveitou para tomar um pouco de chá com torradas. Virou-se então para o Leirão e repetiu sua pergunta: “Porque elas viviam no fundo de um poço?” Mais uma vez o Leirão demorou um minuto ou dois para responder e então disse: “Era um poço de melado.” “Isso não existe!”, Alice estava ficando muito brava, mas o Chapeleiro e a Lebre de Março começaram a fazer psiu e o Leirão com um ar amuado observou: “Se você não consegue se comportar civilizadamente, é melhor que acabe a história por conta própria.” “Não, por favor, continue!”, disse Alice humildemente. “Eu não vou mais interromper. É muito provável que existe mesmo um poço assim.” “Um, certamente!”, retomou o Leirão indignadamente. Entretanto, ele continuou. “Bem, daí as três irmãzinhas...elas estavam aprendendo a extrair, sabe...” “O que elas extraíam?”, perguntou Alice, já esquecendo da promessa. “Melado”, respondeu o Leirão, sem levar em conta a quebra da promessa, dessa vez. “Eu quero uma xícara limpa”, interrompeu o Chapeleiro, “vamos mudar de lugar.” Ele avançou um lugar enquanto falava, e o Leirão o seguiu, a Lebre de Março ficou no seu lugar e Alice com má vontade ficou com o lugar da Lebre de Março. O Chapeleiro foi o único que ficou com a xícara limpa e Alice ficou em um lugar bem pior do que estava antes, pois a Lebre de Março tinha acabado de derramar leite no prato. Alice não queria ofender o Leirão novamente, por isso começou a falar com cautela: “Mas eu não entendi. De onde elas extraíam o melado?” “Você pode extrair água de um poço de água”, disse o Chapeleiro, “portanto eu acho que pode extrair melado de um poço de melado, não é, imbecil?” “Mas elas estavam dentro do poço”, Alice disse para o Leirão, como se não tivesse ouvido o último comentário. “É claro que estavam”, respondeu o Leirão, “bem no fundo”. Esta resposta confundiu de tal forma a pobre Alice, que ela deixou o Leirão prosseguir por algum tempo sem interrompê-lo. “Elas estavam aprendendo a extrair”, continuou o Leirão, bocejando e esfregando os olhos, pois estava ficando com muito sono, “e elas extraíam todo tipo de coisas...tudo o que começava com M...” “Por que com M?”, disse Alice. “Por que não?” respondeu a Lebre de Março. Alice ficou em silêncio. O Leirão aproveitou para fechar os olhos e já estava começando a cochilar, mas, ao ser beliscado pelo Chapeleiro, acordou novamente com um gritinho e continuou, “...que começava com M, como mouse-traps (ratoeira) e moon (lua) e memory (memória, lembranças) e muchness (advérbio de intensidade)... você sabe, quando você diz que as coisas são um monte de muitão... você já pensou nisso como um extração de muitão?” “Realmente, agora que você me pergunta”, disse Alice, bem confusa, “eu acho que não...” “Então você não deveria falar nada”, disse o Chapeleiro. Esse tipo de grosseria era mais do que Alice conseguia suportar: ela levantou-se muito brava e foi saindo. O Leirão caiu no sono imediatamente e nenhum dos outros dois deu a mínima para sua saída, embora ela tenha olhado para trás uma ou duas vezes, meio que querendo que eles a chamassem. A última vez que Alice os avistou eles estavam tentando enfiar o Leirão dentro do bule de chá. “Eu não volto lá de jeito nenhum!”, disse Alice, enquanto abria caminho em direção à floresta. “Foi o mais estúpido chá do qual participei em toda minha vida!” Ao dizer isso ela percebeu que uma das árvores tinha uma porta que dava para seu interior. “Que curioso!”, ela pensou. “Mas tudo está tão curioso hoje. Eu acho que posso muito bem entrar nessa árvore.” E entrou. Uma vez mais ela encontrou-se naquela sala comprida e com a pequena mesa de vidro. “Desta vez já sei como fazer”, ela disse para si mesma, e começou por apanhar a pequena chave dourada, depois abriu a porta que dava para o jardim. Só então ela começou a mordiscar o cogumelo (que ela mantivera em seu bolso) até que estivesse com mais ou menos 30 centímetros de altura: daí ela atravessou a pequena passagem e então... ela estava em um lindo jardim entre canteiros de flores resplandecentes e fontes de água fresca.

(Tradução de Cleria Regina Ramos)

INSOLITO AMANHECER


O dia deixou de ser
Apenas
Um retalho de tempo
Jogado sobre o fluir
Das horas.

Tornou-se
Qualquer outra coisa
Incerta
No perceber da alma
Em sonho…

Já não sei
Em que margem do rio
Contemplo-me
Sob um céu amarrotado.

Acordei
Demasiadamente futuro
Para sobreviver
A mim mesmo.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

1968


A sociedade
Observa-me ao longe,
Como um adversário.

Dentro de mim
Psicodelismos e delírios
Acordam as cores do mundo.

Sei a liberdade passeando nas ruas
E vestindo a alma
Em artificiais paraísos
De avesso de tudo.

Um freeway
Se faz presente e futuro
De um passado morto
Pelas aventuras mágicas
Da vida.

Sou meu eu
E meu próprio outro
Em permanente intercâmbio
Com um intimo infinito
em universos de jardins alados.

domingo, 25 de maio de 2008

1968: 40 anos depois III

Creio que, embora possamos agrupar sob o rótulo e imagem comum de “movimento juvenil”, as posturas individuais e coletivas de contestação que fizeram dos anos 60 e, especialmente de 1968, um dos mais ricos e interessantes momentos do século XX, seria reducionista identificá-las primordialmente com a dinâmica tradicional dos movimentos sociais e políticos de contestação como sugere especialmente o movimento estudantil do periodo.
Essencialmente 1968 foi o resultado de inúmeras micro-transformações cotidianas e simbólicas que então ocorriam na sociedade ocidental e em sua cultura urbana/industrial.
Em outras palavras, as estruturas sócio culturais e políticas que emergiram do Pós Guerra mostravam-se naquele momento, mais do que nunca, agudamente em franco descompasso com as metamorfoses das sensibilidades então contemporâneas moldadas por um novo padrão de consumo e necessidades.
Mas cabe considerar que a luta política e o engajamento social não foram às únicas respostas a este descompasso. Em grande parte a cultura contestatória de 1968 e dos anos 60, foi também, considerando à contra cultura e o psicodelismo, um movimento de evasão, um sentimento de não pertencimento ao “sistema” que levaria a uma maior valorização da individualidade e da subjetividade humana frente aos imperativos da sociedade. A rebeldia on the roads, o Sex, Drugs & Rock’n Roll, estabeleceram um novo padrão de comportamento que, ainda nos dias de hoje, embora diluído, exibe sua vitalidade e poder contestatório como referencial ou “tipo ideal” privilegiado para afirmação das liberdades individuais e do questionamento dos valores tradicionais. Somos em grande medida herdeiros das profundas transformações comportamentais e valorativas que, se não transformarão o mundo, inauguraram novas sensibilidades e leituras da realidade orientadas por um ideário libertário mais comprometido com a autonomia do indivíduo.