domingo, 11 de maio de 2008

THE WHO E A SENSIBILDADE NOVECENTISTA





No último século, na segunda metade dos anos 60, o The Who consolidou-se definitivamente no cenário do Rock como uma das mais populares e emblemáticas bandas britânicas. Consolidou na ocasião sua identidade através de uma musicalidade cada vez mais complexa, psicodélica e meta-psicodélica, assim como letras de significado profundo no discutir os dilemas e desafios da própria condição humana e sua inadaptação estrutural a si mesma... Transcendia, assim, a imagem de uma banda adolescente cunhada pelo clássico My Generation e pelo furor dionisíaco de suas performances ao vivo.
Sobre o lugar do The Who na história e experiência viva do Rock, o especialista em história do Rock, Paul Friedlander, assim resume a relevância da banda:




“Tendo ficado a sombra de outros grupos da invasão inglesa em meados dos anos 60, o Who começou a obter o reconhecimento que merecia na época de Woodstock. Musicalmente, e no seu estilo de se apresentar ao vivo, eles foram os pioneiros do hard rock. Devido a sua capacidade musical, talento e inclinações sociais, eles redefiníramos papeis e funções dos instrumentalistas, criando um rock mais ousado e sofisticado.A bateria se transformou em algo mais que um marcador de tempos, o baixo, mais que uma base rítmica e harmônica, e a guitarra se transformou tanto em solo quanto em rítmica.
Como compositor de rock, Townshend é um dos melhores. Ele compunha sozinho, não como parte de uma equipe como Lennon- McCartney ou Jagger-Richards. E ele compunha sobre o mais amplo espectro de temas, seja sobre o rock and roll puro e simples ou para fazer um comentário reflexivo, filosófico e sofisticado sobre a condição humana. E mais, tudo isto se realizava enquanto o público e os críticos se concentravam no alto volume, na alta energia e na destruição bombástica de seus shows ao vivo. Raramente uma banda combina com sucesso tantos elementos essenciais do rock com tantos componentes musicais e líricos complexos e sofisticados.”




( Paul Fridlander. Rock and Roll: Uma história social; tradução de A. Costa- 4º ed., RJ: Record, 2006, p. 190.)



Mas, definitivamente, a imagem mais viva que temos hoje do The Who é a da sua singular performance em palco, a força dionisíaca de sua musicalidade e identidade, a nos dizer o elementar e saudável desajustamento relativo que marca a construção de cada individualidade humana na cultura ocidental.
Recorrendo novamente a Fridlander:


“Imagine o cantor Roger Daltrey, feito uma maquina de moto-continuo, comandando o palco durante duas horas de agitação frenética. O guitarrista Pete Townshend mexe seu braço direito num movimento que lembra um gigantesco moinho de vento, golpeando sua guitarra para produzir barulho, tocando poderosos acordes que saturam a sala de espetáculo. Às vezes essas rajadas sonoras são acompanhadas por pulos ágeis quando Townshend saltita pelo palco. O baterista Keith Moon bate freneticamente em sua bateria, arremessando ocasionalmente uma de suas baquetas por cima da bateria e em direção ao público. Este furacão envolve o baixista John Entwistle, que fica de pé como se estivesse ancorado no palco, sem se mexer,exceto com os dedos que deslizam sobre as trastes do braço do seu baixo.
Este show hipotético chega ao clímax com a canção My Generation. Após um longo solo, Townshend ergue sua guitarra acima da cabeça e quebra-a em pedaços contra o palco, esmagando o esqueleto restante na grade de proteção e no seu amplificador. A microfonia angustiada que saltava das caixas de som soava como o momento de agonia do instrumento. Daltrey gira seu microfone pelo fio em um crescente arco até ele se chocar com o palco. O bumbo de Moon foi armado com uma pequena carga explosiva esfumaçante e estoura quando ele chuta a bateria que desmorona do pódio para o palco. Parado atrás do seu instrumento, Moon ri como um piromaniaco. Finalmente Entweistle pára de tocar seu baixo e o Who sai de cena, somente um dia como outro qualquer.”


( idem, p. 176)

CIGARRETTES & ALCCOHOL


Gosto do claro/escuro
Da aventura de sombra
Que faz cada noite.
É divertido perder-se
Em pessoas e bares
Em buscas de transcendências
E infinitos laicos.
Pois sei brincar com
O acaso da fumaça
Do meu cigarro
Entre goles de coloridos drinks
E surrealidades de momento.
Tudo no fundo
Se encanta,
Se encontra,
No acordar de imaginações profundas
em puro expontâneismo vazio
de inventivas realidades
ao sabor de íntimos ventos.

PARAISOS ARTIFICIAIS

Meus únicos possíveis paraísos
São os artificiais,
São os artifícios
Que nos ensinam
Em passeio d’alma
Que a vida é
Um delicado trabalho
De pensamento e forma.
No sabor do outono
Releio em jardins abertos
O aventurar de Alice no espelho
Adentrando o jogo de fantasias
Ao qual me leva cada devaneio.
Assim invento um dia
No além do calendário
Para refazer meus caminhos
E sonhar inatingíveis horizontes
No traçado mágico e onírico
Da embriagues de imaginações
E encantos.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

THE BEATLES: Legado...


Uma das mais ricas e precisas manifestações da atualidade da Beatlemania e pertinência de sua linguagem na contemporâneidade pode ser encontrada na apresentação brasileira para a tradução do livro, que já considero clássico; uma indispensável referencia para qualquer pessoa que tenha pelo menos alguma curiosidade pelas peripécias do fabuloso quarteto de liverpool: The Beatles: Uma biografia de Bob Spitz. Refiro-me obviamente a apresentação de Sergio Dias dos Mutantes.
Definitivamente os Beatles são uma das mais radicas personificações da imagem-força da liberdade no século XX, da estranha e exótica busca de identidade e expressão da infindável criatividade que, no mais singular da existência humana, faz de cada indivíduo uma realidade profunda...
O pequeno texto aqui referido se constrói a partir da imagem do caleidoscópio de number nine, musica singularmente psicodélica presente no fantástico Álbum Branco dos Beatles...
Deixo aqui alguns fragmentos do comentado texto para justificar o fato desta banda ser até hoje considerada a maior expressão do rock do seculo XX:

“... Assim como a (re)composição que tem o numero 9 no titulo, em cada música eles forneciam sempre, a cada pergunta e anseio que nós crianças tínhamos , a resposta imediata. A sabedoria o som certo e o sentimento que faltava para nos refletir no espelho do toca discos da vida, que rodava implacável enquanto os grãos os grãos de areia do tempo solidificavam nossa juventude e maneira de pensar...
Fomos sendo forjados, um a um,em uma única e consistente idéia : a de que ser livre era uma possibilidade e não mais precisávamos nos trancar como Eleanor e nos isolar internamente como um Fool on the Hill ou nos transformar em um simples Nowhere Man...
Agora era possível ser e se expressar livremente: muito- e dizer muito é pouco- dessa liberdade que foi conquistada graças a bravura e à tenacidade de um bandinho de gente do povo das docas de uma cidade incógnita como Liverpool.”


(Sergio Dias, Apresentação ( e eles precisam?) in Bob Spitz. The Beatles: Uma biografia SP: Larousse do Brasil, 2007, p. s/d.)

8 DE MAIO DE 1945: O DIA DA VITÓRIA.


O oito de maio é uma data profundamente simbólica para o mundo ocidental, uma lembrança do trágico vislumbre da tênue fronteira entre as imagens contrapostas de civilização e barbárie. Afinal, trata-se do Dia da vitória, data símbolo do fim da Segunda Grande Guerra.
Não me parece aqui cabível fazer uma critica moralista ao nazismo e uma apologia da liberdade para celebrar a vitória do ocidente contra o próprio ocidente... Longe de reproduzir clichês, prefiro chamar atenção para a dinâmica ainda hoje atual que faz do fenômeno do nazismo uma verdade viva em cada estado nacional ainda existente.
Se as origens do nacional socialismo podem ser buscadas, entre outras fontes, no complicado arranjo estabelecido pelo tratado de Versalhes; corroborando certa leitura de Jung, acredito que o mais importante é buscar uma interpretação deste singular fenômeno na própria peculiaridade da dinâmica humana, nos mais profundos abismos do imaginário ocidental, na “patologia da normalidade” com a qual nos defrontamos todos os dias e diante da qual não basta não sermos “alemãs” para escapar.
Segundo Jung:

“ Já bem antes de 1933 havia um cheiro impreciso de incêndio e um interesse apaixonado por descobrir o foco do incêndio e encontrar o incendiário. Quando espessas nuvens de fumaça cobriram a Alemanha e o incêndio do Reichstag deu o sinal, descobriu-se onde estava o incendiário, o mal em pessoa. Por mais terrível que essa descoberta possa ter sido, ela, no entanto, propiciou uma espécie de alívio. Pois agora já se sabia precisamente o lugar da injustiça e ao mesmo tempo que estávamos do outro lado, ou seja, entre as pessoas decentes cuja indignação moral deveria aumentar nem sempre na razão direta do crescimento da culpa do outro lado. Até os gritos clamando a execução em massa não mais ofendiam os ouvidos dos justos e se considerava uma justiça divina o incêndio das cidades alemães. O ódio encontrou assim motivos respeitáveis, ultrapassando o estado de indiossincrasia pessoal e secreta, tudo isso sem que o respeitável público percebesse a presença vizinha do mal..”
( C.G. Jung. Obras Completas Vol. X/2, Aspectos do Drama Contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 1990, 2º ed., p.21.)


"Atentem para a crueldade inaudita de nosso mundo dito civilizado; tudo provem do ser humano e de seu estado mental! Observem os meios diabólicos de destruição, descobertos por inofensivos gentlemen, po cidadões sensatos e respeitados que, em princípio, representam tudo que almejamos. No entanto, quando tudo voa pelos ares, provocando o inferno da destruição, ninguem se apresentará como responsável. Embora tudo provenha do homem, parece que as coisas acontecem por si sós. Todavia, como todos estão cegamente convencidos de que nada mais são do que o retrato de sua humilde consciência, que cumpre fielmente seus deveres e luta pelo pão de cada dia, ninguém percebe que essa massa racionalmente organizada, a que se dá o nome de Estado ou nação, é movida por um poder aparentemente impessoal e invisível mas terrível, que nada nem ninguem controla. Esse poder aterrador é, em geral, atribuido ao medo da nação vizinha que todos supõem possuida por um demônio ou força do mal. Como ninguem é capaz de reconhecer o grau de possessão demoniaca e de inconsciência em que vive, projeta-se o próprio estado interior para os seus semelhantes, legitimando, desta forma, o gás mais venenoso e os maiores canhões. O pior de tudo é que as pessoas têm toda razão. Pois todos os que estão à volta, e nós mesmos, somos dominados por uma angustia incontrolada e incontrolavel. Como se sabe, nos hospícios os pacientes amedrontados e ansiosos são bem mais perigosos do que os dominados pela ira ou pelo ódio."

( idem, p. 54)

CETICISMO

Não quero o engano
De um dia de sol
Espalhado pelas ruínas
Que o tempo faz.

Quero apenas a liberdade
De um céu aberto
Em chuva e vento.

Sei que,
Em alguma parte,
Uma bonita manhã
Explode
Em melancólica certeza
Das dificuldades
Da imprecisão do ar,
Do agarrar de acontecimentos
Que me escapam no infinito
Do tempo que alimenta
O pouco de cada hora.

A felicidade
É o instante claro
De um relâmpago
E o mundo
Um devaneio cinzento
De quase existência...

BUSCA

Procuro desesperadamente
Prender a eternidade
Em um único momento
De vida,
Trancar futuros
Em líricos passados
No impreciso devir
Do presente.

Procuro calar ansiedades
Sonhando a existência
Em instintos e sombras de vento
E liberdade.

O existir é o tudo caótico
Que se revela
No alem de mim
Como labirinto.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

LITERATURA INGLESA XXVIII



William Butler Yeats ( 1865-1939) é um dos autores mais profundamente influentes e significativos da literatura britânica e especialmente irlandesa. Dramaturgo, poeta e mistico, exerceu o autor um papel importante no renascimento da literatura e cultura na Irlanda. Contribuiu, assim, para valorização e o resgate da cultura celta através de sua profunda veia romantica e, ao mesmo tempo, mesmo que de forma contraditória, modernista.
Cabe registrar que Yeats foi tambem um homem público, senador irlandês, e prêmio nobel de literatura. Quanto ao seu envolvimento com o misticismo, cabe acrescentar que Em 1885 originou com alguns amigos a Dublin Hermetic Order (Ordem Hermética de Dublin). Esta sociedade realizou a sua primeira reunião a 16 de Junho, com Yeats a presidi-la. Presidiu, no mesmo ano, a Loja Teosófica de Dublin. Em 1900 torna-se dirigente da Hermetic Order of the Golden Dawn (Ordem Hermética do Alvorecer Dourado), da qual fazia parte desde 1890 e que contou com a participação de Alister Crowey. Depois do seu casamento mostrou também interesse por uma forma de escrita automática, que desenvolveu com a sua mulher, o que nos leva a uma associação, mesmo que informal e indireta, com o imaginário surrealista. Não devem ser desprezadas também sua influência pelo hinduismo. Em poucas palavras, embora seja um autor classicista, ele foi também um autêntico modernista, o que nos leva a questionar os lugares comuns e rótulos da história da literatura tradicional. Falar sobre tão gigantesca figura literária é, na verdade um desafio infinito...
Considero de peculiar interesse para avaliação da obra do autor, sua última e inacabada peça teatral, The Death of Cuchulain ( A morte de Cuchulain), inspirada no folclore celta e na qual ainda trabalhava em seu leito de morte. A citada peça foi publicada conjuntamente com seus últimos poemas em 1940.Deixo aqui um de seus mais belos e significativos versos:
As Vozes Eternas
(1899)

Oh, doces e perenes Vozes, permaneçam;
Vão até aos guardiões das hostes celestiais
E os ordene que vaguem obedecendo à Tua vontade,
Chamas sob chamas, até o Tempo deixar de existir;
Não tem você ouvido que nossos corações estão cansados,
Que você tem chamado por eles nos pássaros,
no vento sobre as colinas,
Em balançantes galhos nas árvores,
nas marés pela beira-mar?
Oh, doces e perenes Vozes,
permaneçam.

POEMA CELTA

Grito um sonho e passados
No dizer em lira da vida.
Mas vejo apenas limites
E dias
No construir de acasos
E brindar de destinos embriagados.
Descubro-me
Em segredos de noites e ventos
Brincando em cada ato
De imaginários rumos
Em degredos de céu noturno.

Sou em mim mesmo
Um quase outro
No infinito do desejo
Do amanhã que explode
Em múltiplas e infinitas vontades
De guerras e tempestades.

terça-feira, 6 de maio de 2008

CRÔNICA RELÂMPAGO XXVI


Condicionamos nossa biografia a realização de determinadas metas de existência que variam de acordo com os desafios que o destino nos impõe em diferentes momentos ou ciclos que nos substancializam a existência.
Nem sempre alcançamos nossos pretendidos objetivos. Em maior ou menor medida, nossa biografia é um arranjo imperfeito de um misto de acaso e vontade com o qual nos conformamos ao longo de nossa trajetória pessoal.
Um breve olhar retrospectivo é suficiente para nos darmos conta da quantidade de opções e situações que se perderam no limbo das possibilidades não realizadas. Entretanto, tudo aquilo que deixamos de ser e de viver por conta dos caprichos ou circunstâncias de valor não raramente duvidosos, perpetua-se dentro do que nos tornamos.
Justamente por isso é comum que com o acumulo das décadas que façamos auto questionamentos sobre inúmeras coisas que deixamos de viver ou fazer, caminhos que não seguimos, experiências que foram descartadas ou perdidas e potencialidades reprimidas em função de escolhas de momento. Tudo isso parece canalizar a inevitável insatisfação que define nosso sentir- em – si mesmo a imagem ou campo de experiências que somos como indivíduos.
Admitindo ou não, a condição humana nos impõe uma incompletude ontológica inalienável que nos faz na rigidez de qualquer prisão identidaria e social, surpreendentemente fluidos e provisórios. Lidar com isso é um dos mais decisivos desafios da vida.