sexta-feira, 21 de março de 2008

IMAGENS DE INFÂNCIA OU ALEM DO FREUDISMO



Quando me recordo dos dias distantes e perdidos da infância, ao lado da memória de pessoas, coisas e lugares, guardo viva a experiência da ocorrência até aproximadamente os dez anos de mágicos pesadelos sem qualquer referência com a vida real e concreta, cheios de paisagens e criaturas fantásticas. Revelações, me parece hoje, de um universo irracional do qual hoje restam apenas fragmentos, mas que , de algum modo, codificaram o sabor vivo do mundo do meu ser criança.
Há uma dimensão do acontecer da infância que nada possui de pessoal, que é puro encantamento e sonho diurno. Todo aprendizado de mundo e formação ou construção egóica torna-se alienação de si mesmo quando a pensamos como uma dimensão inalienável da experiência humana. A vida instintiva e simbólica pressupõe afinal uma parcela inalienável da condição humana. Como a vivenciamos faz muita diferença...

quarta-feira, 19 de março de 2008

LITERATURA INGLESA XXII


Mesmo sem ter lido uma única página de qualquer um de seus quase cem livros não sou indiferente a obra do recém falecido escritor e inventor britânico Arthur C Clake. (1917-2008). Como muitas pessoas meu primeiro contato com seu pensamento foi a adaptação de uma de suas principais obras de ficção para o cinema: 2001: Uma Odisséia no Espaço dirigido por Stanley Kubrick (1968) e 2010: O ano em que faremos contato, dirigido por Peter Hyams.
Mas, mesmo apenas de modo indireto, a imagem viva de seu imaginário, onde ciência e ficção se misturam em uma rica leitura das possibilidades humanas, não deixa de fascinar enquanto possiblidade otimista de leitura do destino humano.
Stanley Kubrick parece ter conseguido “traduzir” com louvavel competência a obra de Clake que, diga-se de passagem, participou ativamente da construção da versão cinematográfica. Mas prefiro não ir mais longe nesta pequena homenagem aquele que foi no século XX o maior mestre da ficção cientifica .

CONTEMPORANEIDADE: INVESTIGAÇÕES PROVISÓRIAS DE UM SENTIMENTO DE MUNDO

A noção de contemporaneidade ou de tempo do agora, tal como eu entendo não é um mero sinônimo para o tempo presente. Ela não se destina a definir, rotular ou, de alguma maneira, racionalmente ordenar ou explicar o aqui e agora do mundo em que vivemos. Com tal expressão pretendo apenas traduzir o sentimento de estranheza, de desenraizamento, que nos define desde as crises da representação e metamorfoses da linguagem ocorridas nas primeiras décadas do séc XX, seja através das vanguardas artísticas ou dos revolucionários estudos sobre lingüística que aos poucos abalaram nossa ingênua premissa de um harmonioso relacionamento entre discurso, realidade e verdade.
Ser contemporâneo, portanto, é de muitas maneiras sentir-se hospede em sua realidade individual e coletivamente vivida, é estar aberto a todos os ventos, as múltiplas presenças que nos invadem a consciência e imagem das coisas, seja através da tela do computador, da televisão ou simplesmente no cotidiano percorrer de ruas e prédios cada vez menos reais ou dotados de clara significação.
A contemporaneidade é, por tudo isso, uma instabilidade ontológica, um niilismo discreto, onde qualquer racionalidade possível pressupõe um vislumbre de dês-razão nas peripécias da representação e significação de um real que já admitimos como uma mera convenção de nossas imaginações.
A contemporaneidade é, em uma única frase, o aleatório e provisório movimento da própria existência em uma finitude despida de eternidade e coberta de indefinido.

terça-feira, 18 de março de 2008

CORPO E IDENTIDADE CULTURAL

A experiência do corpo é, de muitas maneiras, compartimentada pela nosso padrão de percepção ego/consciência. Em outras palavras,as representações e vivências de nosso corpo, seja como auto imagem de nós mesmos ou realidade fisiológica e orgânica é quase uma abstração ou imprecisa vivência sobre a qual pouco pensamos ou percebemos no dia a dia.
Evidentemente isso esta relacionado as representações parciais e limitadas que fazemos do mundo natural devido a nossa inserção em um universo simbólico/cultural que nos faz a parte da natureza.
Este abismo existente entre o homem natural que somos e o homem cultural que representamos é demasiadamente complexa e estabelece paradoxos. Paradoxos estes que nos confrontam com o arcaísmo de nossa própria condição humana na experiência do irracional e do inconsciente. A busca de uma imagem mais precisa e aberta sobre o que somos e o que fazemos pressupõe a integração de nossas faces ocultas, de nossos eus e não eus profundos.

O BINARIO EGO CONSCIÊNCIA


O ponto de vista da psicologia analítica em torno do binário ego/consciência a diferencia radicalmente de outras tendências e vertentes do vasto campo da chamada psicologia profunda. Pode-se dizer que o ego, segundo Jung, seria um filho dileto do inconsciente que, permanecendo em permanente dialogo com ele, diferencia-se, estabelece sua própria realidade simbólica.É neste sentido que o mito do herói é normalmente tomado como um modelo para o desenvolvimento egóico em sua “busca de luz” ou de consciência. Podemos considerar seu tortuoso caminho como uma negação ou conflito direto com o aspecto sombrio do arquétipo da Grande Mãe. Mas caberia questionar: esse é o único caminho para o desenvolvimento egoico e, conseqüentemente, para afirmação da cultura e da civilização ?
Na medida em que vivemos em uma cultura unilateralmente orientada para o princípio masculino (logos), é saudável resgatar e buscar o aspecto materno, integra-lo compensatoriamente enquanto referência e principio simbólico/ontológico, relativizando assim nosso padrão masculino de ego/consciência. Se a tradição ocidental, inspirada pelo tradição judaico cristã, alicerçou-se sobre a repressão do feminino e primado do masculino, ela também pressupõe uma fixação inconsciente por este mesmo feminino, uma dependência materna proporcional ao esforço do herói civilizador para libertar-se em sua luta contra o dragão.
Inevitavelmente em nossa cultura ficamos a um meio caminho entre a experiência da própria individualidade e as vivencias dos padrões de comportamento condicionados ao inconsciente coletivo. Precisamos aprender a viver a vida a partir de um setting e experiências emocionais que rearticulem o envolvimento egoico com o universo do irracional e de fantasia delimitado pela experiência primal do universo materno do inconsciente. Trata-se de uma redescoberta do principio feminino (Eros) que nos conduza a uma espécie de reencantamento do mundo e da consciência.

VAZIOS E IDENTIDADES


Vislumbro atos
E anti atos
Nas inércias da minha vida.

Antes e depois
De acasos
Razões me surpreendem
No quase viver
De coisas perdidas.
Meu rosto é composto
De não acontecimentos,
De sentimentos e desejos
Marcados pela fantasia
De hojes
Quase perfeitos.

Sou em grande parte
Muito do que nunca fui
No vai e vem da vida
No hiato entre o que pretendo
E pretendia ser.

segunda-feira, 17 de março de 2008

HELLO SUNSHINE

Não sei o que esperar
Do dia seguinte,
Do amontoado de horas
E pequenos fatos
Acumulados em minha vida.

Não sei o que esperar
De mim mesmo
Nos muitos caminhos
E destinos
Que se fazem
Na ontologia dos gestos
Gentes e jeitos
Que revelam a existência.

Tudo que vivo
É muito
E bem pouco no impreciso acontecer
Dos meus sentimentos de mundo.

Mas amanhãs me descobrem
No segredo de um dia possível
Quase indeterminado,
De uma inédita manhã.

Hello Sunshine...

sexta-feira, 14 de março de 2008

EXISTIR PROVISÓRIO

Existo provisório
Em um segundo de esperança
As margens
Do caos do mundo.

Sonho o tempo
E os encantos
De antigos futuros,
Vislumbrando
O quase acontecer
De mim mesmo
Em presentes perdidos.

I am stuck...

I am stuck...
Entre o crescimento
e a queda
no viver do tempo.

I am stuck...
Entre certezas de realidade
E incertezas de mim mesmo.

I am stuck...
Diante do rosto dos outros
Que quase não sabem
O fundo escuro
De si mesmos.


I am stuck…
Encarando o acaso
Em delírios
De futuros
Quase perfeitos.

I am stuck…
No impasse desses versos
Que não me levam
Alem da equivoca palavra
Que me apresenta o mundo.

O BEM E O MAL NA PSICOLOGIA ANALITICA

O bem e o mal na Psicologia Analítica é o titulo de um pequeno ensaio publicado no décimo volume das obras completas de C G Jung. Originalmente ele foi apresentado em um encontro de fim de semana do grupo de trabalho “ Arzt und Seelsorges” de Stuttgart no outono de 1958.
Como alerta o próprio autor, sua posição sobre o assunto não se enquadra em qualquer especulação moral apriorística ou teórica. Seu ponto de vista é essencialmente empírico e ancora-se em sua experiência como psico-terapeuta. Nesta perspectiva, a problemática do bem e do mal nos conduz a cisão e conflito entre opostos que configuram a milênios a consciência e cultura ocidental. Em termos de psicologia analítica, dentre outras coisas, trata-se do delicado problema de conscientização e assimilação da sombra, imagem arquétipo que corresponde à experiência psicológica de nosso intimo outro, daquelas faces de nós mesmos que por uma série de razões normalmente ignoramos. Cabe ainda considerar a os limites de todo código comportamental inspirado pela moral tradicional.

Segue um fragmento deste instigante texto:

“... Também na questão do bem e do mal nós, terapeutas, só podemos confiar estarmos vendo as coisas de modo certo, mas não se pode ter certeza absoluta. Enquanto terapeuta, não posso abordar, em casos concretos, o problema do bem e do mal de modo teológico ou filosófico, mas apenas de modo empírico. Sendo minha atitude empírica, isto não quer dizer que relativizo em si o bem e o mal. Sei muito bem: isto é mau, mas o paradoxo é que nesta pessoa, nesta situação concreta, neste determinado grau de seu amadurecimento isto pode ser bom. Por outro lado, também vale: o bom no momento errado e no lugar impróprio se torna o pior. Se assim não fosse, tudo seria muito simples demais. Se não fizer um juízo a priori mas escutar os fatos concretos, não sei de antemão o que é bom ou mau para o paciente. Muitas coisas se nos apresentam mas não conseguimos desvendar seu significado.”
“...A realidade do bem e do mal consiste em coisas, situações que acontecem, que ultrapassam nosso pensamento, em que a gente está, por assim dizer, diante da vida e da morte. O que me sobrevém nesta força e intensidade eu experimento como algo numinoso, não importa se o designo como divino, demoníaco ou causado pelo destino. Esta atuando algo mais forte, insuperável com o qual me confronto. A dificuldade esta em que estamos acostumados a pensar estes problemas a ponto ficarem claros “como dois mais dois são quatro” . Mas na prática isto não funciona; não chegamos a uma solução, em principio, de como devemos proceder. Querer isto é errado. È como nas leis da natureza que a gente acha que são validas em toda parte. A moral tradicional é exatamente como a física clássica: uma verdade e sabedoria estatísticas. O físico de hoje sabe que a causalidade é uma verdade estatística. Mas no caso prático sempre procurará saber qual a lei aplicável a este caso. O mesmo se da no campo da moralidade. Não podemos supor que tenhamos dito algo de validade absoluta quando opinamos num caso concreto: isto é bom, isto é mau. É certo que muitas vezes devemos pronunciar um julgamento, não da para fugir. E pode acontecer que digamos inclusive a verdade, que acertemos na mosca. Mas considerar nosso julgamento simplesmente como valido seria disparate, seria querer ser como Deus. Mesmo que na prática uma ação moral nem sempre estuda sua qualidade moral mais profunda, a soma dos motivos conscientes e inconscientes que a fundamentam. E muito menos quem julga a ação de outro, que só a percebe de fora, em sua aparência e não em seu ser mais profundo. Kant diz com razão que o indivíduo e a sociedade deveriam passar de uma “ética da ação” para uma “ética da convicção”. Mas só Deus pode perscrutar a última e mais profunda convicção que está por trás da ação. Por isso, nosso julgamento sobre o que é bom ou mau concretamente deve ser muito prudente e hipotético. Jamais apodítico como se pudéssemos ver claramente todos os fundamentos últimos. As concepções morais são muitas vezes tão divergentes quanto diverge nosso paladar do dos esquimós no tocante a guloseimas.”

( C G Jung. O Bem e o Mal na Psicologia Analítica, in Obras Completas. Vol. X/3. Civilização em Transição. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 185 et seq.)