quinta-feira, 6 de março de 2008

O PERDIDO DE UM SONHO

Embrulhei um sonho
Com o azul do céu.
Deixei-o ali
Esquecido crescer
No intimo infinito
Dos desejos perdidos.

Procurei saber suas noites,
Sua alma
E a abstrata realidade
De seu encanto.

Abandonei-me
No pensar esse sonho
Até esquecer de mim mesmo
E abandonar rotinas
Em lixeiras de dia.

AS MULHERES NA VIDA DE JUNG


Originalmente publicado na Grã Bretanha em 1990, The Valkyries: The Womem around Jung, aqui traduzido como “As mulheres na vida de Jung” de Maggy Anthony, é um dos livros que, embora escrito por uma não “especialista” fornece uma contribuição interessante a este polêmico e delicado tema. Demasiadamente romanceada em alguns momentos, a narrativa prima pela lucidez e guarda um certo brilho que a torna interessante a quem se interessa pelo universo da psicologia analítica, além da biografia e a obra de seu fundador.
Não é novidade que o arquétipo de Anima e da Grande Mãe, assim como o resgate do feminino, constituem imagens e questões nodais dentro do vasto campo de pesquisa da psicologia analítica. Também não é novidade o papel desempenhado pelas mulheres na institucionalização e difusão das idéias de Jung, bem como em seus relacionamentos íntimos e afetos.
Como ressalta a autora:


“ Uma coisa ficou clara na preparação deste livro: a necessidade de Jung pelas mulheres era recíproca em relação à delas por ele. Mostrei como a relação com a mãe, Emilie Preiswerk Jung, constituiu a base para o relacionamento com as mulheres em geral e aquelas de seu circulo particular: o relacionamento terminou por criar nele uma necessidade vitalícia pela companhia intelectual e criativa das mulheres, que parece ser de tamanho proporcional a seus talentos, e não se tratava apenas do simples desejo da maioria dos homens, de serem admirados pelas mulheres, embora com certeza isso também estivesse presente.
Mesmo em sua experiência de quase-morte, a conexão com as mulheres teve estreita ligação com a sua sobrevivência. No meio da experiência, o médico que o tratava surgiu-lhe flutuando numa visão. O médico fantasma explicou a Jung que não lhe seria permitido morrer porque pelo menos trinta mulheres se achavam abaladas demais com a idéia de que as pudesse deixar, bem como ao seu trabalho.
Jung tinha uma profunda necessidade psíquica, da qual dependiam sua criatividade e a integridade de sua psique. Não foi por acidente que escolheu uma mulher para acompanha-lo em sua jornada às profundezas do próprio inconsciente, e que desse modo tornou-se analista de Carl Jung: Toni Wolff. As mulheres e o inconsciente, para ele, eram sinônimos. Havia dito que os homens opunham uma resistência infantil às mulheres, estavam resistindo ao seu próprio lado inconsciente.”

( Maggy Anthony. As Mulheres na Vida de Jung. Tradução de Constantino Kouzmin Korovaeff, RJ: Record: Rosa dos Ventos, 1998, p 164.)

Do ponto de vista das tantas Valquirias que se uniram criativamente a Jung e viveram suas idéias podemos dizer que :
“... Em cada um dos casos, o relacionamento com Jung possibilitou que conduzissem o desenvolvimento de suas vidas num nível mais profundo, e seus sonhos e visões sustentaram-nas além da morte do homem que as levou a sério pela primeira vez.”

( idem p.184)

quarta-feira, 5 de março de 2008

DIA INTERNACIONAL DA MULHER: PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS


Entre muitas coisas o século XX foi um momento de redefinição do papel e significados da mulher e do feminino na cultura ocidental. O movimento feminista dos anos 60 e 70 não só contribuíram para transformar o status social da mulher como também propiciou a gestação de uma nova cultura feminina que pôs em xeque os valores partriacais inspirados pela tradição judaico cristã.
Se nem todas as mulheres identificam-se com a causa feminista, respiram hoje seus efeitos na simples possibilidade de cotidianamente construírem livremente seus próprios caminhos e viver os próprios sonhos.
Uma das tendências deste limiar de século, no que diz respeito ao resgate do feminino, é a profunda transformação da cultura masculina que, libertando-se das tradições e preconceitos partriacais vem sinalizando claramente para a gestação de uma nova “cultura dos sexos” e integração maior do feminino enquanto realidade e configuração simbólica e cultural.
Os valores feministas hoje já não se restringem aos movimentos feministas mas funcionam como referencial a pratica cotidiana de homens e mulheres no dialogo de corpos e almas do se fazer da vida.
Neste dia internacional da mulher mais uma vez celebramos a mulher e o feminino como matriz máxima da cultura humana.

terça-feira, 4 de março de 2008

MEMÓRIAS, SONHOS E REFLEXÕES


Em sua auto biografia Memórias, Sonhos Reflexões, Jung faz mais do que narrar seu sentimento pessoal de mundo e colecionar recortes biográficos. Na verdade o que parece decisivo nesse singular relato é o balanço de suas vivências psicológicas e a descrição de seu próprio confronto criativo com o inconsciente.
Neste livro, Jung procura apresentar sua mensagem de modo diferente daquele condicionado por seus textos científicos, nos oferecendo uma chave de leitura para sua obra que, transcendendo a mera apreensão intelectual, pois pressupõe a participação de nossos sentimentos, fantasias e intuições ou, simplesmente, nosso envolvimento subjetivo com aquela dimensão mais profunda e obscura de nós mesmos que prefigura a própria condição humana.
Não por acaso não encontramos em suas memórias um julgamento definitivo de sua própria vida e obra. Ele não nos oferece um legado cristalizado e dogmático, mas um testemunho da experiência viva da psique. Toda a sua obra pode ser sumariamente definida como a delimitação de um campo, de um mapa ou caminho que só pode ser percorrido pessoalmente ou individualmente por cada pessoa. Não há um trajeto pré fixado pela rigidez teórica ou sistêmica. Tudo o que realmente importa é que aprendamos a escutar nosso daimon....

“ Conheci todas as dificuldades possíveis para me afirmar, sustentando meus pensamentos. Havia em mim um daimon que, em última instância, era sempre o que decidia. Ele me dominava, me ultrapassava e quando tomava conta de mim, eu desprezava as atitudes convencionais. Jamais podia deter-me no que obtinha. Precisava continuar, na tentativa de atingir minha visão. Como, naturalmente, meus contemporâneos não a viam, só podiam constatar que eu prosseguia sem me deter.
Ofendi muitas pessoas; assim que lhes percebia a incompreensão, elas me desinteressavam. Precisava continuar. À exceção dos meus doentes, não tinha paciência com os homens. Precisava seguir uma lei interior que me era imposta, sem liberdade de escolha. Naturalmente, nem sempre obedecia a ela. Como poderíamos viver sem cometermos incoerências?
Em relação a alguns seres, era sempre próximo e presente na medida em que mantínhamos um diálogo interior; mas podia ocorrer que, bruscamente, eu me afastasse, por sentir que nada mais havia que me ligasse a eles. Tinha que aceitar, penosamente, o fato de que continuassem lá, mesmo quando nada mais tinham a me dizer. Muitos despertaram em mim um sentimento de humanidade viva, mas só quando esta era visível no circulo mágico da psicologia; no instante seguinte, o projetor poderia afastar deles seus raios e nada mais restaria. Poderia interessar-me intensamente por alguns seres, mas, desde que se tornavam translúcidos para mim, o encanto se quebrava. Fiz, assim, muitos inimigos. Mas, como toda personalidade criadora, não era livre, mas tomada e impelida pelo demônio interior.
(...)
Poderia talvez dizer: necessito das pessoas mais do que os outros, e, ao mesmo tempo, bem menos. Quando o daimon está em ação, sentimo-nos muito perto e muito longe. Só quando ele se cala é que podemos guardar uma medida intermediária.
(...)
Sinto-me contente de que minha vida tenha sido aquilo que foi: rica e frutífera. Como poderia esperar mais? Ocorreram muitas coisas, impossíveis de serem canceladas. Algumas poderiam ter sido diferentes, se eu mesmo tivesse sido diferente. Assim, pois, as coisas foram o que tinham de ser; pois foram o que foram porque eu sou como sou. Muitas coisas, muitas circunstâncias foram provocadas intencionalmente, mas nem sempre representaram uma vantagem para mim. Em sua maioria dependem do destino. Lamento muitas tolices resultantes de minha teimosia, mas se não fossem elas não teria chegado a minha meta. Assim, pois, eu me sinto ao mesmo tempo satisfeito e decepcionado. Decepcionado com os homens, e comigo mesmo. Em contacto com os homens vivi ocasiões maravilhosas e trabalhei mais do que eu mesmo esperava de mim. Desisto de chegar a um julgamento definitivo, pois o fenômeno vida e o fenômeno homem são demasiadamente grandes. À medida em que envelhecia, menos me compreendia e me reconhecia, e menos sabia sobre mim mesmo.”

( C G Jung. Memória, Sonhos, Reflexões. Tradução de Dora Ferreira da Silva. RJ: Nova Fronteira, 20º ed, p. 308 et seq. )

METAFISICA FEMININA


A mulher é artífice
E fonte de vida,
Imagem e semelhança
Da magna matéria
Que faz o mundo.

Toda mulher
Guarda em si
Um pouco de esfinge,
De mistério,
No corpo e na alma
Em que se escreve.

Cada mulher
É uma estrela viva,
Sabendo-se ninfa,
Deusa e senhora
No labirinto de encantos,
Desejos e sonhos
Que a lua inspira
Na aventura de encontros.

A UMA DEUSA...

Médium e mística
Senhora da natureza.

Em seu altar
Deixo-me inquieto.
Espero...
Pelo abraço
Do teu amanhã mágico
Em minha vida,
Pelo gozo e êxtase
De uma única primavera
Na fertilidade do seu sonho.

Encontro-me...
em suas fontes e jardins...
Encontro-a...

segunda-feira, 3 de março de 2008

A IDENTIDADE CULTURAL NA POS MODERNIDADE


Uma das questões chaves da contemporaneidade é o deslocamento das identidades culturais de classe, étnicas, sexuais e nacionais. Na verdade trata-se de um deslocamento ou descentração da experiência coletiva e crise do “sujeito” moderno frente a fragmentação caótica do individuo na sociedade pós industrial. Se por um lado tal fenômeno gera instabilidades e incertezas diversas, novas modalidades de expressão e experiências culturais, também fomenta os particularismos e fundamentalismos identitários mais diversos.
Um livro que muito bem nos introduz a esse delicado debate é A Identidade Cultural na Pos Modernidade do sociólogo britânico Stuard Hall .
Em linhas gerais, como expõe o próprio autor ao apresentar a questão:


“ A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o individuo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “ crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social."


(Stuart Hall. A Identidade na Pos Modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes. 9º ed. RJ: DP&A, 2004.)


Em outro momento, falando especificamente do caso britanico:

“ Num mundo de fronteiras dissolvidas e de continuidades rompidas, as velhas certezas e hierarquias da identidade britânica têm sido postas em questão. Num pais que é agora um repositório de culturas africanas e asiáticas, o sentimento do que significa ser britânico nunca mais pode ter a mesma velha confiança e certeza. O que significa ser europeu, num continente colorido não apenas pelas culturas de suas antigas colônias, mas também pelas culturas americanas e agora pelas japonesas?
A categoria de identidade não é, ela própria, problemática? É possível, de algum modo, em tempos globais, ter-se um sentimento de identidade coerente e integral? A continuidade e a historicidade da identidade são questionadas pela imediatez e pela intensidade das confrontações culturais globais. Os confortos da Tradição são fundamentalmente desafiados pelo imperativo de se forjar uma nova auto interpretação, baseada nas responsabilidades da Tradução cultura.”
( idem, p. 84)

sábado, 1 de março de 2008

Freeway...

No agir dos olhos
Colhendo o mundo,
No acontecer do corpo
Em aleatório movimento,
Inventam-se momentos,
Entre a existência e o pensamento.
Ponto abstrato de tempo
Em que me surpreendo restrito
A qualquer realização de limite;
Ausente dos passos
E dos caminhos
Onde me conduz muda
A própria vida
Na curva de um freeway.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

LIMITES DO CONCEITO DE RELIGIÃO


O conceito de religião é bastante incômodo e equivoco para definição da experiência do sagrado comum a todas as sociedades humanas em diferentes épocas e contextos. Isso porque seu conteúdo esta fatalmente condicionado a uma visão de mundo configurada pela cultura judaico cristã. Originário do latim religare ( reunir) ou religere ( religar) ele não dá conta das hierofanias das sociedades arcaicas e muito menos de experiências de transcendência e cosmovisões esotericas que dispensam ou são indiferentes ao monoteísmo e ao conceito de fé ( fides/ confiança) inerente a ele.
O imaginário de um mundo “encantado”, povoado por “poderes e “forças” meta naturais e meta humanos configuram a leitura de um real mais profundo que não se enquadra na idéia de religiosidade. Reconhecer os limites do conceito de religião é em pouca palavras aceitar a pluralidade de possibilidades de experiências de transcendência e representações do sagrado para alem da cultura judaico cristã.

A NAÇÃO COMO COMUNIDADE IMAGINARIA

O fenômeno do nacionalismo coincide com o advento do iluminismo europeu e a desintegração do antigo regime em fins do séc. XVIII. Trata-se de um sistema cultural que, a partir do processo de secularização das sociedades e a gradativa separação entre o plano religioso e político inspirado pela reforma protestante, suplanta a religião enquanto sistema simbólico aglutinador das sociedades políticas através da difusão da formula estado nação. O contraditório deslocamento desta formula do centro do imaginário social, em certa medida cada vez mais definido pelo hibridismo e pluralismo cultural resultante das globalizações, tem impulsionado a construção de um imaginario neo- nacionalista que mais do que o mero revival deste referencial coletivo, parece buscar defini-lo em novos termos ainda não muito claros, mais de incontestável vocação excludente e totalitária.
Embora insuficiente em alguns pontos, a obra do inglês Benedict Anderson. Nação e Consciência Nacional, permanece sendo um referencial importante para o estudo do nacionalismo ( ou dos nacionalismos) ou da invenção do mito nacional.
A reflexão que ele nos propõe pode ser expressa sinteticamente na seguinte passagem:

“Dentro de um espírito antropológico, proponho, então, a seguinte definição para nação: ela é uma comunidade política imaginada- e imaginada como implicitamente limitada e soberana.
Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem se quer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão. (...)
As comunidades não devem ser destinguidas por sua falsidade / autenticidade, mas pelo estilo em que são imaginadas. Os aldeões javaneses sempre souberam que estavam ligados a pessoas que jamais haviam visto, mas tais vínculos eram outrora imaginados de maneira particularista- como malhas indefinidamente extensas de parentesco e de dependência. Até muito recentemente, a língua javanesa não possuía uma palavra para significar “sociedade”. Hoje podemos pensar na aristocracia francesa do ancien regime como uma classe; mas certamente ela só foi imaginada desse modo muito tardiamente.”

(Benedict Anderson. Nação e Consciência Nacional./ tradução de Lorio Lourenço de Oliveira. SP Editora Atica, Serie Temas Vol. 9, p.14 et seq.)