terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

MITO: LINGUAGEM E META LINGUAGEM


Pode-se dizer que o homem é um zoom phonanta, um animal com linguagem. Mas tal afirmação só faz pleno sentido quando transcendemos o verbo e mergulhamos no complexo universo da relação entre linguagem e mito. De certa modo, pode-se dizer que o m,itop é uma ontologia linguistica, em poucas palavras, algo distinto dos conceitos cognoscitivos da elaboração verbal e configurados pela imagetica do simbolo. Tal imagetica nos remete a uma deficiencia linguistica elementar e a busca de sua superação na "paronímia" da palavra, na ambiguidade do verbo tranvertido de imagem, e que jamais pode ser reduzido a formulação e expressão de conceitos verbais. Isso na medida em que remete a um outro da própria linguagem, ao avesso da correspondência entre as palavras e as coisas.

UTOPIA

Impossível dizer
E fazer-se
No próprio rosto
Que no alem do céu
Descobre o oposto.
Sonho a vida,
O acaso
E o outro.
Sonho a realidade
De fantasias
E o sorriso de viver.
Sonho dentro
Do gosto e do sonho
Do sabor do corpo
Em um mundo sem pensamento

A ALQUIMIA E A IMAGINAÇÃO ATIVA

Alquimia e a imaginação ativa reúne seis palestras da Dr. Marie Louise von Franz realizadas no Instituto C G Jung em Zurique durante os meses de janeiro e fevereiro de 1969.
Para explorar este complexo tema a autora toma como base a obra de Gehard Dorn, medico e alquimista que viveu no sul da Alemanha na segunda metade do séc. XVI. Trata-se de um discípulo de Paracelso que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da farmacologia.
Vale lembrar que a partir do séc. XVII a alquimia ocidental diluiu-se na consciência cristã perdendo sua base empírica enquanto filosofia da matéria e da natureza. A partir de então gradativamente ela reduziu-se a uma espécie de ensinamento moralista e relegado ao obscurantismo do ocultismo moderno. Em Dorn, ao contrário, ainda podemos encontrar a tendência inerente à tradição da alquimia ocidental de funcionar como uma vertente compensatória e subterrânea com relação ao cristianismo ortodoxo problematizando suas contradições e limitações..
Como observa a autora, por exemplo :

“... As questões do feminino e do corpo eram enormes problemas para Dorn, e seu plano consciente era, para falar cruamente, o mesmo que castrar a alquimia , como o fizeram mais tarde os franco maçons e os rosa cruzes, e torná-la artificialmente ajustada em sua weitanschauung. Assim, ele era, de certa forma, um daqueles pecadores. Por outro lado, uma genuína fascinação ainda o movia e, como medico e farmacologista, continuava com seus experimentos, portanto, não teve êxito em simplesmente pensar sobre a tradição alquímica e alicerça-la num tipo de visão cristã convencional, ele ficou atolado no conflito, que nunca conseguiu resolver embora tivesse tentado todos os caminhos. ( ...) como medico ele não podia, como fez o pároco Andréa, ignorar por completo o aspecto material do homem, isto é, o corpo e a vida real.”
( Marie Louise von Fran. Alquimia e imaginação Ativa, SP: Cultrix, s/d; p. 39)

Em um capitulo de sua obra “ A Filosofia Especulativa” intitulada “conversação por cujo intermédio o Animus tenta atrair para si o corpo e a alma”, encontramos um dialogo dramático cujo a forma, segundo von Franz, se aproxima do que hoje chamamos de imaginação ativa. Os protagonistas deste dialogo são S- o Spiritus, A- a Anima, C- o Corpo; e F- o Amor Filosófico. Como elucida a autora em outro momento:

“Resumidamente, pode-se ver que Dorn concebe quatro elementos no trabalho interior de unificação e três estágios ou graus. Os quatro elementos são Spiritus, Anima, Corpus e Cosmos. No inicio, Spiritus e Anima se unem, e transformam-se em Mens. A seguir, Mens e Corpus se unem e se convertem em Vir unus e, finalmente, na morte, o vir unus une-se ao universo, embora não em sua forma visível, mas como unus mundus, seu background potencial, invisível.
( idem p.152)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

SHAKESPEARE E A TRAGÉDIA DE McBETH


A tragédia de Macbeth, composta provavelmente entre os anos de 1606 e 1909, impossível maior precisão, é uma das mais conhecidas de Shakespeare, muito embora, não rivalize com Hamlet ou Julio César que de muitas maneiras apresentam com esta certo paralelismo ou simetria temática e imagética.
Macbeth, pressupõe a fusão de dois imaginários destintos : o celta e o romano. É um épico de crime e expiação; uma tragédia cujo pano de fundo é o sombrio universo do poder, da traição, da astúcia, da loucura e do destino.
Esta tragédia, singularmente sangrenta, nos faz pensar sobre o peso das conseqüências e significados possíveis das ações humanas até os meandros que levam cada um de nós a retirada do palco da vida. Sua atmosfera é sombria... ou, poderíamos dizer, demasiadamente humana.
Julgo conveniente para ilustra-la uma pequena fala de Lady Macbeth na cena II do III Ato:

“Nada temos e tudo se gastou quando nosso desejo foi obtido sem alegria. É mais seguro ser o que destruímos do que, pela destruição, viver um contentamento duvidoso. Porque andais sozinho, meu Senhor, fazendo das mais tristes imaginações os vossos companmheiros e usando pensamentos que, na verdade, já deveriam ter morrido com elas? Não se deve estimar o que não tem remédio, e o que esta feito, esta feito.”

(William Shakespeare. A Tragédia de Macbeth. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1987, p.117)

A FLOR, TEMPO E FINITUDE

A natureza
Em aleatório capricho
Faz a beleza
De uma pequena flor selvagem
Surpreender as pedras de um muro.


Improvável combinação
Colhida por olhos humanos
Que na permanência quase eterna da pedra
Questionam a presença daquele perene adorno.

Como se entre a flor e a pedra
Houvesse a mesma distância
Que há entre o homem
E o tempo
Em suas ilusões de infinito
E angustias de finitude.

CRÔNICA RELÂMPAGO XIX


Gostamos de imaginar que estamos sempre em algum preciso ponto de nossas vidas.
Como se os passados todos pudessem ser organizados em torno do momento presente, definindo um teleológico processo de continuidade biográfica. Mas nada é mais ilusório do que esta hipotética totalidade definidora do agora de nossa presença no mundo. O tempo, em verdade, quase não existe como cumulativa experiência de nós mesmos. Somos o contraditório “outro” de uma sucessão de “eus” que se perderam ao acontecer... Somos um vácuo entre o que foi e o que será em nossas ausências.

NUVENS

Nuvens passeiam
Por um noturno céu
Sem estrelas.

Seguem em procissão
De lugar algum
Ao nada adiante.
Como a própria vida
Em seu acaso.

Esqueço os planos
Do dia seguinte
Abandonando-me
Em abismos de horas,
Passando por em sonho
Como mais uma nuvem
Sem destino ou rumo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A INDIVIDUAÇÃO COMO CRITICA A MODERNIDADE

É redundante dizer que Jung foi um critico da modernidade e suas instituições políticas, tanto quanto da modalidade de coletivização social representada pela massificação que definiria as sociedades pós industriais do ocidente. Mas para uma compreensão adequada de sua critica é conveniente bem compreender o papel que o processo de individuação desempenha em seu pensamento.
Podemos em linhas muito gerais defini-lo como um novo foco de subjetivação centrado na experiência psicológica da unidade dos opostos, na emancipação do individuo das regras coletivas mediante a elaboração ou constelação de uma imagem e sentimento próprio de mundo através da progressiva retirada de projeções e integração de conteúdos psíquicos.
A individuação, mais do que um processo vital, compreende o novo mito elaborado e vivido pelo homem contemporâneo, uma resposta a diluição de sua consciência nas configurações impostas pela sociedade de massas.
Valho-me do seguinte fragmento para aprofundar esta delicada questão:

“ Vivemos numa época de conturbação e desintegração. Tudo tornou-se problemático. Como costuma acontecer em tais circunstâncias, conteúdos do inconsciente forçam passagem para as fronteiras da consciência com a finalidade de compensar a situação de emergência. Vale a penas, pois, examinar minunciosamente todos os fenômenos limite, por mais obscuros que possam parecer, a fim de descobrir neles os germes de uma nova ordem possível. O fenômeno da transferência é, sem duvida alguma, uma das síndromes mais importantes e decisivas do processo de individuação e significa mais do que uma simples atração e repulsa de ordem pessoal. Graças a seus conteúdos e símbolos coletivos, ele ultrapassa de longe a pessoa, e atinge a esfera do social, trazendo-nos à memória aqueles contextos humanos superiores que, por dolorosa que seja, faltam à nossa ordem, ou melhor, à desordem social dos nossos dias. Os símbolos do circulo e da quaternidade , tão característicos do processo de individuação, remetem-nos, por um lado, ao passado, a uma ordem originaria primitiva da sociedade humana e, por outro, apontam para o futuro, rumo a uma ordem interior da alma, como se esta fosse instrumento indispensável à reorganização da comunidade cultural, em oposição às organizações coletivas tão apreciadas hoje em dia, as quais constituem um agregado de seres semi-humanos, inacabados e imaturos. As referidas organizações só tem sentido, se o material que pretendem ordenar é de algum valor. O homem massificado, contudo, não tem valor; é uma simples partícula que perdeu sua alma, isto é, o sentido de sua humanidade. O que falta ao nosso mundo é a conexão anímica. Não há associação profissional ou comunidade de interesses econômicos, não há partido político ou Estado que possa jamais substitui-la. Não é de estranhar-se, portanto, que não sejam os sociólogos, mas sim os médicos, os primeiros a sentirem claramente as verdadeiras necessidades dos homens, pois ao eles, como psioterapeutas, osque lidam mais de perto com as aflições da alma humana.”
( C.G. Jung. Obras Completas. Vol. XVI/2: Ab-reação, Analise dos Sonhos, Transferência./ tradução de de Maria Luiza Appy. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 186 et seq.)

TRANSFIGURAÇÃO NATURAL

Desnuda-se a vida
Na transcendência
De pensamentos.

Escreve-se o mundo
Nos cinco cantos
Do meu corpo
Em sensações abertas.

Todas as coisas
Animadas e inanimadas
Apresentam-se
Em sabores e sabedorias
De imprecisas infâncias.

Tudo que vejo
É um relâmpago
De diurno sonho,
Festa de cores
Em fatos e atos
Despidos em sol.

INDIVIDUALIDADE, IDENTIDADE E SIGNIFICADO

O tempo de uma existência humana não vai alem do breve espaço de algumas miseras décadas. Mas a mítica que impomos ao campo das singularidades individuais nos condiciona a atribuir a biografia humana o estatuto de um “segredo”, um significado único que representa o próprio si da vida.
É na imanência, no imediato e no particular da fenomenologia humana onde hoje nos abrigamos e buscamos compreender nosso “estar- presente- no-mundo” sem o conforto de metas narrativas de inspiração “coletivista” ou política.
Nada mais natural que o individuo, entretanto, já não se apresente como uma unidade definível e inteiramente cognoscível, mas como uma pluralidade difusa de fenômenos enfaixados pela simples auto consciência e auto afeição de si mesmo estabelecida em sua inteiração com o outro de sua consciência que é o próprio mundo.
A individualidade humana é um fluir cada vez mais obscuro cuja imagem chave ou estruturante parece ser o mito do herói em suas infinitas variações.
Neste sentido, a idéia de meta, de propósito, talvez seja mais presente e decisiva ao destino do individuo e a experiência da individualidade do que propriamente a invenção e consciência coletiva de uma sociedade.