sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

LIMITES DO CONCEITO DE RELIGIÃO


O conceito de religião é bastante incômodo e equivoco para definição da experiência do sagrado comum a todas as sociedades humanas em diferentes épocas e contextos. Isso porque seu conteúdo esta fatalmente condicionado a uma visão de mundo configurada pela cultura judaico cristã. Originário do latim religare ( reunir) ou religere ( religar) ele não dá conta das hierofanias das sociedades arcaicas e muito menos de experiências de transcendência e cosmovisões esotericas que dispensam ou são indiferentes ao monoteísmo e ao conceito de fé ( fides/ confiança) inerente a ele.
O imaginário de um mundo “encantado”, povoado por “poderes e “forças” meta naturais e meta humanos configuram a leitura de um real mais profundo que não se enquadra na idéia de religiosidade. Reconhecer os limites do conceito de religião é em pouca palavras aceitar a pluralidade de possibilidades de experiências de transcendência e representações do sagrado para alem da cultura judaico cristã.

A NAÇÃO COMO COMUNIDADE IMAGINARIA

O fenômeno do nacionalismo coincide com o advento do iluminismo europeu e a desintegração do antigo regime em fins do séc. XVIII. Trata-se de um sistema cultural que, a partir do processo de secularização das sociedades e a gradativa separação entre o plano religioso e político inspirado pela reforma protestante, suplanta a religião enquanto sistema simbólico aglutinador das sociedades políticas através da difusão da formula estado nação. O contraditório deslocamento desta formula do centro do imaginário social, em certa medida cada vez mais definido pelo hibridismo e pluralismo cultural resultante das globalizações, tem impulsionado a construção de um imaginario neo- nacionalista que mais do que o mero revival deste referencial coletivo, parece buscar defini-lo em novos termos ainda não muito claros, mais de incontestável vocação excludente e totalitária.
Embora insuficiente em alguns pontos, a obra do inglês Benedict Anderson. Nação e Consciência Nacional, permanece sendo um referencial importante para o estudo do nacionalismo ( ou dos nacionalismos) ou da invenção do mito nacional.
A reflexão que ele nos propõe pode ser expressa sinteticamente na seguinte passagem:

“Dentro de um espírito antropológico, proponho, então, a seguinte definição para nação: ela é uma comunidade política imaginada- e imaginada como implicitamente limitada e soberana.
Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem se quer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão. (...)
As comunidades não devem ser destinguidas por sua falsidade / autenticidade, mas pelo estilo em que são imaginadas. Os aldeões javaneses sempre souberam que estavam ligados a pessoas que jamais haviam visto, mas tais vínculos eram outrora imaginados de maneira particularista- como malhas indefinidamente extensas de parentesco e de dependência. Até muito recentemente, a língua javanesa não possuía uma palavra para significar “sociedade”. Hoje podemos pensar na aristocracia francesa do ancien regime como uma classe; mas certamente ela só foi imaginada desse modo muito tardiamente.”

(Benedict Anderson. Nação e Consciência Nacional./ tradução de Lorio Lourenço de Oliveira. SP Editora Atica, Serie Temas Vol. 9, p.14 et seq.)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

I am stuck

I am stuck
Entre o crescimento
E a queda
Da minha presença
Na humanidade do tempo.

I am stuck
Entre certezas de realidade
E inquietantes duvidas
De mim mesmo.

I am stuck
Diante do rosto dos outros
Que quase não sabem
O fundo escuro de si mesmos.

I am stuck
Diante do acaso
Que me sonha acordado
Em delírios
De futuros
Quase perfeitos.

I am stuck
No impasse destes versos
Que não me levam
Alem da incerteza
Da palavra certa.

I am stuck
No gasto efeito da tradução de imagens
Onde me sinto e toco
Alem do concreto gosto
Do estar em cada dia
Cego em ilusões de eternidade.

DEFINIÇÃO DE ARTE

Arte é desconstruir desatentamente a realidade na alargada percepção da própria existência despida entre imaginações abertas. É mas adequado, nesse sentido falar, mesmo que impropriamente, de um “irreal” da realidade que exploramos quando simplesmente nos distraímos de nós mesmos.
Cada instante faz-se então uma ilusão de atemporalidade, um estado difuso de estar em si mesmo sem o seguro acorandouro do próprio rosto escrito em certezas de mundo.
Arte é apenas uma palavra que nos define uma meta condição de nós mesmos dentro das coisas abstratas e concretas que chamamos mundo vivido.

SONHO DRUIDICO

Florestas, elfos
E fadas
Ensinam-me noites
E magias
As margens
De um lago antigo.


Sonhos imprecisos
Em desmaios d’alma
Acordam-me em delírio
Para o maravilhoso irracional
Do subterrâneo acontecer
Do mundo.

Inspira-me o vento
No sussurrar esquecidas sabedorias
O susto do movimento
Da vida.

De uma parte a outra
De mim mesmo caminho
Disperso em diversas
Variações do meu rosto.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

MAGICA MATÉRIA

Vagos são os desejos...
Desejo tanto
a perfeição
da impossivel sedução
de imaginárias delicias
que me esqueço
constantemente
no infinito querer
que escurece os dias.
Não me percebo
até mesmo
no prazer pequeno
das liberdades das sensações,
no degustar de noites
sem pensamentos
em cheiros e sabores
de materia viva.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

ALMA ANIMAL

Meu pensamento
beija sombras de vontades
que ventam
em um aberto ceu nervoso.


Vestem vermeho
minhas imaginações,
em festa de embriagados
instintos liricos obcenos.
Mas o desejo
é apenas uma fantasia distante
a assombrar o finito
e o precário da realidade
que me aprisona os dias;
é uma mera religião
ditada por sentidos e sensações
que definem o mundo
em minha alma animal
como principio.

NOITE, EU E FANTASIA

Em noites claras
de luar sereno
tento por vezes
arrumar estrelas
no ceu ,
saberd destinos e caminhos
no brilho distante
de luzes em coleções.
O ceu se faz espelho
e devaneio
para o meu eu
disperço no caos do mundo.
Sinto me-me como criança
no infinito obscuro
das posibilidades d vida.
Em liberdades e acasos
meu se faz
quase absoluto.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O MITO DO SIGNIFICADO

Nenhum fenômeno é mais fascinante do que o da consciência. Pode-se dizer que ela difere a condição humana da condição animal na medida em que estabelece a objetividade do mundo através de imagens de sentido e uma infinita alternativa de significados.
Em outras palavras, a consciência é o lugar do humano como sujeito da criação do mundo exterior e, ao mesmo tempo, objeto de seu mundo interior ou inconsciente.

Como observa Aniela Jaffé em O MITO DO SIGNIFICADO NA OBRA DE C G JUNG:

O “Mito do Significado” de Jung trata da consciência. A tarefa metafísica do homem consiste na contínua ampliação da consciência em geral, e seu destino como indivíduo, na criação da consciência individual. É a consciência que dá significado ao mundo. “ Sem a consciência reflexiva do homem, o mundo carece de uma gigantesca falta de sentido, pois o homem, pela nossa experiência, é o único ser capaz de perceber sentido”, escreveu Jung a Erich Neumann ( março de 1959). Entretanto, a ênfase de Jung na consciência nunca significou uma desvalorização do inconsciente, nem ele sequer cogitou que este pudesse ser “subjulgado”. Uma substituição do inconsciente pela consciência é totalmente inconcebível, se considerarmos que a esfera de ação dos dois não pode ser comparada, e que a consciência só adquire seu poder criativo estando enraizada no inconsciente, embora possamos ser inteiramente inconscientes da existência deste. A alta avaliação que Jung fazia da consciência estava presente nele, em embrião, desde o começo. Mas só no curso das décadas ele chegou a reconhecer seu papel predominante no destino humano. Inicialmente, antes de ter sondado as profundezas da sua natureza paradoxal, confiou nos poderes criativos do inconsciente. Foi isso que o induziu a dar uma oportunidade aos primórdios do nacional socialismo, apesar de todas as suas reservas objetivas. Ele o viu, muito corretamente, como uma erupção de forças coletivas oriundas do inconsciente, mas estava ainda inclinado, na ocasião, a dar precedência ao mito do inconsciente sobre o mito da consciência.”
(Aniela Jaffé. O Mito do significado na obra de C G Jung./ tradução de Daniel Camarinha da Silva e Dulce Helena Pimentel da Silva. SP: Cultrix,, s/d, p. 141 et seq
)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

ANTI COTIDIANO

Todos os dias
Perco-me nas mesmas rotinas
Em cotidianos ritos.
Mas sonho em cada
Mecânico ato
O inesperado
Da singularidade
De uma noite infinita
Em puro acontecer
De vida
Em súbita subjetividade
E alegria de acaso.

CONTROVÉRSIA DE ESPELHO

Leio nas entrelinhas
Do dia
Que me cobre a face
Os sorrisos escondidos
De distantes instantes
De imaginações e sonhos.
Em tudo que pensamos
Há, afinal,
Mais fantasia
Que realidade,
Mais alegrias e oceanos
Do que certezas
E enganosos acenos
De sedutoras verdades.
Meu destino
É o controvertido esforço
De criar um futuro
Que sustente o presente
Dos meus equívocos
Na intuição de mim mesmo
Alem do rosto
E em aleatório movimento
De plena liberdade.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

CRONICA RELAMPAGO XX


As vezes vislumbro um verdadeiro abismo entre as palavras que cotidianamente me povoam, articuladas por pueris discursos de pragmático estar e ser, e os sentimentos ( valorações) difusos que me inquietam intimamente. Talvez tal distanciamento revele na verdade o abismo que condiciona a relação do meu eu com o mundo; o quanto somos em alguma medida disfuncionais a vida em sociabilidades publicas e privadas ( “sociedade” ). Contra isso, movimenta-se minha própria consciência em construção e busca.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

EXPERIÊNCIA E IMAGINAÇÕES

Um brilho de luz
Em gota de sonora
Chuva
Explode em mim
Um sol de pensamento.

A chuva se faz
Metáfora...
Vida,
Em algum intimo
Alem de mim mesmo.

No obscuro fundo
De imagens e imaginações
De ser
Apreendo e aprendo
Meu próprio rosto.

POEMA QUADRADO

Entre quatro paredes 

Descubro o infinito 

De estar e saber

 Nos quatro cantos do ser.

 

Descubro o limite

entre a pele e o mundo

na intensidade das sensações.

Não há dentro ou fora...

Tudo é intenso

nos quatro cantos da matéria.

 


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

MITO: LINGUAGEM E META LINGUAGEM


Pode-se dizer que o homem é um zoom phonanta, um animal com linguagem. Mas tal afirmação só faz pleno sentido quando transcendemos o verbo e mergulhamos no complexo universo da relação entre linguagem e mito. De certa modo, pode-se dizer que o m,itop é uma ontologia linguistica, em poucas palavras, algo distinto dos conceitos cognoscitivos da elaboração verbal e configurados pela imagetica do simbolo. Tal imagetica nos remete a uma deficiencia linguistica elementar e a busca de sua superação na "paronímia" da palavra, na ambiguidade do verbo tranvertido de imagem, e que jamais pode ser reduzido a formulação e expressão de conceitos verbais. Isso na medida em que remete a um outro da própria linguagem, ao avesso da correspondência entre as palavras e as coisas.

UTOPIA

Impossível dizer
E fazer-se
No próprio rosto
Que no alem do céu
Descobre o oposto.
Sonho a vida,
O acaso
E o outro.
Sonho a realidade
De fantasias
E o sorriso de viver.
Sonho dentro
Do gosto e do sonho
Do sabor do corpo
Em um mundo sem pensamento

A ALQUIMIA E A IMAGINAÇÃO ATIVA

Alquimia e a imaginação ativa reúne seis palestras da Dr. Marie Louise von Franz realizadas no Instituto C G Jung em Zurique durante os meses de janeiro e fevereiro de 1969.
Para explorar este complexo tema a autora toma como base a obra de Gehard Dorn, medico e alquimista que viveu no sul da Alemanha na segunda metade do séc. XVI. Trata-se de um discípulo de Paracelso que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da farmacologia.
Vale lembrar que a partir do séc. XVII a alquimia ocidental diluiu-se na consciência cristã perdendo sua base empírica enquanto filosofia da matéria e da natureza. A partir de então gradativamente ela reduziu-se a uma espécie de ensinamento moralista e relegado ao obscurantismo do ocultismo moderno. Em Dorn, ao contrário, ainda podemos encontrar a tendência inerente à tradição da alquimia ocidental de funcionar como uma vertente compensatória e subterrânea com relação ao cristianismo ortodoxo problematizando suas contradições e limitações..
Como observa a autora, por exemplo :

“... As questões do feminino e do corpo eram enormes problemas para Dorn, e seu plano consciente era, para falar cruamente, o mesmo que castrar a alquimia , como o fizeram mais tarde os franco maçons e os rosa cruzes, e torná-la artificialmente ajustada em sua weitanschauung. Assim, ele era, de certa forma, um daqueles pecadores. Por outro lado, uma genuína fascinação ainda o movia e, como medico e farmacologista, continuava com seus experimentos, portanto, não teve êxito em simplesmente pensar sobre a tradição alquímica e alicerça-la num tipo de visão cristã convencional, ele ficou atolado no conflito, que nunca conseguiu resolver embora tivesse tentado todos os caminhos. ( ...) como medico ele não podia, como fez o pároco Andréa, ignorar por completo o aspecto material do homem, isto é, o corpo e a vida real.”
( Marie Louise von Fran. Alquimia e imaginação Ativa, SP: Cultrix, s/d; p. 39)

Em um capitulo de sua obra “ A Filosofia Especulativa” intitulada “conversação por cujo intermédio o Animus tenta atrair para si o corpo e a alma”, encontramos um dialogo dramático cujo a forma, segundo von Franz, se aproxima do que hoje chamamos de imaginação ativa. Os protagonistas deste dialogo são S- o Spiritus, A- a Anima, C- o Corpo; e F- o Amor Filosófico. Como elucida a autora em outro momento:

“Resumidamente, pode-se ver que Dorn concebe quatro elementos no trabalho interior de unificação e três estágios ou graus. Os quatro elementos são Spiritus, Anima, Corpus e Cosmos. No inicio, Spiritus e Anima se unem, e transformam-se em Mens. A seguir, Mens e Corpus se unem e se convertem em Vir unus e, finalmente, na morte, o vir unus une-se ao universo, embora não em sua forma visível, mas como unus mundus, seu background potencial, invisível.
( idem p.152)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

SHAKESPEARE E A TRAGÉDIA DE McBETH


A tragédia de Macbeth, composta provavelmente entre os anos de 1606 e 1909, impossível maior precisão, é uma das mais conhecidas de Shakespeare, muito embora, não rivalize com Hamlet ou Julio César que de muitas maneiras apresentam com esta certo paralelismo ou simetria temática e imagética.
Macbeth, pressupõe a fusão de dois imaginários destintos : o celta e o romano. É um épico de crime e expiação; uma tragédia cujo pano de fundo é o sombrio universo do poder, da traição, da astúcia, da loucura e do destino.
Esta tragédia, singularmente sangrenta, nos faz pensar sobre o peso das conseqüências e significados possíveis das ações humanas até os meandros que levam cada um de nós a retirada do palco da vida. Sua atmosfera é sombria... ou, poderíamos dizer, demasiadamente humana.
Julgo conveniente para ilustra-la uma pequena fala de Lady Macbeth na cena II do III Ato:

“Nada temos e tudo se gastou quando nosso desejo foi obtido sem alegria. É mais seguro ser o que destruímos do que, pela destruição, viver um contentamento duvidoso. Porque andais sozinho, meu Senhor, fazendo das mais tristes imaginações os vossos companmheiros e usando pensamentos que, na verdade, já deveriam ter morrido com elas? Não se deve estimar o que não tem remédio, e o que esta feito, esta feito.”

(William Shakespeare. A Tragédia de Macbeth. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1987, p.117)

A FLOR, TEMPO E FINITUDE

A natureza
Em aleatório capricho
Faz a beleza
De uma pequena flor selvagem
Surpreender as pedras de um muro.


Improvável combinação
Colhida por olhos humanos
Que na permanência quase eterna da pedra
Questionam a presença daquele perene adorno.

Como se entre a flor e a pedra
Houvesse a mesma distância
Que há entre o homem
E o tempo
Em suas ilusões de infinito
E angustias de finitude.

CRÔNICA RELÂMPAGO XIX


Gostamos de imaginar que estamos sempre em algum preciso ponto de nossas vidas.
Como se os passados todos pudessem ser organizados em torno do momento presente, definindo um teleológico processo de continuidade biográfica. Mas nada é mais ilusório do que esta hipotética totalidade definidora do agora de nossa presença no mundo. O tempo, em verdade, quase não existe como cumulativa experiência de nós mesmos. Somos o contraditório “outro” de uma sucessão de “eus” que se perderam ao acontecer... Somos um vácuo entre o que foi e o que será em nossas ausências.

NUVENS

Nuvens passeiam
Por um noturno céu
Sem estrelas.

Seguem em procissão
De lugar algum
Ao nada adiante.
Como a própria vida
Em seu acaso.

Esqueço os planos
Do dia seguinte
Abandonando-me
Em abismos de horas,
Passando por em sonho
Como mais uma nuvem
Sem destino ou rumo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A INDIVIDUAÇÃO COMO CRITICA A MODERNIDADE

É redundante dizer que Jung foi um critico da modernidade e suas instituições políticas, tanto quanto da modalidade de coletivização social representada pela massificação que definiria as sociedades pós industriais do ocidente. Mas para uma compreensão adequada de sua critica é conveniente bem compreender o papel que o processo de individuação desempenha em seu pensamento.
Podemos em linhas muito gerais defini-lo como um novo foco de subjetivação centrado na experiência psicológica da unidade dos opostos, na emancipação do individuo das regras coletivas mediante a elaboração ou constelação de uma imagem e sentimento próprio de mundo através da progressiva retirada de projeções e integração de conteúdos psíquicos.
A individuação, mais do que um processo vital, compreende o novo mito elaborado e vivido pelo homem contemporâneo, uma resposta a diluição de sua consciência nas configurações impostas pela sociedade de massas.
Valho-me do seguinte fragmento para aprofundar esta delicada questão:

“ Vivemos numa época de conturbação e desintegração. Tudo tornou-se problemático. Como costuma acontecer em tais circunstâncias, conteúdos do inconsciente forçam passagem para as fronteiras da consciência com a finalidade de compensar a situação de emergência. Vale a penas, pois, examinar minunciosamente todos os fenômenos limite, por mais obscuros que possam parecer, a fim de descobrir neles os germes de uma nova ordem possível. O fenômeno da transferência é, sem duvida alguma, uma das síndromes mais importantes e decisivas do processo de individuação e significa mais do que uma simples atração e repulsa de ordem pessoal. Graças a seus conteúdos e símbolos coletivos, ele ultrapassa de longe a pessoa, e atinge a esfera do social, trazendo-nos à memória aqueles contextos humanos superiores que, por dolorosa que seja, faltam à nossa ordem, ou melhor, à desordem social dos nossos dias. Os símbolos do circulo e da quaternidade , tão característicos do processo de individuação, remetem-nos, por um lado, ao passado, a uma ordem originaria primitiva da sociedade humana e, por outro, apontam para o futuro, rumo a uma ordem interior da alma, como se esta fosse instrumento indispensável à reorganização da comunidade cultural, em oposição às organizações coletivas tão apreciadas hoje em dia, as quais constituem um agregado de seres semi-humanos, inacabados e imaturos. As referidas organizações só tem sentido, se o material que pretendem ordenar é de algum valor. O homem massificado, contudo, não tem valor; é uma simples partícula que perdeu sua alma, isto é, o sentido de sua humanidade. O que falta ao nosso mundo é a conexão anímica. Não há associação profissional ou comunidade de interesses econômicos, não há partido político ou Estado que possa jamais substitui-la. Não é de estranhar-se, portanto, que não sejam os sociólogos, mas sim os médicos, os primeiros a sentirem claramente as verdadeiras necessidades dos homens, pois ao eles, como psioterapeutas, osque lidam mais de perto com as aflições da alma humana.”
( C.G. Jung. Obras Completas. Vol. XVI/2: Ab-reação, Analise dos Sonhos, Transferência./ tradução de de Maria Luiza Appy. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 186 et seq.)

TRANSFIGURAÇÃO NATURAL

Desnuda-se a vida
Na transcendência
De pensamentos.

Escreve-se o mundo
Nos cinco cantos
Do meu corpo
Em sensações abertas.

Todas as coisas
Animadas e inanimadas
Apresentam-se
Em sabores e sabedorias
De imprecisas infâncias.

Tudo que vejo
É um relâmpago
De diurno sonho,
Festa de cores
Em fatos e atos
Despidos em sol.

INDIVIDUALIDADE, IDENTIDADE E SIGNIFICADO

O tempo de uma existência humana não vai alem do breve espaço de algumas miseras décadas. Mas a mítica que impomos ao campo das singularidades individuais nos condiciona a atribuir a biografia humana o estatuto de um “segredo”, um significado único que representa o próprio si da vida.
É na imanência, no imediato e no particular da fenomenologia humana onde hoje nos abrigamos e buscamos compreender nosso “estar- presente- no-mundo” sem o conforto de metas narrativas de inspiração “coletivista” ou política.
Nada mais natural que o individuo, entretanto, já não se apresente como uma unidade definível e inteiramente cognoscível, mas como uma pluralidade difusa de fenômenos enfaixados pela simples auto consciência e auto afeição de si mesmo estabelecida em sua inteiração com o outro de sua consciência que é o próprio mundo.
A individualidade humana é um fluir cada vez mais obscuro cuja imagem chave ou estruturante parece ser o mito do herói em suas infinitas variações.
Neste sentido, a idéia de meta, de propósito, talvez seja mais presente e decisiva ao destino do individuo e a experiência da individualidade do que propriamente a invenção e consciência coletiva de uma sociedade.