quinta-feira, 30 de agosto de 2007

APRENDIZADO DO GRITO




Milhas e milhas de sombras
me separam de mim mesmo...
Como se eu fosse meu próprio outro,
ou um espectro misterioso e estranho.


Enigmático é o tempo
em que me perco e percebo,
onde só me esclareço
no grito que grita
e me grita
no aprendizado do caos
que faz tudo ser e não ser

Alma da própria alma...

EMILY DICKINSON E NOVA INGLATERRA




Poucos versos possuem a força delicada, serenamente melancólica e profunda que encontramos na poesia nativamente norte americana e intimista de Emily Dickinson ( 1830-1886). Aila de Oliveira Gomes,no Prefácio que faz para sua tradução de uma coletânea de poemas desta singular poetisa,assim define com precisão a relevância literária desta fascinante e rara alma feminina e seu lugar na literatura norte americana e universal:
“... Num momento incendido da América, quando reboavam as trombetas de Whitman e se disseminava a pregação místico poética de Emerson, exaltando a self-reliance, Emily Dickinson, modesta, arrisca e, depois, reclusa, abria às escondidas uma nova estrada poética, em direção oposta à de Whitman, mas que, não menos que a dele, desvendaria uma America nova, literalmente autônoma e de repercussão universal. Com material caseiro, retirando de sua arca coisas velhas e novas, e instaurando artesanato inédito, ela verteu em moldes métricos muito simples uma obra poética mais pura que tudo até então tentado em sua terra, numa voz poética liberada, tão revolucionária, a seu modo, quanto a do próprio Whitman.
Não foi, porém, apenas na poesia- por maior amplidão que se dê ao conceito- que Dickinson condensou o espírito americano. Ela não poderia mesmo ter assumido a posição absolutamente central que os críticos hoje reconhecem, se não tivesse vivido, de modo próprio, muito íntimo e profundo, algo que pode ser apontado como um traço crucial do carater e da individualidade do povo americano, isto é, sem que tivesse experimentado em si mesma o conflito nacional entre uma formação calvinista, de rigor puritano, e uma tendência inata a liberação individual. Este pendor era representado em seu tempo pela corrente transcendentalista, que teve em Emerson e Thoreau, suas figuras máximas, e que, desde a época da juventude de Emily, empolgava o próprio baluarte do calvinismo, a Nova Inglaterra.”

Emily Dicknson. Uma Centena de Poemas; tradução, introdução e notas por Aila de Oliveira Gomes. SP: Queiroz: Ed. Universidade de São Paulo, 1984, p.3.

Seguem alguns saborosos fragmentos de tradução da citada coletânea:

Dizem “ Com o tempo se esquece”,
Mas isso não é verdade,
Que a dor real endurece,
Como os músculos, com a idade.
O tempo é o teste da dor,
Mas não é o seu remédio-
Prove-o e, se provado for,
è que não ouve moléstia.

***

A Percepção de um Objeto custa
Justo a perda do Objeto.
A percepção é, em si mesma, um ganho
Respondendo por seu preço.
O Objeto Absoluto- é nada-
A percepção é que o revela-
Depois censura a perfeição
Que tão longe se encastela.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Erwin Schrödinger : MENTE E MATÉRIA



Erwin Schrödinger ( 1887-1961) foi um renomado físico austriaco que contribuiu significativamente para o advento da ciência contemporânea através dos seus estudos sobre a mecãnica das ondas como parcela da física quântica. Sirvo-me aqui de um fragmento de seu conhecido ensaio sobre Mente e Matéria, originário de conferências pronunciadas em outubro de 1956 no Trinity College/Combridge, para devagar sobre a realidade daquilo que, na falta de uma palavra melhor, definimos como mente:
“... Embora a substância de que nosso quadro do mundo é construído seja produzida exclusivamente a partir dos órgãos do sentido como orgãos da mente, de tal forma que o quadro do mundo de todo homem seja e sempre permaneça um construto de sua mente e não se possa comprovar que tenha qualquer outra existência, ainda assim a própria mente consciente permanece uma estranha dentro desse construto, não tem espaço vivo dentro dele, não é possível identifica-la em nenhum lugar no espaço. Normalmente, não percebemos tal fato, pois nos entregamos inteiramente ao pensamento de que a personalidade de um ser humano ou, nesse aspecto, também de um animal, esteja localizado no interior do seu corpo. Aprender que ela não pode ser realmente encontrada lá é tão atordoante que suscita dúvida e hesitação, sendo admitido só com grande relutância. Nós nos acostumamos a localizar a personalidade consciente dentro da cabeça de uma pessoa- eu diria uma ou duas polegadas atrás do ponto médio entre os olhos. Dali, ela nos dá, conforme o caso, compreensão, amor e ternura- ou olhares suspeitos e raivosos. Eu me pergunto se alguém alguma vez reparou que o olho é o único órgão dos sentidos cujo caráter puramente receptivo não conseguimos reconhecer no pensamento ingênuo. Invertendo o atual estado de coisas, somos bem inclinados a pensar em “raios de visão”, emitidos a partir do olho, em vez dos “raios de luz” vindo de fora e que atingem os olhos. É frequente encontrarmos tal “raio de visão” representado em um desenho, num texto cômico, ou mesmo em alguns esboços esquemáticos mais antigos cuja finalidade era ilustrar um instrumento ou lei óptica, uma linha pontilhada emergindo do olho e apontando para o objeto, com a direção sendo indicada por uma seta na extremidade.-Caro leitor, ou melhor ainda, cara leitora, lembre-se dos olhares brilhantes e felizes que seu filho lança em sua direção quando a senhora lhe traz um novo brinquedo e então deixe que o físico lhe diga que, na realidade, nada emerge desses olhos; na realidade, sua única função detectável objetivamente é ser continuamente atingido e receber continuamente quanta de luz. Na realidade! Que estranha relalidade! Parece estar faltando alguma coisa.”


Erwin Schödinger. O que é a Vida? O aspécto físico da célula viva seguido de Mente e Matéria e FragmentosAutobiográficos. SP: Fundação Editora da UNESP, 1997 ( UNESP/Cambridge), p. 136 et seq.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

A ALMA DO MUNDO



O mundo se diz nos olhos,
é imagem viva do sonho
de mim mesmo,
ou a quase realidade
de um vento de pensamento
que me conduz a qualquer lembrança
de um instante distante
de paz de infância.
O mundo se diz nos olhos
mas não cabe em qualquer ângulo
do meu olhar,
escapa-me em cada paisagem
como um onipresente segredo
oculto em natureza e acaso
na alma de cada coisa .

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

MANHÃ QUASE AMANHÃ



Um sonho provisório
de apreensiva noite
escreve esperanças
em meus lábios.
Descanço a sombra da realidade
imaginando o não vivido
de todos os meus dias somados.
Quem me dera poder aprender
a ser tão profundamente eu mesmo
até o ponto de surpreender-me outro,
esquecer-me ou abandonar-me
em qualquer lugar de mim mesmo.

TOMMY OU A EXISTÊNCIA EM SI MESMO...






O The Who entrou para história do Rock britânico como uma banda inigualavelmente barulhenta ou selvagem... Definitivamente em seu som há um ser selvagem e livre na magia de existir que não vem ao caso no momento. Mais importante é falar sobre sua grandiosa opera rock...
A origem de Tommy encontra-se em um momento difícil da banda e inspira-se nos ensinamentos do mistico indiano Meher Baba. A ideia central desta singular e única opera psicodélica é a de que quanto mais nos surpreendemos presos ao imediato da existência mais nos distanciamos de nós mesmos... Tommy é um garoto que se torna surdo, cego e mudo quando testemunha a morte do pai nas mãos da mãe e do padrasto e, aos poucos, descobre seu próprio mundo até se tornar um messias. Mas seu caminho é apenas seu e somente no “parlamentar” da música sua “mensagem se torna comunicável aos seus seguidores. Sua unica mensagem, no fundo, é o aprendizado da própria individualidade desfeita em um sol branco que ilumina tudo que há no particular de si mesmo...

HANNAH ARENT: FRAGMENTO SOBRE O SIGNIFICADO DO PENSAR


“...A solidão ocorre quando estou sozinho, mas incapaz de dividir-me no dois em um, incapaz de fazer-me companhia, quando, como Jaspers dizia”eu falto a mim mesmo” (ich bleibe mir aus), ou, em outras palavras, quando sou um sem companhia.
O fato é que o estar só, enquanto dura a a tividade de pensar, transforma a mera consciência de si- que provavelmente compaertilhamos com os animais superiores- em uma dualidade é talvez a indicação mais convincente de que os homens existem essencialmente no plural. E é essa dualidade do eu comigo mesmo que faz do pensamento uma verdadeira atividade na qual sou ao mesmo tempo quem pergunta e quem responde. O pensamento pode se tornar dialético e crítico porque ele ele se submete a esse processo de perguntas e respostas, ao dialogo do dialegesthai, o qual é na verdade, “viagem através das palavras” (poreuesthai dia ton logon) em que constantemente levantamos a pergunta socrática básica: o que você entende por...? Só que este legein, este dizer, é sem som e, portanto, é tão rápido que sua estrutura dialógica torna-se um tanto difícil de detectar.

Hannah Arendt. A Vida do Espírito: O Pensar, O querer, O julgar.RJ: Relume Dumará, 2º ed., p.139.

ROTINA A CONTRAPELO

Redescubro o mundo
a cada surpresa de dia
que me surpreende
em raios de sol.

Toda manhã é unica e infinita
no grito da minha existência;
é vida a se buscar e perder
nos labirintos abstratos
do tempo que me nega e faz.

Tudo é infinito
quando pulamos nos abismos
das duvidas e incertezas
que nos definem o próprio ser.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

C.G.JUNG: FRAGMENTO SOBRE FANTASIA



“...A questão propõe-se do seguinte modo: o que, para este indivíduo, e neste dado momento, surge como um progresso à altura da vida? Nisto não pode ser respondido por nenhuma ciência, por nenhuma sabedoria de vida, por nenhuma religião, por nenhum bom conselho, mas só pela consideração absolutamente sem preconceitos da semente de vida psicológica que se expande da cooperação natural do consciente e do inconsciente, por um lado, e do individual coletivo, por outro. Onde encontramos esta semente de vida? Alguns a procuram no consciente, outros no inconsciente. O consciente, porém, é apenas um aspecto, e o inconsciente é outro.
Encontramos na fantasia criadora a função unitiva que estamos buscando. Nela fluem conjuntamente os elementos atuantes que estamos buscando. Nela fluem conjuntamente os elementos atuantes que se oferecem. A fantasia, entretanto, goza de má reputação entre os psicólogos. As teorias psicanalíticas, até o presente momento, não a levaram em conta. Para Freud, bem como para Adler, a fantasia não é mais do que um véu “simbólico” que dissimula as tendências ou impulsos primitivos, pressupostos por ambos os investigadores. Podemos contrapor a issas opiniões – não relativamente ao fundamento teórico, mas essencialmente por razões práticas - o fato de que a fantasia pode ser explicada ou desvalorizada em função de sua causalidade; mas apesar disso ela é o regresso materno onde tudo é gerado e que possibilita o crescimento da vida humana. A fantasia tem, em si mesma, um valor irredutível enquanto função psíquica, cujas raizes mergulham tanto nos conteúdos conscientes como nos inconscientes, e tanto no coletivo como no individual.
Mas de onde adveio sua má reputação? Antes de mais nada, da circunstância de que ela não pode ser tomada ao pé da letra. Se ela for compreendida concretamente, é carente de valor. Se for compreendida, como queria Freud, semanticamente, é interessante do ponto de vista científico; mas se a compreendermos como verdadeiro símbolo hermeneutico, então ela nos apontará a direção necessária para conduzir nossa vida em harmonia com nosso ser mais profundo.”
( C.G.JUNG. O Eu e o Inconsciente; tradução de Dora Ferreira da Silva. Petropolis; Vozes, 1985. ( Obras Completas de C.G. JUNG, v.7,t.2), p.145.

DESLOCAMENTO NACIONAL E IMPERIO NAS ILHAS BRITÂNICAS


A bandeira do Reino Unido da Grã Bretânea e da Irlanda do Norte é conhecida como Union Jack ou Union Flag sendo composta pela justaposição da cruz de São Jorge (bandeira da Inglaterra), da cruz de Santo Andre (bandeira da Escócia) e da cruz de São Patrício ( bandeira da irlanda do Norte).
A união das três coroas que ela representa origina-se dos atos de União de 1707, que fundiu o parlamento da Inglaterra e da Escócia, e o de 1800 que incorporou por sua vez o reino da Irlanda.
Pode-se dizer que o Reino Unido compreende um capítulo a parte na história política contemporânea européia a ponto de não ser incorreto falar de uma europa peninsular em contraponto a uma europa continental...
Mas a natureza tripice deste curioso reino não é livre de contradições ou complexidades. A historia majoris britanneae não exclui, por exempro a coexistência de um discurso ingles, escorces e irlandes relativamente autônomos, complementares e excludentes. Neste sentido, o chamado Reino Unido é uma entidade, um espectro complexo, condicionado a uma estrutura política indeterminada e fundada em uma universalidade instável a pairar sobre as ilhas britânicas.
Temos aqui um caso, até onde eu sei, único de deslocamento da centralidade das identidades nacionais ocorrido muito antes dos intensos debates sobre Pós modernidade dos anos 80 e 90 do último século. Não é difícil mensurar a dificuldade do tema para todos nós que aprendemos em caducos manuais de história os caminhos de formação do Estado Moderno a partir do tipo ideal do modelo Estado Nação, centralizado e incarnado por um dado ideal republicano, como um desdobramento natural e simples da “dupla revolução” representada pelas “revoluções” industrial e francesa.
Se o Reino Unido existe ainda hoje, mesmo que mais como um símbolo, um espectro, do que uma bem definida e consolidada realidade social e política, isso não o faz menos real e nem menos influente no imaginário contemporâneo. Certas ideias, afinal, são tão atraentes ao espirito que não precisam ganhar o rude corpo de uma constituição escrtita ou um altar entre os homens, elas se quer exigem perfeição.