terça-feira, 21 de agosto de 2007

SER E CONHECECER


Sei o infinito
mas não o conheço.
Como não me conheço
Sendo, entretanto,
Eu mesmo.

Tenho pouco a dizer sobre tudo.
Quase nada me permite
O pensamento...

Tão pouco é possível viver
No saber das coisas
Que me definem o mundo
Que chego a pensar
Que não existo
Ou que o mundo é outro
Longe de mim.

Que importa isso
Se eu mesmo
As vezes sou outro,
As vezes morro
E renasço em uma
Variação qualquer do meu rosto?

Nenhuma razão nos sustenta
Entre o céu e o chão.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

CRÔNICA RELÂMPAGO IV



Mesmo o mais banal e ralo senso comum intui que a biografia de cada um de nós acontece através de sucessivos ciclos ou momentos ontológicos. Cada período de nossas vidas parece realmente governado por determinados temas e vivências específicas. Podemos às vezes, em algum instante, nos darmos conta, entretanto, do esgotamento de dado período, embora permaneçamos prisioneiro dele, de suas rotinas e questões cotidianamente vividas. Surge, então, certo sentimento de estagnação e vazio; algo que nos lembra ou nos cobra internamente que o movimento e o fluir de todas as coisas é a condição natural da vida humana e absolutamente nada é permanente.
A verdade é que tudo parece desandar quando nos surpreendemos presos a contextos aparentemente imutáveis. Mudar, transformar-se nas coisas, buscar situações e experiências novas é como respirar, um imperativo da natureza cujo propósito e finalidade ignoramos. Apenas sabemos de nossa insaciável inquietude e incompletude ontológica.

domingo, 19 de agosto de 2007

ÍNTIMO DIA



Quem sabe o fundo louco
do caos da vida cotidiana,
o despropósito que rege
todas as coisas
e nos realiza?


Toda eternidade pode estar contida
no finito de um dia,
toda possibilidade de mim mesmo
pode explodir repentinamente
na aventura de uma noite qualquer
onde nada acontece...


Basta um dia
para saber o mundo,
um intenso e único dia
dentro de mim mesmo
espalhado em ventos
e existências errantes
na metafisica
de um momento qualquer.

A ORIGEM DOS SIMBOLOS E DA CONSCIÊCIA HUMANA: BREVE HIPÓTESE DE PESQUISA



Pode-se dizer que a capacidade reflexiva ou simbólica desenvolveu-se já nos primórdios da humanidade, ao que parece, através da justaposição de um fluxo autônomo de imagens e associações primárias com a experiência/estímulo representadas pelo mundo natural.
Ambos associam-se ao impulso instintivo do homem para adaptar-se ao meio circundante garantindo a própria sobrevivência. Desde o inicio, portanto, a consciência, mesmo em sua forma rudimentar, funcionava como o elemento mediador entre dois universos psiquicamente percebidos: o inconsciente e o consciente como matéria.
Como bem nota MIRCEA ELIADE:


“ O mundo imaginário criado e continuamente enriquecido pela intimidade com a matéria deixa-se apreender de maneira insuficiente nas criações figurativas ou geométricas das diferentes culturas pré-históricas. Mas esse mundo ainda nos é acessível nas experiências da nossa própria imaginação. È principalmente essa continuidade ao nível da atividade imaginária que nos permite “compreender” a existência dos homens que viveram nessas épocas longínquas. Mas, ao contrário do homem das sociedades modernas, a atividade imaginária do homem pré- histórico possuía uma dimensão mitológica. Uma quantidade considerável de figuras sobrenaturais e de episódios mitológicos, que vamos encontrar nas tradições religiosas posteriores, representam muito provavelmente “descobertas” das idades da pedra.” ( ELIADE, Mircea História das Crenças e das Idéias Religiosas. Tomo I, Volume I, pg.54-55.)


Embora seja obvio o valor do desenvolvimento da confecção de ferramentas de pedra, objetos de osso, cerâmica e vestes de pele de animais para o advento da civilização, como procura salientar o autor:

“O que é menos óbvio é a importância da atividade imaginária deflagrada pela intimidade com as diferentes modalidades da matéria. Trabalhando com um sílex ou uma agulha primitiva, ligando peles de animais ou tábuas de madeira, preparando um anzol ou uma ponta de flecha, moldando uma estatueta em argila, a imaginação revela analogias insuspeitadas entre os diferentes níveis do real; as ferramentas e os objetos são carregados de inumeráveis simbolismos, o mundo do trabalho – o micro universo que rouba a atenção do artesão durante longas - torna-se um centro misterioso e sagrado, rico de significados.” ( Ibidem; p. 54.)

A imagética simbólica, dentre todas as formas objetivas do homem ser no mundo, é justamente aquela que mais diretamente remete a sua origem inconsciente e obscura nos mais profundos abismos da natureza. O pensamento simbólico expressa uma linguagem imagética e imaginativa que muito antes da palavra e do seu auto-revelar-se já conduzia o homem em sua relação com a matéria e o mundo mediante uma experiência irracional e laboriosa (ou ainda psíquica) com os diversos níveis da realidade concreta.
ELIADE, nos dois fragmentos acima, procura resgatar justamente este momento teleológico e paradoxalmente reflexivo no qual o homem participa e constrói a si mesmo através dos objetos que cria, experimentando, por seu intermédio, aquilo que tradicionalmente conhecemos como “sagrado” ou, em termos de psicologia moderna, como arquétipos. ( Ver nota)
A relação entre psique e matéria, entre imaginação e natureza física, ainda é pouco estudada e satisfatoriamente definida pelo intelecto contemporâneo. Pouco posso aqui falar com alguma segurança sobre este tema extremamente complexo e instigante. Apesar disso, não posso deixar de apontar para o curioso relacionamento íntimo que existe entre o desenvolvimento da consciência e certa apropriação da natureza física pelo homem. Ao lado do conhecimento objetivo do mundo material seria absolutamente cabível colocar um conhecimento irracional, “mágico”, onde o “sagrado” (ou icogniscível) está em profundo intercâmbio com o mundano. JUNG define o encontro entre estas duas dimensões da percepção como uma coincidência entre psique e matéria passível de ser traduzida mediante o conceito medieval UNUS MUNDUS.

Nota:(ELIADE expõe mais precisamente este tema em Ferreiros e Alquimistas ao tecer considerações sobre a mitologia da Idade do Ferro: “... A arte de fabricar ferramentas é de essência sobre-humana, quer seja divina ou demoníaca ( o ferreiro forja também armas mortíferas). Restos de antigas mitologias dos tempos líticos foram provavelmente adicionadas e integradas na mitologia dos metais. As ferramentas de pedra , as clavas, estavam carregadas de uma força misteriosa: batiam, feriam, estilhaçavam, produziam faiscas – tal como um raio. A magia ambivalente das armas de pedra, mortíferas ou benéficas, como o próprio raio, transmitiu-se, ampliou-se com os novos instrumentos forjados em metal. O martelo, sucessor do machado dos tempos líticos, tornou-se o símbolo dos deuses fortes, os deuses da tempestade. Compreendemos então porque os deuses da tempestade e da fecundidade agrária são por vezes imaginados como deuses ferreiros.” (ELIADE, Mircea. Ferreiros e Alquimistas. Lisboa: Relógio D’agua, 1987, p.25) A relação com a matéria, enquanto experiência do mundo e da natureza, é também uma experiência da psique, um jogo de projeções entre o inconsciênte e a consciência que produz um universo de “forças” ou “grandezas” simbólicas que para o homem arcaico transcendem o mundo consciente revelando uma outra realidade que podemos vincular tanto quanto ao espaço do “sagrado” quanto da psique enquanto relação do particular humano com a “transcendência” ou o Self. Neste sentido, o “mundo exterior” compreende além da experiência sensual e física de objetos e fenômenos, um encontro constante com “forças” impessoais e “estranhas” cujos contornos e faces são definidas pelo papel que desempenham na experiência coletiva da produção e reprodução cotidiana da vida humana.)

CICLOS



Não sei quantos tempos
já viveram em minha existência.


Soube tempos de infância
e de juventude,
tempos de apostas, de projetos,
de me perder, de me buscar,
de me encontrar e de me esquecer...


Conheci também tempos de saudades,
de perdas, de danos e ganhos,
tempos de desencontros
e de desencantos.


Soube-me em tantos tempos
entre os acasos das horas
que não sei mais meu presente
na pluralidade dos ciclos
que definem uma vida
e o outro lado de mim.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

PÓS IDENTIDADE

Sei pouco de mim
no acontecer das coisas...
Sou quase segredo
ou busca
do meu próprio rosto
enterrado nos fatos.

Sou o tudo e o nada
do querer e ser
na serenidade de existir
perdido em labirinto
do sentimento de mim mesmo.

Sei o meu próprio desconhecer....

LUDICO E EXPERIÊNCIA VIVIDA

Ainda no séc. XVIII uma lenda difundida pelos adultos entre as crianças inglesas era a da “moeda de prata” deixada por fadas como pagamento pela nata que roubavam das jarras de leite. Também eram atribuídas a elas os “círculos no verde” que apareciam misteriosamente a noite nos trigais e nas relvadas. Segundo a lenda seriam vestígios de suas “danças de roda ao luar. Ainda nos dias atuais estes misteriosos círculos continuam sendo encontrados nos campos da Inglaterra...

.
Fonte: Nota de Paulo Vizioli a sua tradução da Seleção de Poemas de Alexander Pope para o português.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

ARTE E MATÉRIA



“...De fato, temos que reconhecer nos trabalhos de um grande número de artistas contemporâneos um interesse absorvente pela matéria em si. Não falarei de Brancussi, porque seu amor pela matéria é bem conhecido. A atidute de Brancussi, porque com relação à pedra é comparável à solicitude, medo e veneração do homem neolítico por certas pedras que constituem hierofanias para ele; quero dizer, elas também revelam uma realidade última sagrada. Mas, na história da arte moderna, do cubismo até o tachisme, vimos presenciando um esforço contínuo do artista para libertar-se da “superfície” das coisas e penetrar na matéria a fim de desnudar suas últimas estruturas. Eu já discuti em outro lugar o significado religioso do esforço do artista contemporâneo para abolir forma e volume, para descer, como se fosse, ao interior da substância, desvendando sua maneira de ser secreta ou embrionária. Essa fascinação pelos modos elementares da matéria trai um desejo de libertação do peso das formas mortas, uma nostalgia por se submergir num mundo auroreal.
Se nossa análise está correta, há uma convergência nítida entre a atitude do artista com relação a matéria e as nostalgias do homem ocidental (...). É um fato bastante conhecido que, por suas criações, os artistas frequentemente antecipam o que está por vir- algumas vezes uma ou duas gerações mais tarde- em outros setores da vida social e cultural.”
( Mircea Eliade. Correntes Culturais e História das Religiões. in Ocultismo, Bruxaria e Correntes Culturais BH: Interlivos, 1979, p. 24 et seq.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

SILÊNCIOS, VAZIOS E HIATOS



Quardo dentro de mim
a voz de inúmeros silêncios,
vazios e hiatos
que me definem
o rosto.

Quardo dentro de mim
o ideal desejo
de um contexto pleno de mera existência.
Sou mais meus poucos e reles desejos do que eu mesmo
na antecipação de futuros
que nunca saberão de mim.

Pemaneço guardado
como um brinquedo
no irracional do sonho
e no intencional da razão
colecionando retratos
de mim mesmo.
Aguardando....
Ventos e tempestades.

PALAVRAS

Palavras
vagam nas aguas fundas
de um sonho
que nunca sonhei
mas vivi em qualquer parte
de ceu provisório.

Palavras que me escolheram,
que me perderam,
que me buscaram,
e escrevam um mundo
em mim.

Palavras que me souberam
e expressaram a alma de cada momento
na carne de meus pensamentos.

Palavras...