quarta-feira, 31 de julho de 2024

IMPESSOALIDADE

A vida é sempre outra
 enquanto as pessoas nascem,
 morrem
 e quase não são notadas. 

 Há sempre outros rostos e vozes
 proliferando em uma infinita ilusão biográfica. 

 Quem sou eu, 
quem são os outros, 
quem fala por todos 
ou por ninguém, pouco importa. Somos apenas rostos sobrepostos, misturados e desfocados em um formigueiro.


O COMUM CONTRA O ESTADO

O comum é múltiplo e diverso,
é devir e movimento,
composição de corpos em diversidade e cumplicidade.

É o que se opõe aos partidos,
 rebanhos e Estados. 
É uma vontade que cresce,
que transborda e transforma.

 O comum é a liberdade do único 
na ilusão de todos.
É a transcendência da banalidade do social, 
do poder e da autoridade,
na primavera das singularidades
que da forma a multidão.

domingo, 28 de julho de 2024

POSSESSÃO

Não me importa
a letra morta 
de todo discurso,
os muros da escola
 as janelas do escritório,
as contas do mês e o final de semana.

Não me interessam
filosofias, princípios 
ideologias & leis.

Quero saber o agora
pelo avesso, 
pelo lado de fora do humano, 
sobre o cadáver de deus
e sobre as ruínas da civilização.

Há em mim,
uma vontade selvagem e sem nome
de transgredir, absolutamente,
o eu, toda educação e razão
que me foi imposta.

A vida é qualquer outra coisa que não conheço,
mas que me espreita lá fora.







sábado, 20 de julho de 2024

TUDO É ESPANTO

Não há nada de divino no céu,
nem de sagrado na terra.
Existe apenas a natureza
que nos ignora e apavora.
Por isso, existo em meu breve finito
em permanente estado de perplexidade.

Maior me percebo
quanto menor me descubro
e tenho orgulho da minha insignificância.

O céu, como tudo que sei,
não existe fora dos olhos.
Pois nada é divino,
nada é sagrado.
Tudo é espanto,
sublime e inumano.






ANTI COSMOLOGIA

Entre a ficção e o fato
há um hiato chamado realidade.
Nele dançam a mentira e a verdade
a doce valsa do simulacro.

Tudo que é humano me parece estranho
quando escuto um animal
ou sinto o sopro de um vento.

Não viverei para ver
o fim da eternidade,
o universo regressar a mocidade.
Mas acredito no nada que o esclarece,
em sua terrível falta de novidade.



segunda-feira, 15 de julho de 2024

SOBREVIVENDO

Sobrevivemos a família,
a escola, ao trabalho,
ao amor barato,
e ao vazio existencial.

Sobrevivemos 
apesar do tédio,
da rotina,do sistema
da sociedade de massas
e da civilização pós industrial.

Sobrevivemos
morrendo um pouco
todos os  dias,
sem saber da vida,
em incerto estado
de quase agonia.

Sobrevivemos
contra os fatos,
além do certo e do errado,
através do possível,
da embriaguez 
e da poesia.

Sobrevivemos como baratas
sob um insuportável sol de meio dia.


quinta-feira, 11 de julho de 2024

ESCRITA NIILISTA

Escrevo para dizer meu silêncio,
para deletar toda informação,
opinião e convicção
que me escraviza o pensar, o sentir
e toda possibilidade de expressão.

Escrevo para esquecer,
para realizar o nada,
para não ser,
para não querer,
para não saber ou ter esperanças.

Escrevo contra todos os livros,
religiões, filosofias e ciências.

Escrevo para destruir, transgredir,
para fazer outra coisa
que não seja escrever.

Escrevo para respirar,
viver e , tentar existir,
onde é possível tocar
a nudez das palavras.







domingo, 7 de julho de 2024

CAÇA PALAVRAS

Procuro palavras simples
que digam os prazeres do corpo,
o gosto da terra e os sabores do mar.

Procuro palavras que me façam sonhar,
que não digam nada
além do efêmero,
do lúdico e do impossível.

Procuro palavras que não comuniquem,
mas brinquem na boca da gente
como um pedaço de fogo ou de vento.



sábado, 6 de julho de 2024

VARIAÇÕES SOBRE O NADA

A ousadia de ser livre
é praticar a arte
de não pertencer a nada,
de viver e saber o nada,
acima de todos, de tudo 
e além do próprio nada.

Alguns acham 
que o nada não existe
porque somos nada.
Mas o nada é tudo que é.
O nada é a essência 
de nossa raiva,
da grande vontade 
e de todo querer.

No fundo,
tudo se resume
e se destina a nada.



segunda-feira, 1 de julho de 2024

SINGULAR & PLURAL



Toda ilusão coletiva
passa pela fantasia da individualidade.

Cada um se reinventa
 como singularidade
garantindo a sobrevivência do rebanho,
mas a melhor parte de cada um
é invisível aos outros 
e se reduz a ninguém
entre o ideal e o senso comum.

No fundo,
nos fazemos únicos
 extrapolando a identidade
que nos faz iguais e nulos.
Mas onde todos são únicos 
o que importa a singularidade?

A vida é uma curta e puta jornada através do nada
onde nenhum de nós importa.

Toda ilusão coletiva
passa pela fantasia da individualidade.

Carlos Pereira Júnior