sexta-feira, 14 de julho de 2023

CONDENADOS

Estamos todos hoje
em intenso estado de desabrigo,
de silêncio e grito,
vivendo em  vertigem
a invenção de nossa mais íntima morte coletiva.

O essencial abriga-se no corpo
contra a percepção e a linguagem
através do efêmero espetáculo da consciência.

Estamos condenados a qualquer sobre-vivência,
aos conformismos e  ilusões consagradas pela estupidez da fé  e da razão
mais ordinária.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

ANTI-COSMOS

O universo é frio e silencioso. 
Ignora a vida, a terra e o sistema solar. 

 O universo tem gosto de morte.
 E os deuses não passeiam entre as estrelas.

 Não existe boa ou má sorte.
 Simplesmente, não existe sorte,
 e muito menos céu. 
Há apenas vazio, escuridão
e silêncio.

terça-feira, 4 de julho de 2023

A VIDA DOS LIVROS

Livros só existem
quando são lidos.
Eles morrem
quando são esquecidos
e abandonados,
quando convertidos em objetos inertes e desumanizados, 
desfeitos em esquecimento e convertidos em lixo
no silêncio dos olhos.

Um livro pode ser a definitiva prisão
de enunciados perdidas,
que não passeiam mais pelas bocas e ouvidos,
ressignificando cotidianamente a vida e o comércio dos corpos.
Livros fechados não passam de lixo.

sábado, 1 de julho de 2023

TELE-VISÃO

Hoje os olhos sabem a tela como prisão.
Somos reféns de pequenas, grandes 
e infinitas  janelas,
que servem de espelho a imaginação,
a emoção, a opinião, a ilusão,
ao absoluto, ao absurdo,
e até mesmo a ordem e a razão.

Nada existe fora da grande tela
que além do tempo e do espaço
nos produz como míseras imagens que se replicam, que se multiplicam e se apagam
sempre de novo,
até o infinito
em um grande mosaico  sem sentido
onde tudo é tela,  prisão,
ou, simplesmente, televisão.

 




quinta-feira, 29 de junho de 2023

O MUNDO HOJE

O mundo é o que existe,
persiste, afeta e transforma.
É o que nos envolve, supera
e formata.

O mundo é o único acontecimento possível.
É um dentro e um fora,
o pensado, o dito e o feito.

O mundo é tudo aquilo  que nos mata
e, entretanto, também tudo aquilo que hoje
fundamentalmente nos escapa.


quarta-feira, 28 de junho de 2023

SOBRE A REVOLTA QUE UM DIA SERÁ

Talvez um dia
a gente desista de dar certo,
deixando de lado a velha ingenuidade
que nos faz sempre buscar
 qualquer meta idiota de saciedade,
alguma ilusão de sucesso ou felicidade.

Pode ser que que um dia
a gente sucumba de vez a melancolia,
assumindo o amargo fardo
de saber o mundo pelo avesso,
de ter raiva das coisas
e não acreditar em nada.

O que importa é ter sangue nas veias,
nos olhos e no coração,
para sustentar a coragem de ferozmente dizer não.




terça-feira, 20 de junho de 2023

A QUASE METAFÍSICA DA REALIDADE

Realidade
é, antes de tudo, experiência,
imaginação e afeto,
que partilhamos,
que inventamos e nos inventa,
nas encruzilhadas da existência.

Cada um é caminho do outro
no labirinto infinito da vida.
Pois o real não comporta objetivismos, subjetivismos 
ou gnoses.

Realidade é pele, encontro, 
composição e mudança.
É ser sempre outra coisa,
evadir-se até o limite dos sentidos e do concebível da consciência.

Realidade é tudo que não cabe na gente,
que escapa ao meu corpo,
ao meu mundo e a minha certeza das coisas.
Realidade é morte, ausência,
matéria, espanto e resistência.
Um dia, cada um de nós será enterrado pela realidade.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

AN-ARQUIA ( UMA QUASE DEFINIÇÃO)

A an-arquia é antes de tudo um afeto, uma vontade de dessubjetivação, de tornar-se outro através dos outros na reinvenção de si mesmo como devir e potência, como realização da liberdade de imaginação a margem de toda forma de contigência.
A an-arquia é fazer-se espanto diante do inteligível, é estar em movimento além de todas as formas e conteúdos possíveis à percepção.
Antes de tudo,  an-arquia é natureza, imanência e matéria em permanece metamorfose.

domingo, 18 de junho de 2023

AS ÁGUAS DO SER

O rio que passa  aqui
deságua mudo no mar
que busca o oceano e o infinito
sem saber o indizível do meu  sonhar.

Sou um ninguém,
sou muitos caminhos.
Tudo em mim é
imaginação, movimento
e destino.

Sou uma interminável partida,
como o rio, o mar e o oceano,
que dentro de mim transbordam
nas urgências dos meus abismos.

.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

DISTOPIA COGNITIVA

Quando tudo for informação,
toda significação será banal,
performática e pragmática.

Seremos veículos de dados
em um mundo pacífico e  amoral
reduzido a cálculos e simulacros.

A vida será um efêmero e replicável intercâmbio comercial;
infinita circulação de cópias imperfeitas
 de falsos conteúdos originais.

Quando tudo for informação,
todo conhecimento será inútil
e toda subjetividade será reduzida a objetividade de  uma simples equação.

Seremos coisas através das coisas,
dados em um infinito fluxo e circulação
entre o esquecimento e a memória
do atemporal.

Toda consciência será reduzida
 a relativa experiência 
 de absoluto  vazio comunicacional.