terça-feira, 31 de outubro de 2017

O PARADOXO DE UMA AUSÊNCIA

A existência nos ultrapassa como indivíduos
Tudo que pensamos, sentimos ou dizemos
é um ato impessoal de imaginação.
Só podemos ser compreendidos
Na medida em que nos apagamos
No falar mais íntimo e profundo
Das representações.
O eu é o paradoxo de uma ausência.

SER E ENUNCIAÇÃO

O Ser da linguagem é o vazio do homem como significante. Somos para nossos enunciados como receptáculos descartáveis de sentido. Pois o lugar do humano é o não sentido. Somos pensados pelas palavras e existimos de modo humano apenas onde ela existe. Aquilo que eu digo é onde eu existo.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

CORPO E REALIDADE

A realidade é uma condição fisiológica e não uma objetividade, algo que independentemente de nós existe como exterioridade. Por isso o mundo é sempre  como tal  nos parece possível.

Mesmo o "eu" que percebe  e pensa é tão virtual quanto as linguagens que o configuram. Em outras palavras, o corpo é a medida da realidade.

domingo, 29 de outubro de 2017

O TEATRO DO VERBO

Quando alguém acorda a vida das palavras, escreve sempre algo mais do que quer dizer. As palavras inventam o autor como um ator do  grande teatro dos significados.  Tudo que importa é a encenação dos enunciados inventando um enredo mais verdadeiro do que a própria existência. Mas raramente nos danos conta do quanto habitamos um mundo que a palavra inventa.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A INUTILIDADE DA TAGARELICE

“...do mesmo modo que vinho, que foi inventado para o prazer e para a boa convivência, é transformado por aqueles que são forçados a bebê-lo muito e sem mistura num veneno intragável, assim também a linguagem, o mais agradável  e o mais humano dos símbolos, torna-se, por aqueles que o empregam mal e negligentemente, inumana e insociável: julgando-se encantadores, eles são enfadonhos; admiráveis, eles são ridículos; amáveis, eles são desagradáveis. Do mesmo modo que aquele que, pela insígnia mágica, repelindo e afastando seus companheiros, é privado de encanto, assim também aquele que, pela palavra, mostra-se enfadonho e odioso é verdadeiramente sem estilo e sem arte.”
Plutarco in Sobre a Tagarelice


Ninguém nunca tem a palavra final em uma discussão. As boas discussões, aliais, nunca terminam. Pode-se chegar ao silencio sobre a polêmica, mas nunca a sua conclusão. Afinal, ninguém é convencido de um ponto de vista contrário. Estamos inclinados a cultivar desentendimentos, seja por vaidade ou por mera teimosia. Sempre há um componente irracional na adesão a um ponto de vista ou convicção. Por isso é conveniente evitar discussões, muito embora isso não elimine as diferenças ou antipatias. O grande mal é sempre a tagarelice, o dizer sem escutar. A compulsão em falar e opinar é mais forte do que a faculdade de pensar. É por isso que nos distanciamos uns dos outros quando nos engalfinhamos em polêmicas que nos transcendem e que jamais conduziremos individualmente a bom termo sem um pouco de renuncia a nossas certezas. É sempre oportuna a capacidade de escutar os silêncios que povoam todo dialogo.

Um texto realmente divertido e ainda útil de Plutarco, filosofo e prosador grego que  viveu entre os anos 45 e 120 da chamada era cristã, é seu pequeno tratado Sobre a Tagarelice. Trata-se de um elogio ao silêncio que nos oferece uma arte de bem conversar. Segundo ele, diante de qualquer pergunta, há sempre três tipos de resposta: o necessário, o amável e o supérfluo. Que a medida daquele que responde seja a intenção daquele que perguntou. Pois é saudável evitar a vaidade  e a futilidade tanto nas palavras quanto nos atos. Por isso é prudente  cultivar o hábito de calar em uma conversa até que todos tenham renunciado a responde. Só assim é possível interrogar as pessoas sem requerer respostas.

Afinal, o que é a tagarelice além de uma surdez voluntária? A incapacidade de se calar também é uma incapacidade de ouvir.


O TEMPO A CONTRAPELO

As experiências estendidas
Sobre o espaço desmembrado
Na extensão do tempo
Inventam o passado.

Hoje é tarde,
Quase agora.
Não confie no seu relógio.
Ele mente mais do que o calendário.

O futuro apenas nos conduz ao passado.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

A ESCRITA COMO LABIRINTO

"...Se fosse um escritor, só falaria a partir da minha própria linguagem e no encantamento de sua existência hoje. Não sou nem uma coisa nem outra, estou nessa distância entre o discurso dos outros e o meu. E meu discurso nada mais é do que a distância que tomo, que meço, que acolho entre o discurso dos outros e o meu. Nesse sentido, meu discurso não existe, e é por isso que não tenho de modo algum a intenção nem a pretensão de fazer uma obra. Sou o agrimensor dessas distâncias, e meu discurso não é mais que o metro absolutamente relativo e precário por meio do qual meço todo esse sistema de afastamento e de diferença. Medir a diferença com aquilo que não somos, é nisso que exerço minha linguagem e é por isso que lhe dizia agora há pouco que escrever é perder seu próprio rosto, perder sua própria existência. Não escrevo para dar à minha existência a solidez de monumento. Tento antes reabsorver minha própria existência na distância que a separa da morte e, provavelmente, por isso mesmo, a guia para morte."
Michel Foucault in O Belo Perigo. Conversas com Claude Bonnefoy

Escrever sempre foi para mim uma forma de me perder através da abstrata geografia deste estranho artifício humano chamado linguagem. Aprendi desde cedo a viver um desencontro sempre renovado entre o dizer e o ser lidando com o tempo e a morte no acontecer de mim mesmo.
O ser da linguagem nos absorve quando nos rendemos a escrita, torna-se extra territoriedade onde a imaginação inventa seus próprios fatos futucando a nervura do real. Escrever é uma estratégia de estranhamento do cotidianamente dado, do ordinário dos signos e símbolos.
Não posso ser naquilo que escrevo ou penso, pois todo meu discurso reinventa velhas leituras na transpessoalidade da existência onde as coisas transfiguradas em linguagem se dobram sobre si mesmas.
Ninguém inventa seus próprios discursos, apenas se perde em um labirinto de significados e enunciados se tornando instancia de significação ao vestir a persona autoral. Mas aquilo que ´é próprio da linguagem sempre nos escapa através dos significados....

sábado, 21 de outubro de 2017

CULTURA URBANA

A vida na cidade é um viver para o exterior. A cidade em suas funções e paisagens abriga a diversidade, o fluxo constante de indivíduos e uma variedade vertiginosa de estratégias de  produção de sentido e atividades. O habitante da cidade  esta quase sempre a céu aberto. O espaço privado, os interiores se acoplam ao cotidiano cidadino quase como um apêndice da vida publica em suas redes de deslocamentos.

Habitamos pessoas e lugares. As ruas são como veias abertas no corpo feminino da Urbes que cada vez menos pode ser definida a partir de qualquer identidade. Sua geografia é o remendo de diversas referencias territoriais e funcionais desenhadas pelas vias expressas que nos levam de uma parte a outra. A cidade é nômade. Mesmo que nosso sedentarismo privado faça parecer o contrário.

A cidade é sempre lugar de comercio de coisas e pessoas, de fluxos e representações.  A cidade é essencialmente movimento. Dentro dela nos sentimos pequenos, insignificantes na multidão.  Sabemos que sempre estamos sendo observados, reconhecidos pelo enquadramento simbólico e não por quem somos. No espaço urbano ninguém é ninguém. Tudo é imediata geografia simbólica, espetáculo e simulacro.


SOBRE OS LIMITES DO CONHECIMENTO

“Armamos para nós um mundo, em que podemos viver-ao admitirmos corpos, linhas, superfícies, causas e efeitos, movimento e repouso, forma e conteúdo: sem estes artigos de fé ninguém toleraria agora viver! Mas com isso ainda não são nada de demonstrado. A vida não é argumento; entre as condições da vida poderia estar o erro.”
F. Nietzsche in A Gaia Ciência

O uso do conhecimento é diferente da crença no conhecimento.  Posso valorizar um determinado saber sem lhe converter em uma chave absoluta de compreensão. Meu modo de codificar a realidade não reduz o conhecimento em um filtro e instancia de julgamento.  O toma mais como um instrumento do que como  uma espécie de revelação.
Não é prudente reduzir o mundo aos enunciados de qualquer forma de conhecimento filosófico ou cientifico.  Deve-se  mesmo descartar o ideal de um domínio racional absoluto da realidade, pois a realidade não pode ser reduzida a razão.Não existe um mundo verdade a ser revelado a nossa consciência. Toda imagem de mundo e realidade é um capricho sempre provisório da imaginação.


PROBLEMA EXISTENCIAL

Adivinho o que sinto através do saber das coisas.
Mas tudo que sei é incerto, raso e abstrato.
Apenas o que vivo é concreto,
Mesmo que ilegível dentro do que sinto.
Estou perdido em um dilema abstrato
Onde saber e sentir engendram o querer
Como fácil resultado de uma falsa equação.

Penso porque sinto onde não existo.