sábado, 17 de agosto de 2024

O QUE NOS CONFORMA

O que nos conforma
é a degradada lembrança 
dos anos de infância,
a ilusão de que um dia
tivemos esperanças,
que éramos felizes
sobre a tutela dos pais
e toda alegria do mundo
 cabia dentro de casa.

O que nos conforma
é a mansidão que nos ensinaram
nos anos em que tudo era quase sonho e nada nos ameaçava.

O que nos conforma é lembrar a TV,
o rádio e o jornal diário 
que nos inventavam a mentira de um mundo mágico,
mais do que suportável.

O que nos conforma
é o que fomos, lembramos,
 e nos faz hoje
querer de volta o passado
para sobreviver ao futuro.

O que nos conforma
é a intensidade de nossas primitivas ilusões.




terça-feira, 13 de agosto de 2024

SOBRE ESCREVER E MORRER


Escrever deve ser um ato de transgressão,
Deserção.
Jamais um tributo a gramática,
a erudição ou um divertimento de salão.

Escrever é um agir solitário   em revolta
contra o cotidiano,
a modernidade, a cidade,
a moral vigente
e o poder de Estado.

Escrever é querer destruir
todos os limites de ser
no morrer que sempre nos visita
através da escrita.




sábado, 10 de agosto de 2024

REDE SOCIAL

Nas redes sociais a imagem é a realidade de um tempo sem substância.
Tudo é passado, tudo é presente,
na persistência do efêmero.

Não há sentido em nenhuma lembrança 
pois nada vale um vestígio,
um indício,
do que nunca mais será.

A vida é o abismo de um momento
que não se sustenta
Ana prisão de um dispositivo.



 


quarta-feira, 31 de julho de 2024

IMPESSOALIDADE

A vida é sempre outra
 enquanto as pessoas nascem,
 morrem
 e quase não são notadas. 

 Há sempre outros rostos e vozes
 proliferando em uma infinita ilusão biográfica. 

 Quem sou eu, 
quem são os outros, 
quem fala por todos 
ou por ninguém, pouco importa. Somos apenas rostos sobrepostos, misturados e desfocados em um formigueiro.


O COMUM CONTRA O ESTADO

O comum é múltiplo e diverso,
é devir e movimento,
composição de corpos em diversidade e cumplicidade.

É o que se opõe aos partidos,
 rebanhos e Estados. 
É uma vontade que cresce,
que transborda e transforma.

 O comum é a liberdade do único 
na ilusão de todos.
É a transcendência da banalidade do social, 
do poder e da autoridade,
na primavera das singularidades
que da forma a multidão.

domingo, 28 de julho de 2024

POSSESSÃO

Não me importa
a letra morta 
de todo discurso,
os muros da escola
 as janelas do escritório,
as contas do mês e o final de semana.

Não me interessam
filosofias, princípios 
ideologias & leis.

Quero saber o agora
pelo avesso, 
pelo lado de fora do humano, 
sobre o cadáver de deus
e sobre as ruínas da civilização.

Há em mim,
uma vontade selvagem e sem nome
de transgredir, absolutamente,
o eu, toda educação e razão
que me foi imposta.

A vida é qualquer outra coisa que não conheço,
mas que me espreita lá fora.







sábado, 20 de julho de 2024

TUDO É ESPANTO

Não há nada de divino no céu,
nem de sagrado na terra.
Existe apenas a natureza
que nos ignora e apavora.
Por isso, existo em meu breve finito
em permanente estado de perplexidade.

Maior me percebo
quanto menor me descubro
e tenho orgulho da minha insignificância.

O céu, como tudo que sei,
não existe fora dos olhos.
Pois nada é divino,
nada é sagrado.
Tudo é espanto,
sublime e inumano.






ANTI COSMOLOGIA

Entre a ficção e o fato
há um hiato chamado realidade.
Nele dançam a mentira e a verdade
a doce valsa do simulacro.

Tudo que é humano me parece estranho
quando escuto um animal
ou sinto o sopro de um vento.

Não viverei para ver
o fim da eternidade,
o universo regressar a mocidade.
Mas acredito no nada que o esclarece,
em sua terrível falta de novidade.



segunda-feira, 15 de julho de 2024

SOBREVIVENDO

Sobrevivemos a família,
a escola, ao trabalho,
ao amor barato,
e ao vazio existencial.

Sobrevivemos 
apesar do tédio,
da rotina,do sistema
da sociedade de massas
e da civilização pós industrial.

Sobrevivemos
morrendo um pouco
todos os  dias,
sem saber da vida,
em incerto estado
de quase agonia.

Sobrevivemos
contra os fatos,
além do certo e do errado,
através do possível,
da embriaguez 
e da poesia.

Sobrevivemos como baratas
sob um insuportável sol de meio dia.


quinta-feira, 11 de julho de 2024

ESCRITA NIILISTA

Escrevo para dizer meu silêncio,
para deletar toda informação,
opinião e convicção
que me escraviza o pensar, o sentir
e toda possibilidade de expressão.

Escrevo para esquecer,
para realizar o nada,
para não ser,
para não querer,
para não saber ou ter esperanças.

Escrevo contra todos os livros,
religiões, filosofias e ciências.

Escrevo para destruir, transgredir,
para fazer outra coisa
que não seja escrever.

Escrevo para respirar,
viver e , tentar existir,
onde é possível tocar
a nudez das palavras.