domingo, 16 de julho de 2023

HABITANDO SILÊNCIOS

Eu me escondo no silêncio
que cresce enquanto lhe falo
e desaparece quando me calo.

Ele é feito de tudo que ignoro,
daquilo que me escapa 
nas coisas que acredito,
no tolo  cultivo de pequenas certezas
que doméstica o desconhecido.

Sei que dentro dos meus pensamentos
crescem desertos até o infinito
da morte,
misturando convicções e desconhecimentos
na abstrata geografia dos enunciados e descrenças.

Nada do que fui ou serei persiste no devir do mundo.
Não há futuro para quem fui ou no que acreditei e disse.
Existir, afinal, é incerto e impreciso
na ilusão da vida.
Não habitamos mais em nossos enunciados.
Por isso estamos sempre nos escondendo no silêncio
contra o vazio de todos os discursos.




sexta-feira, 14 de julho de 2023

A MORTE DA REALIDADE

A realidade morre nos olhos enterrados na tela universal. Tudo desaparece no simulacro plano das imagens infinitas, indefinidas, em constante e cego fluxo de linguagem  e imaginação.
Toda consciência é artifício físico contra o imediato da percepção, um modo de converter linguagem em formas de vida. 
Assim inventamos nossa duvidosa humanidade contra a brutalidade e hostilidade do mundo.
Agora, entretanto, tudo é tragado pela tela universal, pela TELE-VISÃO e seus absolutos artificialismos existenciais.

CONDENADOS

Estamos todos hoje
em intenso estado de desabrigo,
de silêncio e grito,
vivendo em  vertigem
a invenção de nossa mais íntima morte coletiva.

O essencial abriga-se no corpo
contra a percepção e a linguagem
através do efêmero espetáculo da consciência.

Estamos condenados a qualquer sobre-vivência,
aos conformismos e  ilusões consagradas pela estupidez da fé  e da razão
mais ordinária.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

ANTI-COSMOS

O universo é frio e silencioso. 
Ignora a vida, a terra e o sistema solar. 

 O universo tem gosto de morte.
 E os deuses não passeiam entre as estrelas.

 Não existe boa ou má sorte.
 Simplesmente, não existe sorte,
 e muito menos céu. 
Há apenas vazio, escuridão
e silêncio.

terça-feira, 4 de julho de 2023

A VIDA DOS LIVROS

Livros só existem
quando são lidos.
Eles morrem
quando são esquecidos
e abandonados,
quando convertidos em objetos inertes e desumanizados, 
desfeitos em esquecimento e convertidos em lixo
no silêncio dos olhos.

Um livro pode ser a definitiva prisão
de enunciados perdidas,
que não passeiam mais pelas bocas e ouvidos,
ressignificando cotidianamente a vida e o comércio dos corpos.
Livros fechados não passam de lixo.

sábado, 1 de julho de 2023

TELE-VISÃO

Hoje os olhos sabem a tela como prisão.
Somos reféns de pequenas, grandes 
e infinitas  janelas,
que servem de espelho a imaginação,
a emoção, a opinião, a ilusão,
ao absoluto, ao absurdo,
e até mesmo a ordem e a razão.

Nada existe fora da grande tela
que além do tempo e do espaço
nos produz como míseras imagens que se replicam, que se multiplicam e se apagam
sempre de novo,
até o infinito
em um grande mosaico  sem sentido
onde tudo é tela,  prisão,
ou, simplesmente, televisão.

 




quinta-feira, 29 de junho de 2023

O MUNDO HOJE

O mundo é o que existe,
persiste, afeta e transforma.
É o que nos envolve, supera
e formata.

O mundo é o único acontecimento possível.
É um dentro e um fora,
o pensado, o dito e o feito.

O mundo é tudo aquilo  que nos mata
e, entretanto, também tudo aquilo que hoje
fundamentalmente nos escapa.


quarta-feira, 28 de junho de 2023

SOBRE A REVOLTA QUE UM DIA SERÁ

Talvez um dia
a gente desista de dar certo,
deixando de lado a velha ingenuidade
que nos faz sempre buscar
 qualquer meta idiota de saciedade,
alguma ilusão de sucesso ou felicidade.

Pode ser que que um dia
a gente sucumba de vez a melancolia,
assumindo o amargo fardo
de saber o mundo pelo avesso,
de ter raiva das coisas
e não acreditar em nada.

O que importa é ter sangue nas veias,
nos olhos e no coração,
para sustentar a coragem de ferozmente dizer não.




terça-feira, 20 de junho de 2023

A QUASE METAFÍSICA DA REALIDADE

Realidade
é, antes de tudo, experiência,
imaginação e afeto,
que partilhamos,
que inventamos e nos inventa,
nas encruzilhadas da existência.

Cada um é caminho do outro
no labirinto infinito da vida.
Pois o real não comporta objetivismos, subjetivismos 
ou gnoses.

Realidade é pele, encontro, 
composição e mudança.
É ser sempre outra coisa,
evadir-se até o limite dos sentidos e do concebível da consciência.

Realidade é tudo que não cabe na gente,
que escapa ao meu corpo,
ao meu mundo e a minha certeza das coisas.
Realidade é morte, ausência,
matéria, espanto e resistência.
Um dia, cada um de nós será enterrado pela realidade.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

AN-ARQUIA ( UMA QUASE DEFINIÇÃO)

A an-arquia é antes de tudo um afeto, uma vontade de dessubjetivação, de tornar-se outro através dos outros na reinvenção de si mesmo como devir e potência, como realização da liberdade de imaginação a margem de toda forma de contigência.
A an-arquia é fazer-se espanto diante do inteligível, é estar em movimento além de todas as formas e conteúdos possíveis à percepção.
Antes de tudo,  an-arquia é natureza, imanência e matéria em permanece metamorfose.