quarta-feira, 27 de abril de 2022

ENTRE O DISCURSO E O SILÊNCIO

No tribunal, nas praças e palcos,
circulam discursos 
que produzem o mundo.
Signos e símbolos em movimento
atravessam os corpos
fabulando, criando,
produzindo sentido.
Mas nenhuma palavra
transcende o silêncio 
que nos habita
no desenho dos dias
onde o silêncio é mais intenso 
do que qualquer palavra.

AS ILUSÕES DAS URGÊNCIAS

Todas as minhas urgências são banais.
Não importa o que me encanta
entre a necessidade e o sonho.
A vida segue sem esperanças
no desastre do mundo comum.
E a realidade não cabe
em qualquer existência. 
O caos é tudo que nos inventa
na multiplicidade em movimento
das mutações do efêmero.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

A ESCURIDÃO DOS DIAS

Os dias já não passam como antigamente.
Também nunca foram tão efêmeros
e vazios de futuro.

Quase não se nota o sol,
o céu e o tempo,
em uma época coberta por tanta escuridão,
onde é quase impossível enxergar
além do momento.

Provavelmente não haverá memórias destes tristes dias
tão indiferentes a vida
sobre os quais é impossível calar.
Tudo será redusido a fatos e dados.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

UM MUNDO ALÉM DO SER

Busco um mundo sem substância,
além da essência
e da aparência.

 Um mundo
que me embriague
através da experiência
de não ser mundo,
 escapando as armadilhas
de uma boa consciência. 

Um mundo onde eu aprenda
a sonhar o oco das coisas
provando a vertigem dos anos
na casca quebrada de um instante desfeito em palavras. 

Um mundo sem explicações,
problemas e soluções
no jogo do eu e dos outros.

Um mundo feito de tantos mundos
que não possa ser chamado de mundo
no paradoxo de um finito infinito
além da verdade e da ilusão.

Um mundo que não seja simplesmente um lugar,
mas um modo da vida nos acontecer,
muda e profundamente,
no mais intenso da pele
e além do Ser.


 









quarta-feira, 6 de abril de 2022

ANONIMATO

O anonimato nos lança ao invisível,
ao incomunicável e ilegível 
do lado de dentro da vida.

Ele não define apenas o status de desconhecido
que exibimos na multidão,
ou o nomadismo
que nos torna intimos da solidão.

O anonimato é a inconsciência de si e dos outros,
é estar fora das identidades,
é aquilo que nos torna estranhos, inumanos,
e livres do próprio nome.

É ser muitos e ninguém 
em um profundo desraizamento de si;
É um embriagar-se de sensivel, 
de corpo,
no avesso do mundo possível.



A VIDA É RISCO

A VIDA É RISCO

É perigoso viver.
Não importa quantas verdades se leva no bolso,
Há sempre riscos e incertezas
espreitando no caminho de casa.

Nada é seguro
ou está sobre controle.

Estamos sempre em perigo
e a mercê do inesperado.
Por isso é preciso aprender o cultivo de alguma forma de coragem.

A CONDIÇÃO NIILISTA

A condição niilista é a libertação de qualquer confissão de verdade, de qualquer agenciamento que nos reduz a situação de uma maquina semiotica, é  a recusa de tudo aquilo que nos conforma a  capturas e assujeitamentos que pacificam consciências. 

O niilista é aquele que ri de si mesmo,
que desaprende o mundo,
que não se importa,
e segue indiferente,
ciente que tudo nos leva a nada.




terça-feira, 5 de abril de 2022

O FUTURO DO PASSADO

O futuro muda o passado
através das lembranças
que sonham o presente.

Nunca somos os mesmos,
pois a vida é sempre outra
enquanto esvaímos no tempo.

Nada nos obriga ao Ser.
Tudo é impermanência
e desaparecimento.
Tudo é devir e imanência
no futuro do passado
que funda a arte
como um exercício de morte.




domingo, 3 de abril de 2022

O ENÍGMA DO ROSTO

O rosto é uma fabulação inerente a sensibilidade moderna que inventa o indivíduo entre o biológico e o político. Nele se inscrevem valores, signos, poderes. 
Através dele, a alma se desenha claramente como prisão do corpo, pois a expressão facial  foi convertida em uma metafísica da interioridade e da identidade. Mas o que é esta interioridade e identidade além de simulacro, um silêncio que nos veste a pele e transveste a consciência através dos signos?
Neste sentido, longe de individualidade, o rosto expressa a multiplicidade, a diversidade do único, o ilegível da experiência humana, a banalidade e nulidade de sua própria expressão. 
 O rosto é o outro do olhar normativo que nega em nós o animal e impõe o impessoal da civilidade ao corpo. Corpo que deve ser sempre escondido ou representado pelo rosto, sempre previsível e sociável, ou, simplesmente, classificável.

Carlos Pereira Júnior 
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"A expressão é um elemento crucial no desenvolvimento do indivíduo ocidental. Está aí, toda importância do rosto, que constitui o traço sensível desse processo. O rosto é ao mesmo tempo o lugar mais intimo e mais exterior do sujeito, aquele que traduz mais diretamente e da maneira mais complexa a interioridade psicológica e também aquele sobre o qual recaem as mais pesadas restrições públicas. São os rostos que se perscruta antes de tudo, são os olhares que se procura captar para decifrar o individuo. Isso explica o paradoxo central que percorre este livro e que é constitutivo do indivíduo  moderno: esse processo, que é ao mesmo tempo, indissoluvelmente, o de uma individualização e de uma socialização pela expressão,  incita à expressão da interioridade, a manifestação dos sentimentos, ao mesmo tempo em que impõe ao rosto o silêncio,  relativo ou profundo, da inexpressividade."
Jean-Jacques Courtine, Claudine Haroche. História do rosto. Exprimir e calar as emoções ( do século 16 ao começo do século 19). Petrópolis: Vozes, 2016, p.244-245.

domingo, 27 de março de 2022

O INFINITO DA FLOR

Há mais vida
no corpo de uma flor
do que realidade
em uma forma humana.

A verdade da vida
é que não existe verdade.
Todos os valores
podam a experiência
do plural e da imanência 
que devem natureza.

O infinito da flor
é menor do que um dia de jardim.