O rosto é uma fabulação inerente a sensibilidade moderna que inventa o indivíduo entre o biológico e o político. Nele se inscrevem valores, signos, poderes.
Através dele, a alma se desenha claramente como prisão do corpo, pois a expressão facial foi convertida em uma metafísica da interioridade e da identidade. Mas o que é esta interioridade e identidade além de simulacro, um silêncio que nos veste a pele e transveste a consciência através dos signos?
Neste sentido, longe de individualidade, o rosto expressa a multiplicidade, a diversidade do único, o ilegível da experiência humana, a banalidade e nulidade de sua própria expressão.
O rosto é o outro do olhar normativo que nega em nós o animal e impõe o impessoal da civilidade ao corpo. Corpo que deve ser sempre escondido ou representado pelo rosto, sempre previsível e sociável, ou, simplesmente, classificável.
Carlos Pereira Júnior
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"A expressão é um elemento crucial no desenvolvimento do indivíduo ocidental. Está aí, toda importância do rosto, que constitui o traço sensível desse processo. O rosto é ao mesmo tempo o lugar mais intimo e mais exterior do sujeito, aquele que traduz mais diretamente e da maneira mais complexa a interioridade psicológica e também aquele sobre o qual recaem as mais pesadas restrições públicas. São os rostos que se perscruta antes de tudo, são os olhares que se procura captar para decifrar o individuo. Isso explica o paradoxo central que percorre este livro e que é constitutivo do indivíduo moderno: esse processo, que é ao mesmo tempo, indissoluvelmente, o de uma individualização e de uma socialização pela expressão, incita à expressão da interioridade, a manifestação dos sentimentos, ao mesmo tempo em que impõe ao rosto o silêncio, relativo ou profundo, da inexpressividade."Jean-Jacques Courtine, Claudine Haroche. História do rosto. Exprimir e calar as emoções ( do século 16 ao começo do século 19). Petrópolis: Vozes, 2016, p.244-245.
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