O controle do tempo é um modo
de se apropriar do espaço. O binário tempo/ espaço é, portanto,
uma premissa do uso do relógio (ou horológios), enquanto
dispositivos naturais de medida de um dado intervalo cronológico,
menor do que uma noite ou um dia, para disciplinar a realização de
alguma atividade prática.
É razoável supor que na
antiguidade ou em períodos mais arcaicos da vida humana, o espaço
de um dia ou de uma noite era mais do que o suficiente para se
orientar no mundo. A necessidade de dividir os dias e as noites, ir
além da orientação pelo movimento do sol e da lua, representou a
construção disso que aqui chamamos de “tempo menor”, que é o
tempo das horas, dos meses e dos anos. Ou seja, um tempo socialmente
condicionado, derivado da manipulação humana.
Calendários e relógios são
dispositivos independentes e complementares. A divisão dos dias em
24 horas surgiu por volta de 5.000 a.C. na Babilônia tendo por
referência a noção de meio dia, ou seja , o momento do dia em que,
a estrela a pino no céu, não projeta sombra. O relógio do Sol
baseava-se justamente na trajetória da sombra ao longo do dia.
Pode-se dizer que toda medida ou controle do tempo é uma experiência
espacial, como os relógios naturais expressam em seus usos.
Também se pode dizer que o
tempo medido pelo relógio (ou horológios) é um “tempo menor” (
antropológico) dentro do ‘tempo maior” (natural) da longa
duração dos anos e das épocas. Antes dos primeiros relógios ou
horológios naturais (clepicida, ou relógio d’agua, e ampulheta,
ou relógio de areia) , as estrelas e constelações serviam para
medir o tempo das estações e dos ciclos da natureza. Dai, pode-se
deduzir que o céu foi sempre o espelho do tempo. Desta forma, ao
contrário , do que sugere o senso comum, tempo é extensão,
movimento. Ele é expressão de uma relação com o espaço e não um
fluir abstrato, impreciso e imaterial.
Embora no ocidente o Papa
Silvestre II ( 905-1003) seja considerado por alguns o inventor do relógio
mecâncio, há registros que contradizem tal hipótese. No caso do
ocidente o relógio mecânico muito provavelmente originou-se entre
as ordens religiosas para regular a rotina de orações e de culto.
Eram máquinas movidas por pesos que tocavam periodicamente uma
campainha. Assim surgiram os seguintes intervalos cronológicos para
normalizar o tempo:
a “Hora Prima” (nascer do
sol / 3 badaladas; 3) a “Hora Tertia” (meio da manhã / 2
badaladas); 4) a “Hora Sexta” ou “Meridies” (meio dia / 1
badalada); 5) a “Hora Nona” (meio da tarde / 2 badaladas); 6) as
“Vésperas” (por do sol / 3 badaladas) e 7) as “Completas”
(anoitecer / 4 badaladas)
Até onde se sabe, o primeiro
relógio mecânico teria sido fabricado em 1386 por Henry de Vicky
sob encomenda do rei da França. Entretanto, ele foi instalado na
Catedral de Salisbury, na Inglaterra.
Após descobrir o isocronismo
dos pêndulos, em torno de 1600, Galileu adaptou o pêndulo ao
funcionamento dos relógios mecânicos, contribuindo, assim, para
aumentar sua precisão.
Seja como for, a invenção do
relógio mecânico só impactaria sobre o modo como lidamos e
controlamos o tempo depois das revoluções industriais e do
maquinismo moderno. Mas a invenção do relógio mecânico, talvez no
século XIII, iniciou uma significativa mudança nos métodos de
medição de tempo, ao criar uma dinâmica baseada na repetição de
processos oscilatórios, como o balanço de um pêndulo. Um relógio
passa a ser, a partir de então, um conjunto de peças que operam
juntas para realização de determinada tarefa. No caso, dividir o
tempo, antropomorfiza-lo.
Na mitologia grega Cronos era a palavra atribuída ao tempo físico,
linear e cronológico que consome todas as coisas. Mais novo entre os
titãs, Chronos Era filho caçula de Gaia (terra) e de Urano (céu).
Kairos, por sua vez, representa na mitologia grega um tempo que
escapa ao de Cronos. Ele é o deus do tempo oportuno, do momento
certo. Filho menor de Zeus e da deusa Oportunidade (Tyche). O tempo
normalizado pelo relógio não é, evidentemente, nem o tempo de
Cronos ou o de Kairos. Mas o tempo dos homens, que se faz sob o signo
da finitude. Numa interpretação bastante pessoal, diria que
existe, ainda, o tempo dos mortos, que é o tempo da memória ou da
História. O “tempo menor” do relógio é o tempo do cotidiano,
da sociedade e da atualização constante do tempo presente.