domingo, 13 de outubro de 2019

A DIGNIDADE DA FALA


Estamos todos habilitados a falar. Mas nossas falas estão cheias de vícios miméticos, poluídas por dizibilidades,  limites, que aprisionam o dizer a um replicar coletivo de banalidades sociais.

Falar, entretanto, é um ato de criação antes de ser um exercício de comunicação e poucos são  capazes de alcançar a dignidade do dizer.

É  necessária a intuição  de um poeta para saber a metafísica simples  das palavras e a experiencia do não lugar do falar  mais autêntico.


A qualidade do falar é  o que nos faz dignos de participar do jogo social, esta ficção que  constitui a essência do animal humano e que se reduz, em ultima instancia, a suas tantas dizibilidades, que fundam modos de ser.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

BIO ESFERA



Não sou outra coisa além de um pedaço vivo de biosfera definido por latitudes e longitudes. 


Sou o vivente que extrapola o ser , que compartilha com o meio, em sua diversidade, a constância do movimento, através  de encontros e composições  orgânicas e inorgânicas, que inventam o animal e o inumano que definem o humano no meio das coisas.

Tudo em mim é ambientação  na paisagem que devem, que reduz o  tempo a um fluir imanente da matéria.

Dentro do fora e fora por dentro, invento qualquer coisa que já  é  outra, que me afeta e é  afetada. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O HOMEM ÁRVORE


"O tempo em que o homem era uma árvore sem órgãos nem função,
Mas de vontade
E árvore de vontade que anda,
Voltará. "
Antonin  Artaud

O poema carta do homem árvore ( carta a Pierre Loeb) data de 23 de abril de 1947, mas remete a tempos imemoriais em que o homem era uma árvore sem órgãos,  nem função, pura vontade em lugar de um organismo.

O homem árvore remete aos primórdios de uma consciência cósmica, situa-se no extremo oposto da digestiva humanidade da magia negra do último homem. Este semi cadáver inspirado pela ambição  do lucro, pela ilusão técnico científica.

O homem árvore foi corrompido. Mas a carapaça do mundo presente terá que ceder, sucumbir ao acervo de horrores composto pelas ruínas de sua própria história.

Há de vencer a vontade do homem sem função,  nem órgãos,  que persiste oculto em devir a margem da modernidade.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A CONSCIÊNCIA COMO EXPERIÊNCIA DE MUNDO



A consciência como efeito do corpo não dá conta do mundo. Contida nele é relação, ponto de interseção entre o animal e o humano, entre o orgânico e o inorgânico, o vivo e o morto, o possível e o impossível, o sentir e o pensar, dentre tantos outros jogos de opostos que modulam nossa experiência do real.

Mas a consciência também é fuga das oposições, composição de multiplicidades dentro de multiplicidades, paradoxo e indeterminação.

Precisamos não pensar sobre isso, provar um dia de sol espremendo o tempo como quem rouba o suco de uma laranja.  


quarta-feira, 2 de outubro de 2019

ESPERANDO FUTUROS


Quero desaparecer,
fugir ao  cotidiano,
Amanhecer, com cheiro de banho,
No colo de qualquer infância futura.

O amanhã é sempre o avesso,
O estrangeiro,
Que nos frequenta clandestino.

Despido do hoje,
Inventamos sempre horizontes,
Doblas, as margens do possível.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A ESCRITA COMO INVENÇÃO DE SI MESMO



Nenhum dos livros que habitam  sua estante há de evitar sua morte ou  transformar sua vida. Livros criam apenas leitores, mas é a vida que inventa a escrita.

Escrever é um modo de cuidado de si, de converter artesanalmente a existência em obra de arte, em narrativa de carne, afeto e pensamento. Não há fronteiras definidas entre a oralidade e a letra, entre o cotidiano e a reflexão. Transitamos entre o vivido e o pensado, entre o sentido e não sentido, na bio grafia da impessoalidade de nossa perene existência.

A descoberta da linguagem  não cabe na escrita fechada dos livros. Ela é fissura que esclarece o vivido e subverte qualquer disciplina e efeito de verdade.


quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O TEATRO DO MUNDO


O mundo assemelha-se a um grande teatro,
Onde me consagro como personagem de ficção.

Sou feito de palavras vivas
Que circulam pelo palco da existência,
Onde se dá  a estranha trama da consciência.

Há  apenas, através de tudo,
O alambrado sem fronteiras,
Onde inventamos os fatos
Que estruturam simulacros,
Que nos reduzem a personas
Em um grande cenário vivo.

Somos a plateia e os atores
Deste espetáculo que se apresenta
Como realidade,
Que se desfaz como sonho
E nos inventa como convincente farsa.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

ESCREVER



Escrevemos para medir o silêncio,
Para esclarecer o abismo,
O afeto e o indizível,
Através da terapêutica da  linguagem.

Não escrevemos para a verdade,
Para o poder ou por vaidade.

Escrever é algo além
Da  produção do texto.

Escrever é expressão da extensão,
É  corpo!



terça-feira, 17 de setembro de 2019

UMA VIAGEM A LUA NOS PRIMÓRDIOS DA ERA DOS SIMULACROS




Realizado na França, em 1902, com roteiro e direção de George Méliès, mágico e ex-ator de teatro, auxiliado por seu  irmão Gaston Méliès, A Viagem a Lua ( Le Voyage dans a lune), que tem apenas, aproximadamente, 13 minutos de duração,  é considerado o primeiro filme de ficção científica da história do cinema e também o primeiro a usar técnicas de efeitos especiais.

Ainda hoje, sua famosa cena do homem pousando no olho da lua, frequenta o imaginário popular dos cinéfilos, apesar da estética e linguagem da arte das imagens em movimento ter mudado muito desde o inicio do século XX.   

Mas, apesar de suas pioneiras inovações técnicas, o   filme pode ser interpretado como uma critica ao cientificismo e uma ridicularização dos valores “modernos” que naquele limiar de século sustentavam em muitos um otimismo desmedido em relação a razão e ao progresso científico e tecnológico.

É muito verossímil que a imagem de cinco astrônomos sendo lançados a lua em uma capsula de canhão, atingindo em cheio um de seus olhos, mesmo  naquela época de sensibilidades ingênuas, deveria parecer um pouco bizarro  aos entusiasmados frequentadores das salas do cinematrógrafo. Até porque, estavam eles até  então, acostumados a um cinema mais realista e direto.

Especulações a parte, trata-se aqui de uma mera peça de entretenimento sem grandes pretensões filosóficas ou reflexivas. Mas é impossível vê-la hoje em  dia  sem adivinhar nela um certo humor anárquico em relação ao otimismo  de sua época que, diga-se de passagem, não duraria muito tempo. Um pouco mais de uma década depois, afinal, a Europa mergulharia na barbárie sem precedentes de  sua primeira guerra de nações comprometendo o ufanismo pós iluminista no potencial emancipatório da razão humana.

Em uma leitura retrospectiva a “modernidade” da experiência cinematográfica tecnificava a magia e inaugurava a época do simulacro que agora, mais de um século depois, parece prestes a ser levada as suas ultimas consequências, através da possibilidade do “pós cinema” das novas tecnologias de realidade virtual que prometem por de vez a perder nossa convencional noção de realidade.    


NEMETON



Uma porção de arco íris,
Um pouco de pó  de lua
E fogo do sol.
É  tudo que precisamos
Quando a natureza fala
Através de nós
E a imaginação acorda um cosmos
Contra a civilização  e seu caos.

Assim, cada um descobre em si  seu animal
Para se torna uma criança do vento
No verde ventre de seu Nemeton.