terça-feira, 14 de maio de 2019

A CORPORIZAÇÃO DA PALAVRA


Detesto a palavra que apenas se ocupa com informação, com a comunicação corriqueira, mecânica, onde o que é dito precisa ser reconhecido como mensagem corriqueira. Falo da palavra destinada a circulação, a troca e a barganha diária daquilo que não diz nada, que precisa reduzir tudo a um nome ou a uma explicação.

Esta palavra aprisionada pela razão,  serve sempre a um eu vaidoso que inventa objetos, que diz o que é e o que não é e tem a pretensão de reduzir o mundo a condição de um texto quase infinito onde tudo é compreensível.    

Já a palavra que me procura é quase imagética, não diz as coisas, é movimento, ritmo, expressão afetiva e sensações. Ela é espaço, campo de significações e invenções quase ilimitadas. Em suma, corporificações de pensamentos contra toda tradição logocêntrica.    

segunda-feira, 13 de maio de 2019

SER CORPO



Sou um corpo que respira,
Que come, mija e se conserva vivo.
Sou um corpo que envelhece,
Que morre todos os dias.
Mas também sou um corpo que fala,
Que se comunica com outros corpos,
Que não existe por si, nem para si.
Sou um corpo reduzido ao mundo,
Escravo da linguagem que inventa a realidade,
Esta prisão dos corpos despidos de natureza.

SOBRE O DESLOCAMENTO DO EU


A posse de um eu já não nos determina. Nossas vidas são invisíveis. As multidões nos ultrapassam impondo o ritmo do impessoal, do padrão universal de consumo, dos modos de vida que já não cabem na existência de ninguém, mas a todos definem.

Nossos afetos são comuns, banais. Não nos tornam especiais. As biografias são descartáveis, variantes de enredos sociais pré definidos. Cada um de nós se tornou previsível, transparente para a organização normativa do real.

O que um eu ainda significa quando nosso comportamento deixou de ser criativo? Somos versões diferentes de um ego virtual pré concebido, apenas o conteúdo de um rótulo, de uma classificação. Nos reduzimos a qualquer tipologia social.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

O NÃO SER DO TEMPO

Há um certo ponto no tempo, onde o próprio tempo, de tão intenso, já não persiste.


Mas não se trata da eternidade. É um instante tão ínfimo que não tem fundamento. Nele só ha a potência do que é virtual.

Só bem compreende isso, quem é capaz de duvidar da própria existência. Afinal, o que nos garante, que o Ser não passa de uma grande alucinação?

segunda-feira, 6 de maio de 2019

NIETZSCHE E OS PENSAMENTOS QUE ANDAM



Segundo Nietzsche, em um aforismo das Máximas e Flechas que abrem o   Crepúsculo dos Ídolos, apenas os pensamentos andados tem valor. Trata-se de uma crítica ao escrever sedentário, estático e contemplativo, que cala o corpo e carece de vida, na afirmação dos modernos intelectualismos, da moral, das normas e leis que ferem os espíritos livres que não se detém diante de nenhum princípio. 


É preciso arrancar os olhos para enxergar, encontrar a felicidade em uma meta. Uma meta que é a própria vida como destino. Não a fábula do mundo verdadeiro tão cara aos sábios de todo mundo. A vida é inimiga da sabedoria. Ela está nos pés descalços que procuram a terra fértil e provam sua irregularidade, seus desafios ao frágil equilíbrio dos escribas da verdade. Quantos de fato entre nós realmente aprenderam a andar?  O "homem" é um animal que não sabe andar, que não tem onde ir.

domingo, 5 de maio de 2019

SOBRE A ARTE DE DESENHAR


Não gosto de linhas. Prefiro desafiar minhas inércia inventando curvas. Nunca estou partindo de um ponto em busca de outro. Estou sempre buscando o vazio.

Talvez eu me torne refém de um círculo, retornado sempre de novo ao mesmo lugar. Como se isso fosse possível...

O plano ensina a indeterminação do ponto, a soberania do vazio sobre o traço. O desenho foge a geometria, inventa um campo, quase um quadro.

A SEGUNDA METADE DA VIDA OU A POESIA DO CREPÚSCULO


O aforismo 610 de Humano, demasiadamente humano, de Nietzsche é um convite a qualquer sabedoria de crepúsculo:

" Os seres humanos como maus poetas-  Assim como na segunda metade do verso, os maus poetas buscam o pensamento que se ajusta a rima, na segunda metade da vida, tendo se tornado mais receosas, as pessoas buscam as ações, atitudes e situações que combinem com as de sua vida anterior, de modo que exteriormente tudo seja harmonioso: mas sua vida já não é dominada e repetidamente orientada por um pensamento forte; no lugar deste surge a intenção de encontrar uma rima."

Na segunda metade da vida buscamos continuidades impossíveis, manter a rima de nossos atos e atitudes onde já não há mais do que uma sombra de quem fomos.

Mas sem forças para carregar o tempo acumulado no corpo, optamos pelo teatro de velhas posturas para que tudo pareça bem, pelo menos exteriormente.


Não nos aceitamos. Negamos a vida a poesia  do crepúsculo celebrando um sol que já não é mais radiante como na manhã da infância.

C G Jung consagrou sua psicologia analítica a este período da vida onde somos confrontados  com a finitude, com a fragilidade do ego e das certezas cotidianas.

É neste último período do ciclo biológico que o cuidado de si se faz uma exigência da existência e cada  um é desafiado pelo seu próprio abismo.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

TERRA


A terra que nos engendra,
Onde nascemos
e aprendemos ser, 
Mudando, criando,
Sendo entre  corpos,
É extensão e imaginação.

Ela é puro movimento,
Diversidade e fecundidade.

A terra sabe a si mesma
Através de mim.
Pois vivo, tal como morro
Dentro da paisagem.

Meu corpo é a terra,
É devir, por vir
E eterno retorno.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

FELICIDADE E FICÇÃO


" Em todas as vidas existe qualquer coisa de não vivido, do mesmo modo que em toda palavra há qualquer coisa que fica por exprimir. O caráter é a obscura força que se assume como guardiã dessa vida inticada: vela atentamente por aquilo que nunca foi e, sem que o querias, inscreve no teu rosto a marca disso. Por essa razão, a criança recem-nascida parece já ter semelhanças com o adulto: de fato, não há nada de igual entre esses dois rostos,  a não ser, num como noutro, aquilo que não foi vivido."
Giorgio Agamben in Ideia de Prosa

A felicidade é aquilo que nunca foi ou será, mas permanece como fantasia abstrata de uma vida ideal. Vários tempos, afetos e carências, se misturam na composição desta ficção que eleva o individual ao plano do coletivo, do impessoal.
A felicidade é o desejo personificado por sua plenitude intempestiva. Ela é uma recusa da contingência e da própria realidade, uma teimosia ou inadequação instintiva a vida como ela é.
Há um comércio estranho entre felicidade e literatura que revela a linguagem como um ato de transgressão.

CORPO PENSAMENTO

Um indeterminado desejo sem objeto engendra um pensamento, desenha um sentimento, expressando a vida como um movimento entre o dado e o por vir.


Há muitas possibilidades dentro deste instante. Há intensidades que situam o corpo dentro da paisagem.

O pensamento da forma ao desejo e transforma o tempo em um laboratório de subjetividades.

O pensamento se confunde com um espaço aberto de experiências que através do corpo ganha realidade.

Mas não há sujeito. Apenas a composição de coisas e estados compondo uma frase, produzindo uma intencionalidade onde o meio, o infinito e o íntimo inventam uma consciência.

O pensamento não se encontra em si mesmo. Ele é um saber que é expressão da extensão, ele é no corpo que já não se distingue dele.