segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

UMA FOLHA CAIU

Um pequeno poema de Cecília Meireles inventou, em franco ataque de lirismo inútil, uma vertigem de vento.
Um movimento de silêncios antigos acordou o tempo e o espaço nas permanências de um eterno retorno contra o imperativo dos significados.
Uma folha caiu em todos os tempos....

EPIGRAMA N 9

O vento vai,
A noite toda se atordoa,
A folha cai.

Haverá mesmo algum pensamento
Sobre essa noite? Sobre esse vento?
Sobre essa folha que se vai?

Cecília Meireles

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ENTRE O PASSADO E O FUTURO

Não viver mais em um mundo prisioneiro do peso da tradição e da autoridade significa antes de tudo que já não  sofremos o peso de qualquer representação do passado. Somos livres para ousar o inédito, o imprevisível, contra todas as expectativas e normas estabelecidas. Ao mesmo tempo, carecemos de criatividade no cenário virgem de um princípio de século onde tudo está em aberto, suspenso e em mutação. Mas nos contentamos com citações e atualizações de passados que já não mais nos frequentam.

Ainda não somos capazes de vislumbrar o contemporâneo em toda a sua radicalidade. Enquanto o ontem devora o hoje, o novo agoniza e se espalha através de múltiplas versões de um futuro inconsciente. Tudo que se oferecer no horizonte volta-se, então, contra tudo aquilo que nos define na prisão do imediato do agora.

sábado, 24 de novembro de 2018

A GEOGRAFIA DAS MINHAS AUSÊNCIAS

Tenho sido desafiado pelo implacável tema de uma geografia das ausências. Nela cabem meus mortos, o desejo, as representações ocas dos discursos que tende sempre a verdade, minhas incertezas e frustrações diante da própria escrita que me escapa.

A vida e a palavra são preenchidas por ausências, povoadas por faltas que me preenchem. Sobre elas paira sempre um quase silêncio, uma presença não discursiva que é a própria nudez da existência. Hábito em minhas ausências. Elas são a pátria de todos os afetos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O CREPÚSCULO DO PENSAMENTO

Podemos definir uma escala de probabilidade para julgar a veracidade de uma informação.

Afinal, em tempos em que o dito não busca o fato, mas o comentário, é razoável duvidar das fontes e informantes disponíveis. Pois nós mesmos estamos comprometidos ou corrompidos por determinada opinião, orientados  para moldar a realidade de acordo com certa versão que nos parece conveniente.

Selecionamos nossas informações como quem escolhe frutas na feira pois fomos reduzidos à consumidores de informações.
Não há mais um real ao qual elas se reportem. Tudo depende de interpretação e a informação visa apenas mais informação, a seleção e acumulo de  dados que previamente me escolheram como receptáculo e que são compatíveis entre si.

Desta forma, sou feito para determinado discurso em detrimento de outros. Replicar este discurso eleito é existir, sentir nele uma certeza que me define a ordem das coisas, que me sustenta o querer e dever ser do mundo. Estamos todos lutando contra os fatos, servindo a um determinado discurso.
Somos  agora espécies de copistas que corrigem o texto original. A veracidade é o que dá valor a uma informação. Os fatos são menores do que os acontecimentos e sustentam as guerras de opinião.

O valor corrompeu o conhecimento. A moral do rebanho se tornou absoluta. Nos tornamos escravos de opiniões e identidades coletivas, rótulos e bandeiras cognitivas.

Fomos corrompidos  pelo sentimento moral e o elevamos a condição de dispositivo de verificação. O tribunal da razão revelou-se como um novo tribunal  moral.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

O QUE É CONHECIMENTO?

O que é conhecimento? Esta pergunta se confunde na cultura ocidental, desde Platão, com outra: O que é verdade? Em termos contemporâneos, a resposta seria simples e midiática: informação. Mas, seguindo nesta linha, seria mais correto responder que conhecimento e verdade hoje não passam de um acontecimento ou ato de linguagem passível de variações quase infinitas. Conhecimento e verdade são "efeitos" que  informam comportamentos e ações nos diversos planos das atividades humanas. Em nada mais se relacionam com a noção de sabedoria.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

NAS DOBRAS DO ALÉM DO AGORA ENCONTRO SEMPRE LINHAS DE FUGA

Os dizeres e fazeres, as visibilidades e obscurecencias, que codificam os limites deste intenso agora, não me impedem de fugir a micro geografia dos jogos de dominação que agenciam as forças coletivas e aprisionam o tempo.

Afirmo a potência da minha própria existência em inerte movimento no meio das coisas. Afetos  me reinventam em acontecimentos. Sei o intempestivo e o vento de lugares outros de pensamento e vida onde a imaginação transborda.

De muitas maneiras já não pertenço ao meu tempo, pois sou composto da vida em todas as formas que definem a paisagem.  Eu sou esta terra nova que me ultrapassa e esclarece o vento.

sábado, 17 de novembro de 2018

O "IMPODER"



O "impoder" é a ausência de poder. Poderíamos explora-lo como experiência através da palavra risonha e sem pretensão à verdade.  


Para ser um "impoder" ela não pode definir-se como um " contra poder" que, por definição, estaria fadado a ambição de um novo poder. Seu dizer deve ser ficção, um lúdico jogo de prazer, experimentação e criação.

A linguagem despida de valores e significações torna-se um dizer estético da vida como obra de arte e não um saber. Tal palavra se propõe como ficção.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O OFÍCIO DE ESCREVER

Escrever para esquecer é o que faz de alguém um escritor. Trata-se de esquecer de si mesmo, de afastar-se de todo cotidiano, através da geografia abstrata das letras. É um desafio a vida e a morte, ao tempo e ao esquecimento.

Não há escritores no dia a dia, apenas na solidão do ofício da escrita onde quem escreve se faz invisível, inventa a si mesmo como um desconhecido.

Maurice Blanchot já nos alertava para esta estranha fronteira que é a literatura, entre o território do dizível e do vívido.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

O VIVENTE COMO ANTI SUJEITO


O vivente é aquele que sofre,
Que come,
Defeca,
Sua,
fede,
Chora e ri.
O vivente é o que sente,
O que dorme, acorda.
É ele quem vive e morre.
É o que tem frio, valor
ou sede.
O vivente é aquele que sabe o peso do mundo,
A necessidade e a expressão do corpo
Como coisa que é gente.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O MEIO E O VIVENTE


A categoria “vivente” pressupõe toda forma de vida. E toda forma de vida pressupõe seu meio, seu ambiente. O vivente é um ser fora de si, sua sobrevivência é uma constante busca do que lhe ultrapassa. Nada mais distante da imagem de mundo construída pela racionalidade moderna formatada por uma subjetividade definida por um eu abstrato e autônomo inspirada pelo dualismo cartesiano. O vivente, ao contrário, é definido pela nudez biológica da existência inserida em um eco sistema. Para o vivente o meio é o seu ser. É o espaço e não o logos que o define como tal através de interações físicas, biológicas e cultural que fazem coincidir um  dentro e um fora como atividade de existir.