quinta-feira, 18 de outubro de 2018

ESCUTAR COM OS OLHOS, FALAR COM AS MÃOS


Algumas pessoas escutam com os olhos e falam com as mãos.  É uma questão de sensibilidade para as curvas e nuanças da comunicação, para o que há de  verbal e não verbal no ato de expressão. É sempre preciso estar atento para o que é dito em silencio e a margem das palavras. Raramente nos damos da múltipla dimensão do ato de comunicação que depende não apenas do tido, mas fundamentalmente da escuta. Ou mais precisamente, das diversas formas de escuta e apreensão de uma mensagem. De outra forma, comunicar-se não passa de um monologo.

Escutar com os olhos e falar com as mãos é aqui apenas um exemplo  do quanto podemos ser versáteis em nossa  forma de dizer e ouvir ampliando as estratégias de ser visto. Antes de tudo somos seres simbólicos, e a circulação de signos obedece a um fluxo de imagens que definem tudo aquilo que é visível em uma sociedade. Mas é surpreendente o quanto aquilo que contradiz as normativas de expressão nos excita. O que se convencionou no plano das artes como modernismo é juntamente a personificação deste exercício de experimentação.


quarta-feira, 17 de outubro de 2018

AS ESPIRAIS DO TEXTO



Dentro de um texto existem frases que constituem ilhas de sentido, que destoam da narrativa, e servem de porta para outros textos, para fugas da intencionalidade da totalidade do discurso. Assim se fazem interpretações, apropriações e reinvenções. O texto lido é sempre diverso daquele que foi escrito.

O excerto é sempre uma reduplicação mutante do original. Ele é o texto que estala, que se espalha e escapa ao autor e ao leitor como figuras comunicantes do ato de linguagem.  É fácil entender a incompreensão de um texto, o labirinto da hermenêutica que multiplica os interpretes, os leitores infiéis, os detratores e críticos literários que em longas resenhas vivem as custas das pseudo copias do original.  
  
Todo texto esta condenado a perder-se em interpretações e releituras infinitas, multiplicar-se, neutralizar-se.

SOBRE A IGNORÂNCIA METÓDICA



Só lida como o inesperado quem confia mais do que deveria nas próprias expectativas. Quando nos convencemos de alguma coisa é por que desconsideramos uma serie de outras possibilidades formuladas e não formuladas. Lidamos com uma estreita e pequena via em um grande labirinto de possibilidades. O melhor que pode nos acontecer é sermos surpreendidos pelo inesperado e ter que começar  tudo de novo. O conhecimento é um trabalho de Sísifo, um meio de administrar o caos através da linguagem. Não é seu objetivo a serenidade de qualquer resposta, mas a multiplicação das questões ao infinito.

A ignorância é a chave do conhecimento. Mesmo que isso pareça um clichê dos mais ordinários.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

AFORISMOS SOBRE PERSPECTIVISMO


As evidências são ditadas pelo adestramento do olhar. Apenas enxergamos aquilo que estamos condicionados a enxergar.

O mundo tem sempre o tamanho do nosso conhecimento e a forma de nossas certezas. Tudo se resume a uma questão de perspectiva.

No fundo estamos sempre buscando solução para falsos problemas, pois as respostas sempre são dadas pela própria pergunta.

O mais importante é perceber o mundo sem tomar a si mesmo como medida de todas as coisas.

ECO SISTEMA



O ego é como uma bela e movimentada cidade circundada por densa vegetação e uma praia. A topografia existencial sempre pressupõe  natureza e cultura como opostos complementares. È assim que afetos semeiam os jardins da imanência. Mas o que há de mais interessante nesta paisagem viva são as vias abertas em todas as direções formando um confuso  labirinto através do qual  todos os cantos são interligados. É ele quem mantem pulsante o eco sistema.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

OLHAR ESTRANGEIRO


Há tantas versões de mim mesmo atravessando o tempo naquele que sou através da composição do olhar estrangeiro, que não arrisco qualquer autodefinição. Existo nesta miragem que se apresenta como representação, que nasce da alteridade, do encontro do eu e do outro, mas que não esgota ou define aquele que sou.

Sou apenas um viajante, um naufrago. Nunca importa onde estou, nem  guardo a meta de qualquer possível destino. Tudo é aleatório e provisório, como o próprio olhar do outro que me define.

O QUE É FOUCAULT?



Afinal, o que é Foucault? Penso que já não nos é possível falar de um individuo historicamente determinado, muito menos de uma obra, livros ou da persona de um determinado autor.

Como sugeriu Deleuze, Foucault se apresenta agora como uma caixa de ferramentas, uma multidão ou, simplesmente, utilizando um de seus conceitos, como um intercessor. Foucault é também um acontecimento e um devir. Ele é o intempestivo, uma provocação que nos atravessa no tempo presente como um relâmpago.

O que nos afeta e agencia é um “dispositivo Foucault”, algo que o ultrapassa como corpo sujeito e como teoria, estabelecendo disibilidades e visibilidades na produção de subjetividades.

Pensar e fazer Foucault, utiliza-lo como caixa de ferramentas, é evitar intimidades e fidelidades, é buscar técnicas de cuidado de si, a marginalidade de uma escrita delinquente e descontinua que sempre desafia os limites do tempo presente.

Mas é claro que o “dispositivo Foucault” possui também suas estratificações e homogeneidades totalizantes, suas lógicas de arquivo, suas especificidades ético políticas, mesmo que predomine suas configurações heterotópicas na produção de contra estratégias de saber poder a partir de uma ética do cuidado.

De modo geral Foucault é uma inquietação, um modo de não ser sempre o mesmo, buscando sempre a dobra do mundo, as vertigens de pensamento, a exterioridade da linguagem. É questionar-se sobre o que ainda pode ser a filosofia depois de Kant, sobre o que estamos nos tornando. Abrigar-se sob seus Ditos & Escritos é sempre pensar a vida como obra de arte.


domingo, 14 de outubro de 2018

SOBRE ESCREVER

Escrever para mim é um exercício delicado de subjetivação, é uma forma de cuidado, uma estratégia de individuação. 

Em tudo aquilo que escrevo, escuto um outro. Talvez  esta seja essencialmente a função da linguagem: inventar o não lugar de si mesmo, produzir um estranhamento, que transcende toda comunicação.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

IMANÊNCIA


Escolher como viver é um privilégio,
Um excesso,
Um quase transbordamento.

É encontrar as palavras que faltam
Para inventar um sentimento,
Para dar forma a um afeto,
Que atravessa a consciência.

Assim se define o corpo como lugar de ser,
Como processo ou movimento da múltipla composição de um querer.

O corpo afetado torna-se imagem e experiência de uma opção que nos escolhe.
Mas o que define quem somos é o ato de viver a deriva
Como composição de multiplicidades,
De interioridades e exterioriedades  famintas.
Tudo se encontra e se desencontra na imanência dos acontecimentos.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

SINGULARIDADE


Todos os dias o mesmo corpo,
O mesmo rosto,
E, ao mesmo tempo,
Sou sempre outro
Através dos outros.
A vida se produz através de relacionamentos.
Somos uns e outros,
Ninguém e todos.
Somos  em  singularidades
A metafisica de uma espécie.