quarta-feira, 9 de agosto de 2017


FOUCAULT E A FORMA LIVRO

O livro como receptáculo de enunciados é predestinado ao envelhecimento, a degradação perpétua. A forma livro é como um momento que nos aprisionamos em uma fotografia, uma imagem que se transforma em simulacro, pois um texto acabado é um texto morto.  Por isso é inconveniente ficar preso a impressão de qualquer livro como se sua narrativa fosse atemporal e não um produto datado e circunstancial destinado sempre a ser desvalorizado  pela infração bibliotecária, bibliográfica, e a critica implacável do devir das épocas. Ao mesmo tempo, o livro é também ameaçado pela tirania do autor que, muitas vezes, o renega parcial ou integralmente enquanto ele se degenera em um outro de si mesmo através de citações e referências.

No breve prefácio que faz a primeira reedição de sua História da Loucura, suprimindo o prefácio original, Foucault  bem define o simulacro  da identidade de um livro:

“... Um livro é produzido, evento minúsculo, pequeno objeto manejável. A partir dai, é aprisionado num jogo contínuo de repetições; seus duplos, a sua volta e bem longe dele, formigam; cada leitura atribui-lhe, por um momento, um corpo impalpável e único; fragmentos de si próprio circulam como sendo sua totalidade, passando por contê-lo  quase todo  e nos quais acontece-lhe, finalmente, encontrar abrigo; os comentários desdobram-no, outros discursos no qual enfim ele mesmo deve aparecer, confessar o que se recusou a dizer, libertar-se daquilo que, ruidosamente, fingia ser. A reedição numa outra época, num outro lugar, ainda é um desses duplos: nem um completo engodo, nem uma completa identidade consigo mesmo.”


Tal fragmento torna-se mais significativo quando consideramos o fato de que o primeiro livro publicado por Foucault, Doença Mental e Personalidade, teve sua reedição proibida pelo próprio autor a partir de 1966. Pode-se aqui apenas especular sobre as razões do fato. Mas certamente, tal recusa se explica em função das obras posteriores  do autor, em especial sua História da Loucura e  O Nascimento da Clinica que reduziram a nada o evento minúsculo do primeiro livro. Afinal, o que é o momento de um livro dentro do tempo de uma obra? 

O GATO POR DENTRO by WILLIAN BURROUGHS

“Somos os  gatos por dentro. Os gatos que não podem andar sozinhos, e para nós há apenas um lugar.”
Willian Burroughs

O Gato Por Dentro é um ensaio de maturidade de Willian Burroughs ( 1914-1987), celebre autor beat autor de clássicos como Almoço Nu e  Junki. Foi escrito entre 1984 e 1986 e mistura reflexões filosóficas com experiências pessoais com felinos. Pode parecer surpreendente, mas Burroughs, como Bukowiski e muitos outros literatos era um amante de gatos. Como ele mesmo diz neste ensaio, gatos servem como “familiares”,  como companheiros psíquicos. Os gatos, segundo ele, servem como telas sensitivas para atitudes bastante precisas quando escalados em papéis apropriados.
Dirigindo-se aos amantes de gatos ele aconselha:

“Todos  vocês que amam os gatos lembrem que os milhões de gatos que miam pelos quartos do mundo depositam toda sua esperança e confiança em vocês, da mesma maneira que a gatinha mãe da Casa da Pedra repousava a cabeça  em minha mão, que Calico Jane  botou os bebêsem minha valise, que Fletch pulou nos braços de James e  Ruski corria para mim arrepiado de alegria.”
(Willian Burroughs. O Gato Por Dentro/ tradução de Edimundo Barreiros, Porto Alegre, RS: L& PM, 2007, p. 100)
A leitura deste ensaio entre o felino e o humano se misturam, é quase impossível nos distinguir de nossos bichanos. Afinal,os gatos são estranhamente humanos. Justamente por isso, uma das imagens mais poéticas e fortes deste ensaio seja a do gato branco que representa a própria saúde psíquica do autor. O gato branco é, em suas próprias palavras, um símbolo de pureza. Em sânscrito ele é Margaras, “o caçador que segue a trilha,; o investigador; o rastreador ágil” Seu gato branco se esconde em você.

Creio que apenas aqueles que convivem com gatos são capazes de compreender a complexidade poética deste pequeno ensaio.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

DERROTAR O FACISMO QUE NOS HABITA...

O gosto pela norma, pela verdade e a mania de julgar, fundamentam a gramatica do Facismo....

O QUE NÃO PODE SER DITO

A palavra escapa ao dizer.
Nada que vivo
É digno de um enunciado,
Não pode ser comunicado.
Nem mesmo vale a experiência
De tentar expressar o que não pode ser dito.
Melhor ficar aqui,
Mudo , provisório,
E mergulhado no mundo
Como se este momento

Fosse único.

O DIZER SELVAGEM




O dizer  selvagem e náufrago, livre de qualquer jogo conceitual, transforma a vida em um ato selvagem de expressão.
 
Através dele, o mundo das palavras não coincide com o mundo da literatura, mas o ultrapassa na capacidade de dizer o  impossível.  A imaginação convertida em ato cotidiano e gramatical, não comunica, mas nos inventa coisas.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

O DETERMINISMO DA SIGNIFICAÇÃO

Dar sentido as suas próprias escolhas individuais não é um testemunho de livre arbítrio. Afinal, tais escolhas estão condicionadas a formatações coletivas e impessoais da existência. Nos tornamos, assim, prisioneiros de nossas próprias significações e não propriamente seus autores. Não exercemos real controle sobre a atração  que este, e não aquele, enunciado exerce sobre nós.

Nossas escolhas são apenas opções pré definidas através das quais nos adequamos por uma dada representação impessoal da realidade.



SUBJETIVIDADE OBJETIVA

A subjetividade é um exercício impessoal e coletivo. Não passa de uma premissa de determinadas estratégias discursivas e significação de mundo.

Não acontecemos naquilo que dizemos, mas aquilo que dizemos define como narrativa a realidade.

Um relato individual sobre o testemunho de determinado acontecimento é sempre seletivo e parcial. Mas isso não o torna “pessoal”, pois suas premissas são coletivas. Trata-se de um esforço de comunicação, de um movimento para o exterior, ou para o outro receptor do relato. Ele é feito em função de alguém e personifica uma tentativa de “objetivização” do fato.

O sujeito inventa o objeto para poder ser sujeito. Tal arbitrariedade faz parte do modo como nos comunicamos uns com os outros. Onde “eu” estou naquilo que digo, não é uma pergunta válida.