terça-feira, 22 de novembro de 2016

SOBRE O PENSAMENTO

Um dos falsos dilemas da filosofia ocidental é aquele que desde Platão estabelece a desconfiança dos sentidos e aposta nas ideias ou no pensamento abstrato como matriz de nossas certezas e principio de realidade. Trata-se, de um modo mais amplo de uma recusa do corpo, do fisiológico, e idealização de nossa condição humana através de uma valorização desmedida da cultura como promotora da nossa espécie e do “espirito” como algo distinto do “físico”.

A premissa de que a realidade objetiva possui um sentido inato a ser desvelado, sustentou durante muito tempo o mito do conhecimento como culto a Verdade, como correspondência entre as palavras e as coisas.

A razão sempre gozou de um aspecto quase divino no ocidente que apenas se secularizou com o Iluminismo. Racionalismo e Metafisica sempre constituíram um casal feliz e que, de muitas formas, ainda celebram suas núpcias sempre que invocamos a superioridade do conhecimento objetivo sem considerar nossos filtros subjetivos e formatação da realidade. Cada um cria a realidade que observa e não há teoria que não invente seu próprio objeto.

No que diz respeito à arte de pensar, ao modo como o pensamento acontece em nós, devemos considera-lo como um fenômeno físico químico, como uma atividade propiciada pela experiência de nosso próprio corpo, estando, portanto, também associado ao seu metabolismo.  Mas só podemos dizer o que é o pensar através do próprio pensamento. Não existe um ponto externo que nos permita considera-lo de modo isento de seus próprios critérios.

O que aqui se coloca é um questionamento da própria racionalidade. Não seria ela tão somente apenas um artificio humano através do qual impomos sentidos e significados a fenômenos que simplesmente são indiferentes aos nossos s critérios e formas de codificação e formatação da realidade? Caso desconsiderássemos a racionalidade tão somente uma pueril  brincadeira humana para tornar nossa experiência  do real viável, não tento qualquer valor objetivo fora das convenções humanas, talvez estivéssemos mais próximos dos fatos. Os frutos do nosso pensamento, assim, não seriam muito diferentes ou mais convincentes do que os delírios de um doente mental.


O fato é que o pensar também é a expressão de uma vontade, a realização de uma compulsão que se tornou cada vez mais elaborada e refinada ao longo dos séculos e se desenvolveu a partir não de uma adaptação ao ambiente, mas de sua recusa e transformação através das realizações culturais. Assim, o pensamento serve antes de tudo ao prazer, a irracional compulsão humana para domesticar a realidade.

A ARTE DA CITAÇÃO E O AVESSO DA TRADIÇÃO

O empaledecimento do original é uma pré condição da paródia, da repetição, enquanto estratégia de criação. Não somos originais. Sofremos o peso de nossas heranças e lhe somos fieis na exata medida em que buscamos supera-las e inventar o inédito através de sua replicação. A cópia nunca é fiel ao original. Citar é traduzir, inventar versões.


Mesmo em nosso conservadorismo sofremos o imperativo do devir. Assim, o original é sempre uma referencia virtual constantemente atualizada pela contemporaneidade de nossa interpretação.  Os contextos em que determinada obra  ou referencia de cultura é produzida reduz seu sentido ao instante de sua origem. 

domingo, 20 de novembro de 2016

A ARTE DA BOA CONVERSA

Em toda boa conversação é necessário reservar uma cota de voluntárias omissões. É tamanho o desacordo entre os seres humanos que o melhor é não ser demasiadamente franco quanto as próprias opiniões.

Nunca diga tudo o que pensa e nunca escute tudo que lhe dizem. Ninguém nunca esta disposto a escutar aquilo que não lhe cabe nos ouvidos. O comércio entre os indivíduos  não passa de um grande teatro cujo objetivo não é o entendimento mutuo, mas a troca superficial de frases convencionais no mais egoísta entretenimento.

HUIZINGA, MAFFESOLI E O LÚDICO DO COTIDIANO


Herdeiro intelectual de Gilbert Durant, Michel Maffesoli é um sociologo que incorpora a sua reflexão sobre a sociedade o não lógico e o não racional como componente essencial de nossa condição humana e da construção da sociabilidade. Sua obra A CONQUISTA DO PRESENTE é por isso um contundente questionamento de nossos lugares comuns, pois propõe, através de uma reflexão arguta sobre o nosso mais imediato cotidiano, algum tipo de "reencantamento do mundo".

Para Maffesoli, dialogando diretamente com Huizinga e seu HOMO LUDENS, a astúcia  estrutural e corriqueira do jogo social é ritualísta e imagética em sua polifonia lúdica  no além do olhar totalizante do cientificismo da sociologia convencional.  A estruturação da vida cotidiana, o  aqui e agora, é estruturado pelo imaginal em suas várias mascaras e matrizes ontológicas. Desde o vestuário, do gestual até as formas mais complexas do acontecer social.

Trata-se sempre de um jogo. Nas palavras do autor,

"É fácil reconhecer a importância  do jogo na estruturação do social, mesmo que, desta forma se despreze o seu impácto nas ocupações 'serias' (produção, politica), aceitando-o, mais facilmente, sob a noçãop de competição. Assim, seja em seu aspecto agonal, seja sob a forma do desafio ou ainda do mimetismo, seja na teatralização da vida pública (politica, consumo, espetáculo), o jogo é elemento fundamental de toda  sociedade. De fato, mais do que falar de jogo, seria melhor dizer, 'em jogo'. A vida é um jogo, a vida está em jogo. Essa é a relação com o destino, é o que liga estreitamente  a seriedade ao riso."
 (Michel Maffesoli. A Conquista  do presente. RJ: Rocco, 1984, p.160)

Nossa aventura existencial é uma negociação constante  com a alteridade do social que definem os jogos de sociedade entre a regra e o lúdico através da dialética da criação e da repetição. A teatralidade do cotidiano funda a ritualistica da vida comum, nos mantem coesos, apesar da constante iminência do caos.
Nesta parte é interessante remeter ao HOMO LUDENS de Huizinga,

"Sempre que nos sentimos presos de vertigem, perante a secular interrogação sobre a diferença entre o que é sério e o que é jogo, mais uma vez encontraremos no domínio da ética o ponto de apoio que a lógica é incapaz de oferecer-nos. Conforme dissemos desde o inicio, o jogo está fora  desse domínio da moral, não é em si mesmo nem bom nem mau. Mas sempre que tivemos que decidir se qualquer ação a que somos levados por nossa vontade é um dever que nos é exigido ou é licito como jogo, nossa consciência moral prontamente nos dará a resposta. Sempre que nossa decisão de agir depende da verdade ou da justiça, da compaixão ou dá consciência, o problema deixa de ter sentido."
(Johan Huizinga. Homo Ludens: O Jogo  como elemento da Cultuira. SP: Perspectiva, 2012-7ºEd., p. 236)

O fato é que não somos tão racionais como a ingenuidade do culto a razão  herdada do séc. XVIII supôs. A designação de nossa espécie como Homo Sapiens é no minimo equivocada e seria mais adequada a nossa qualificação como Homo Ludens. Em todas as nossas decisões cotidianas oscilamos entre o arquetípico e estereótipo . O jogo é a repetição factual em uma ordem absoluta que nos conduz a permanência constante do insignificante. Mas quando com a dimensão ética, o lúdico nos inspira o simplesmente viver, o mergulho na alteridade e na pluralidade instantânea que nos afasta do caos que nos espreita.


sexta-feira, 18 de novembro de 2016

AFORISMOS SOBRE A ARTE DA LEITURA

Um bom leitor jamais se torna um cúmplice de seu autor preferido.

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Um bom livro é aquele que supera seu autor e a intencionalidade que tenta domestica-lo.
Todo bom livro é selvagem...

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Nenhum livro deve ser lido ao pé da letra.

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Toda leitura é um dialogo solitário...

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O agramatical, o desvio imagético é o que torna uma narrativa interessante.

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Autor e leitor se confrontam na aventura de um bom texto. Pois o texto escrito nunca coincide com o texto lido.

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Saber ler e escrever não faz de ninguém um bom leitor.

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Ler é também um ato criativo.

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Um bom livro precisa ser relido periodicamente...
Há muitas camadas em uma boa narrativa.

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A experiencia de qualquer enunciado é essencialmente interpretativa.

domingo, 13 de novembro de 2016

NIILISMO E VIDA COTIDIANA

Qualquer experiência da felicidade é uma ilusão ingênua e pressupõe a negação unilateral das contradições inerentes a qualquer representação ou consciência da realidade. O chamado "realismo pragmático", por outro lado, é uma questão de má vontade com a vida.

somente o niilismo faz sentido em seu franco desprezo pelo mito do significado e desconfiança das precárias certezas que nos sustentam a afirmação da  existência.

A mais eficiente resposta a vida permanece sendo o hedonismo discreto dos indiferentes. Viver é uma questão de comedida embriaguez contra toda filosofia estoica ou ideário moral de uma vida reta.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

EGO E CONSCIENCIA

A consciência moderna identifica-se com um ego abstrato e autoconsciente que reduz tudo aquilo percebe a condição de objeto. Mas o próprio ego é uma espécie de máscara que falseia à consciência, que a cancela como um campo de representações onde o real se apresenta como co-existencia dos fenômenos e coisas que são a própria consciência projetada como exterioridade. Ém lugar de uma realidade objetivamente dada, quando pulamos sobre nossos próprios egos, intuímos a consciência como um participar de tudo aquilo que existe. Estamos imersos na realidade. Mas vivemos do pensa-la como algo diferenciado da consciência.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

CONTRA A IDEIA DE VERDADE

Não acredito  em verdades...
valorizo em demasia minhas duvidas,
minhas incertezas
e incapacidade de viver de convicções.
Não gosto de ser muito coerente,
de fazer muito sentido.
Sou inapto a crença ou a fé.
Duvido, as vezes, até mesmo
da minha consciência.
Talvez alguém sonhe minha vida
e este mundo inteiro.
Sei que a realidade não tem garantias.
tudo não passa de uma ilusão realista.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

SER E DIZER

Dividido entre o sentido e o espanto
Invento o que sei
Através do dizer que me pensa
No encadeamento das palavras.
Sou apenas aquilo que o texto
Fez de mim
Contra todas as interpretações possíveis.
Ser é também

Uma questão de  hermenêutica.

DEFININDO O PÓS ESTRUTURARISMO


As generalizações abusivas e as narrativa inspiradas pelo herança de uma racionalidade iluminista, ou simplesmente, orientadas por uma filosofia do progresso e aperfeiçoamento do gênero humano, já não encontram eco nas labirínticas paisagens do mundo contemporâneo. Já não buscamos explicações ou respostas “objetivas”, “causalidades” ou conexões sistêmicas para domesticar o real e a História. 

Apenas escrevemos nossa literatura das coisas vividas e imaginadas sob a erosão de toda a tradição. Pensamos sobre ruínas e nos inventamos  além de qualquer futuro. Creio ser esta a melhor forma de descrever o campo do chamado Pós Estruturarismo inspirado pela filosofia de Niethzsche  que reune autores diversos como Foucault, Deleuze, Lyotard, Baudrillard, Paul Ricoeu, dentre outros.