Herdeiro intelectual de Gilbert Durant, Michel Maffesoli é um sociologo que incorpora a sua reflexão sobre a sociedade o não lógico e o não racional como componente essencial de nossa condição humana e da construção da sociabilidade. Sua obra A CONQUISTA DO PRESENTE é por isso um contundente questionamento de nossos lugares comuns, pois propõe, através de uma reflexão arguta sobre o nosso mais imediato cotidiano, algum tipo de "reencantamento do mundo".
Para Maffesoli, dialogando diretamente com Huizinga e seu HOMO LUDENS, a astúcia estrutural e corriqueira do jogo social é ritualísta e imagética em sua polifonia lúdica no além do olhar totalizante do cientificismo da sociologia convencional. A estruturação da vida cotidiana, o aqui e agora, é estruturado pelo imaginal em suas várias mascaras e matrizes ontológicas. Desde o vestuário, do gestual até as formas mais complexas do acontecer social.
Trata-se sempre de um jogo. Nas palavras do autor,
"É fácil reconhecer a importância do jogo na estruturação do social, mesmo que, desta forma se despreze o seu impácto nas ocupações 'serias' (produção, politica), aceitando-o, mais facilmente, sob a noçãop de competição. Assim, seja em seu aspecto agonal, seja sob a forma do desafio ou ainda do mimetismo, seja na teatralização da vida pública (politica, consumo, espetáculo), o jogo é elemento fundamental de toda sociedade. De fato, mais do que falar de jogo, seria melhor dizer, 'em jogo'. A vida é um jogo, a vida está em jogo. Essa é a relação com o destino, é o que liga estreitamente a seriedade ao riso."
(Michel Maffesoli. A Conquista do presente. RJ: Rocco, 1984, p.160)
Nossa aventura existencial é uma negociação constante com a alteridade do social que definem os jogos de sociedade entre a regra e o lúdico através da dialética da criação e da repetição. A teatralidade do cotidiano funda a ritualistica da vida comum, nos mantem coesos, apesar da constante iminência do caos.
Nesta parte é interessante remeter ao HOMO LUDENS de Huizinga,
"Sempre que nos sentimos presos de vertigem, perante a secular interrogação sobre a diferença entre o que é sério e o que é jogo, mais uma vez encontraremos no domínio da ética o ponto de apoio que a lógica é incapaz de oferecer-nos. Conforme dissemos desde o inicio, o jogo está fora desse domínio da moral, não é em si mesmo nem bom nem mau. Mas sempre que tivemos que decidir se qualquer ação a que somos levados por nossa vontade é um dever que nos é exigido ou é licito como jogo, nossa consciência moral prontamente nos dará a resposta. Sempre que nossa decisão de agir depende da verdade ou da justiça, da compaixão ou dá consciência, o problema deixa de ter sentido."
(Johan Huizinga. Homo Ludens: O Jogo como elemento da Cultuira. SP: Perspectiva, 2012-7ºEd., p. 236)
O fato é que não somos tão racionais como a ingenuidade do culto a razão herdada do séc. XVIII supôs. A designação de nossa espécie como Homo Sapiens é no minimo equivocada e seria mais adequada a nossa qualificação como Homo Ludens. Em todas as nossas decisões cotidianas oscilamos entre o arquetípico e estereótipo . O jogo é a repetição factual em uma ordem absoluta que nos conduz a permanência constante do insignificante. Mas quando com a dimensão ética, o lúdico nos inspira o simplesmente viver, o mergulho na alteridade e na pluralidade instantânea que nos afasta do caos que nos espreita.
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