terça-feira, 5 de julho de 2016

ALIMENTAR O PASSADO

Não me sinto a vontade com o futuro.
Prefiro o passado e suas diferentes versões
De si mesmo.
Gosto de me abrigar nele.
Já o futuro é tão abstrato
Que não pode ser mudado.
Grande parte dele
Jamais chegará a existir.
No final das contas existimos

Apenas para alimentar o passado.

O IMPERATIVO DA INDIVIDUALIDADE

Considerado em sua integridade e totalidade, um indivíduo, mesmo aceitando o fato de que sua condição é socialmente estabelecida, goza de autonomia frente ao existir coletivo. A reapropriação singular do socialmente vivido é o que define o lugar da individualidade, sua capacidade de construir uma teia de significados e impressões singulares. É no plano biográfico que a imaginação humana revela-se de modo mais fecundo como fundamento da consciência e de toda percepção do mundo. Apesar de sua perenidade e fragilidade o acontecer do indivíduo é o que há de mais elementar na condição humana. Não é o individuo que existe para espécie, mas a espécie que existe para a produção do indivíduo.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

TEMPORALIDADE E IMANÊNCIA

Considero o tempo a memória em movimento, consciência corporal das coisas, que não se restringe ou se enquadra no tempo linear, cronológico e artificialmente imposto pelas configurações modernas. O tempo da consciência é formatado pelo lembrar, que une passado e presente em uma continuidade de experiências abstratas. A organização temporal da mente não é um dado natural, mas cultural. O tempo é uma experiência mental que espontaneamente se realiza através de um fluxo de acontecimentos cumulativos onde a consciência expressa a justaposição de todos os três momentos temporais (passado, presente, futuro). A imanência é contemporânea de todo momento temporal, através dela eles coincidem em um só fluxo ou instante que é a nossa própria pre-sença no mundo. O momento de agora modifica tanto o antes quanto o depois ao afirmar-se como algo constante e mutável.


TÉDIO E EXISTÊNCIA

Tenho me explorado através do tédio
Atravessando todos os abismos de mim mesmo,
Me deslocado de todos os eus,
Dos meus pré moldados cotidianos.

Nenhuma definição dá conta de mim;
Sou como a soma errada de todas as faces que o tempo me impôs.
Duvido de qualquer determinação ou objetividade
Como fundamento da existência.
Pois em tudo somos indeterminada consciência das coisas.

Mas o que me diz a existência é este intimo mal estar,
O tédio natural de viver desta precariedade de estar no mundo
Quase a margem de mim mesmo e soterrado na vida.


sexta-feira, 1 de julho de 2016

ALEGORIA E IMAGINAÇÃO

As palavras abrem caminho em direção ao paradoxo,
tentam dizer o que não pode ser dito sobre a verdade,
estão quase despidas de seu próprio significado,
prostituídas pela luxuria da alegoria.
Melhor não esperar muito de qualquer narrativa
E se render ao apelo afetivo da imagem
Que invade a consciência
Como um convite onírico.

A vida se reduz a um exercício de imaginação.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

O SILÊNCIO DA HUMANIDADE

Em  algum ponto da terra
Pode ser que a humanidade inteira
Se cale,
Que não faça mais diferença
Os juízos, as conclusões e os fatos.
Em algum ponto da Terra
Pode ser que a vida persista
Sem o insano de tanta humanidade,

Princípios, regras e autoridades.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

NOTA SOBRE O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

A individuação enquanto  processo arquetípico, tal como formulado por C.G.Jung, estabelece que cada indivíduo naturalmente tende em sua experiência subjetiva a alcançar a condição de self, a coincidência entre consciente e inconsciente, mediante a integração de conteúdos da psique objetiva. Trata-se evidentemente de uma meta que se confunde com o próprio caminho.

A personalidade em individuação revela a si mesma, paradoxalmente, a dimensão coletiva ou impessoal de sua condição fenomenológica de modo compensatório e peculiar considerando sua situação pessoal e cultural. A própria “condição-de-eu” conduz para além de si mesma através da elaboração de fantasias.


Assim, nossas mais caras convicções, positiva ou negativamente, longe de expressar um exercício independente do intelecto e da racionalidade, projetam em grande medida o dinamismo deste processo irracional e ontológico através do qual nossa condição humana se faz um verdadeiro quebra cabeça.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

TEMPO ÍNTIMO

Habito um passado
Onde apenas eu existo,
Que jamais foi partilhado
Com aqueles que são parte
Do meu tempo vivido.
Pois cada um existe
Em seu próprio mundo
E intima memoria das coisas.
Cada um  porta solitariamente

O registro de sua  existência.

domingo, 26 de junho de 2016

O MÍNIMO DA EXISTÊNCIA

Minha vida mudou tanto nos últimos anos, que já não me reconheço nela. Quem eu sou ficou no passado. E o tempo presente é apenas o agora dos cacos de vontades, de afetos e especulações existenciais que habitam a orbita de algumas incertezas e acasos. 

Tudo que sei é que sou este corpo, cada vez mais desgastado, no aqui e agora. Nada mais do que isso.
Talvez a existência seja uma mera ilusão da consciência.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

SOBRE O EU LÍRICO CONTEMPORÂNEO

O transitório, o efêmero e o contingente são hoje em dia lugares comuns para definir nossa condição humana nos cenários definidos pela cultura e sensibilidades contemporâneas.  Eternidade e permanência, referenciais negativos da modernidade de um eu lírico em crise foram, ao contrário,  superados .

Diferente da modernidade, a contemporaneidade não tem como questão a crise do sujeito, mas, simplesmente, seu deslocamento e desaparecimento como lugar de produção de um discurso articulado a partir do hiato estabelecido entre o passado e o presente.

O passado e o presente foram nivelados a simulacro, e, enquanto referencias de articulação de eu discursivo, reduzidos a imagens de evasão e negação.

O eu lírico contemporâneo é um desenraizado de si mesmo que persegue o quebra cabeça  que é sua própria condição de existente vindo de um passado que hoje assombra o onírico e um presente estático e vazio de significados.


O fragmento, o nonsense, o silêncio e até mesmo a imagem crua são sua forma de expressão. Para ele tudo que resta são as ruinas da literatura e o cadáver do futuro.