segunda-feira, 28 de março de 2016

UM SONHO SOBRE FANTASMAS

Havia sonhado com fantasmas na noite passada. No sonho eu havia ido a uma festa. Mas havia chegado muito cedo ao local e a anfitriã me recebeu naquele estranho casarão colonial com formal cordialidade. Ela me conduziu a cozinha onde serviu uma pequena refeição  para ninguém. Depositou o prato em uma mesa vazia e voltou sua atenção para mim em seguida. Percebendo  minha aparente perplexidade diante do fato, me questionou se eu não podia vê-lo...

Depois disso comecei a enxergar pessoas portando trajes do século XIX em todas as partes.  Não eram exatamente aparições, estavam ali vivendo seu cotidiano indiferentes a mim. Mas eu sabia que não se tratava de uma viagem no tempo. Aquelas pessoas e seu tempo estava ali agora, simultaneamente ao meu presente.

Em dado momento uma delas me percebeu e atirou um objeto qualquer na minha direção.  Chamou minha atenção sua expressão de espanto quando o objeto arremessado simplesmente me atravessou.
O sonho sugeria  a ideia de que o passado continua acontecendo paralelamente ao tempo presente, como se em uma outra dimensão normalmente invisível.

Evidentemente, não estou formulando aqui qualquer teoria absurda sobre vida após a morte, mas apenas descrevendo uma curiosa experiência onírica, uma fantasia irracional. O que realmente me parece estar aqui em jogo é minha obsessão pelo passado, minha incapacidade de aceitar o simples fato objetivo de que a finitude e o devir configuram toda experiência  humana.


segunda-feira, 21 de março de 2016

ESCAPISMO

Tudo que eu mais precisava
era de um fortuito desencontro
com todas as coisas
na serenidade dos meus desenraizamentos.
Era urgente fugir as obrigações,
responsabilidades e ilusões de dia a dia.
Precisava me despir de todas as certezas
e explicações.
Sair por ai como um ninguém,
me perder dos outros

e do mundo.

sexta-feira, 18 de março de 2016

FORTUNA

Triunfalismos sempre nos conduzem a derrotas.
Pois não há vitória que não se reverta.
Alternamos posições na roda da fortuna
e o dia depois do outro
é nossa  única certeza .
Não recomendo, portanto,
o engodo da felicidade.
Não estamos destinados ao sucesso,
mas a arte de reinventar
constantemente o possível
sem grandes expectativas.


terça-feira, 15 de março de 2016

ANOTAÇÕES SOBRE WATCHMEN

Watchmen representa para mim uma das mais ousadas experiências já realizadas no campo das Histórias em Quadrinhos. Mas seria redundante falar sobre a originalidade da trama que  revela os aspectos sombrios do mundo dos super- heróis.  Nenhum dos personagens de Allan Moore e David Gibbons são exemplos morais, todos demonstram fragilidades, fraquezas, contradições e dilemas. Embora, de um modo geral, se considerem de alguma maneira acima dos simples mortais e imponham a sociedade seus próprios  paradigmas.

O cenário de guerra fria que serve de pano de fundo a história, ambientada nos anos 70/80, associada à iminência de uma terceira guerra mundial, sugere um mundo amoral e decadente onde os super- heróis, que tomam para si o papel de seus salvadores,  acabam se revelando como agentes de suas  contradições. Assim, os heróis de Moore não são virtuosos ou dignos de admiração, são perturbadores por sua radical e conturbada humanidade.

Os dilemas filosóficos do Dr. Manhattan, o singelo e ingênuo romance entre Espectral e o Homem Coruja, tal como a insanidade de Rorschach, quando contrastadas, compõem um mosaico de situações  realmente caóticas, diante do qual, nos questionamos se o conjunto das coisas vividas ainda fazem qualquer sentido. O jogo entre fantasia e realidade dar-se ainda através dos Contos do Cargueiro Negro, uma história em quadrinhos lida por um rapaz em uma banca de revistas. A história dentro da história é mais do que um exercício metalinguístico , mas expressão do lugar dos quadrinhos em um mundo onde os super heróis são reais.

São muitas as chaves de leitura e detalhes que poderia explorar aqui, mas me limitarei a uma passagem fascinante do Dr. Manhattan,

O tempo é simultâneo, uma joia intricada que os humanos insistem em ver apenas por um ângulo, quando o desenho completo é visível em todas as suas facetas.”

A transcendência de todas as questões, a indiferença que caracteriza O DR. Manhattan e o conduz ao exílio, representa uma postura niilista com relação à condição humana, com a própria vida.




AS AGONIAS DO TEXTO

Texto é sinônimo de tessitura, é um a trama  que envolve contextos, uma ocorrência linguística  e semântica   que se fecha sobre si mesma.

O adversário do texto são as interpretações , as reconstruções de seu significado. Não é raro que as interpretações substituam o próprio texto e passam a falar por ele.

O texto tenta salvar-se através de notas de roda-pé...

sexta-feira, 11 de março de 2016

VIDA

Viver é brincar de realidade enquanto o tempo passa e a gente aprende o relativo da vida em sociedade. No fundo, o existir coletivo é um desencontro de todo mundo, um caos do eu e dos outros domesticado pelo senso comum. Cada um de nós é menos do que isso...




DEFINIÇÃO DE SOCIEDADE

Sociedade é o modo como os indivíduos se associam em nome da sobrevivência da espécie inspirados por um conjunto de representação de mundo e fantasias coletivas. A capacidade de comunicação entre os seres humanos é a premissa do existir social, aquilo que nos torna o que somos no intercâmbio de consciências individuadas pelas representações culturais. Cada um de nós é objeto de símbolos e imagens impessoais que configuram nossa singularidade e experiência diferenciada de mundo.

quinta-feira, 10 de março de 2016

TÉDIO E REPETIÇÃO

Concentre-se no possível,
no pouco do agora
contra as vontades urgentes.
Esqueça todas as soluções,
os inquéritos, dilemas e impasses
sobre a realidade das coisas.
Tudo é ilegível e perecível.
Não vale qualquer reflexão.
No fundo existir  é feito de tédio

e repetição.

quarta-feira, 9 de março de 2016

OBJETIVIDADE

Sou em meus delírios
um provisório objeto dos outros,
apenas um assessório qualquer
que nem decora a paisagem.
Quase não sou notado.
As pessoas seguem suas vidas
indiferentes ao cenário.
Eu, ao contrário,
permaneço estático
enterrado no inanimado
a espera de qualquer coisa
que jamais será
algum dia

um acontecimento.

terça-feira, 8 de março de 2016

O ILEGÍVEL E A REALIDADE

Me surpreendo mais lucido na exata medida em que a realidade me parece cada vez menos legível.  A precariedade das estratégias ainda vigentes de  codificações de mundo revela-se assim uma virtude para a possibilidade do conhecimento. Perdidos entre os objetos aprendemos  a flertar com o absurdo e tecer considerações extremas. Tudo existe como  símbolo e o signo... o resto é simples estranhamento da existência.