segunda-feira, 5 de outubro de 2015

PARA COMPREENDER A NOVA BARBÁRIE

Um dos feitos culturais mais impactantes da modernidade sob o cotidiano pós revolução industrial, foi tornar as pessoas cada vez mais invisíveis umas as outras. Já não nos percebemos como parte das vivencias coletivas acumuladas e compartilhadas através daqueles que convivemos. Pouco sabemos, por exemplo, sobre o conjunto de experiências e realidades que configuraram ao menos duas gerações  das famílias as quais pertencemos. E não digo isso vislumbrando o resgate de qualquer ideal caduco de comunidade ou pertencimento de mundo fundado pela vivencias de tradições abstratas. Trata-se de outra coisa.  Falo de termos plena consciência do quanto a contemporaneidade nos distancia cada vez mais vertiginosamente do passado, o quanto a experiência de poucas décadas põe a perder hábitos e protocolos de existência. O mundo se tornou um acumular  de ruínas que se multiplicam mais rapidamente do que nossa capacidade de apreender a realidade.

Do mesmo modo, as ruas e os lugares que frequentamos já não detém vestígios ou referências realmente instáveis. Tudo se perde, inclusive as marcas que deixamos em nos objetos, em nossas casas.  O individuo liberta-se do peso do processo histórico e da própria ideia teleológica de que “tudo faz sentido”.  Ao mesmo tempo já não conta mais com a promessa oitocentista  da construção de um universo privado, consagrado a sua subjetividade e longe do olhar dos outros.


Vivemos, para ser breve e nada conclusivo, tempos de decadência de toda consciência diferenciada do coletivo.  Apenas seguimos com a avalanche. 

INDIVIDUALIDADE E ESTÉTICA


A felicidade é um veneno ao qual sou imune.

Isso me garante aptidão para buscar sempre a realidade e não cair na armadilha de nenhuma ilusão. Tenho por objetivo alguma concepção estética de vida onde sejam transpostas as fronteiras entre arte e existência no mínimo cotidiano do acontecer do meu eu.

Não me importo muito com o destino do mundo. Minha matéria prima é o raso da realidade e as possibilidades afetivas  dos atos mais pragmáticos.

Através dos artificialismos da cultura estamos sempre buscando nos evadir de nossa pequena condição humana, acrescentar significados ao raso acontecer concreto que possam tornar nossas vidas individuais  relativamente significativas.

Estou cada vez mais convencido de que é apenas isso que importa.

domingo, 4 de outubro de 2015

AS AVENTURAS DO PENSAMENTO

Era senhor de minhas dúvidas
E vítima de minhas certezas.
Tentava fugir
A qualquer armadilha da fé.
Não tinha tempo para conformismos,
Seguranças   ou fáceis caminhos
Que não me levariam a nada além
Do comodismo de qualquer convicção.
Estava disposto a estar sempre perdido
Em meus labirintos.
O que eu buscava ainda não tinha nome

Nem havia sido inventado.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A LITERATURA E A DESCONTRUÇÃO DO REAL


Uma das virtudes da literatura contemporânea  é a possibilidade de escrever contra a realidade, a partir justamente daquilo que nos incomoda nela.  Tendemos a ser hoje em dia antirrealistas e levar as ultimas consequências a ideia de  ficção.

Já não se trata apenas de inventar histórias e personagens. Nossa matéria prima mais desafiadora é o próprio real enquanto conceito.  Trata-se de perseguir uma intuição: Há algo de muito errado no jeito como o mundo e as pessoas se comportam e socialmente inventamos  a realidade. Interpretações possíveis a parte, o fato é que a fronteira entre o real e a fantasia tornam-se duvidosas.


Talvez o mundo só exista como representação e a realidade seja apenas uma modalidade defeituosa de ficção. 

terça-feira, 29 de setembro de 2015

FILOSOFIA DA EVOLUÇÃO


Estou condenado ao inacabamento,
ao provisório dos pensamentos
e ao transitório dos sentimentos.

Tudo é incerto
E a vida segue aberta,
apesar do estreito das minhas rotinas.

Talvez  eu ainda não me conheça.
Ainda não terminei de nascer.
Amanhã serei outro
na filogênese do meu rosto.
Mas não saberei o obvio
do desatino de ser eu.

Tudo que fui foi prematuro.
Queria rescrever meus atos.
Parar o tempo e sonhar,
Não ser apenas este esboço
de solitário trabalho inútil
de se fazer e perder
para acontecer de novo.
Mas nada é definitivo

 e eu me desfaço em devir.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

SOBRE MEUS LIMITES

É certo que errei e errarei muitas vezes.
Mas não cobrirei de culpa meus erros.
Nem irei me condenar pelo erro
Que dentro de mim, por um momento,
Foi profunda certeza.
De nada me arrependo.
A vida é um quebra cabeça
E eu não sou feito de dogmas.
Apenas me invento na arte
Da tentativa e erro.
Tudo para mim é incerto.
Mas um dia, quem sabe,
Eu me surpreenda realizado,

Dentro de meus tantos limites.

domingo, 27 de setembro de 2015

A HUMANIDADE DOS OBJETOS

A existência era o interagir constante com as coisas externas. Era saber aquela paisagem, sentir o vento,  escutar os sons espalhados pelas ruas,  fumar um cigarro ou beber uma cerveja.  

A existência era a polifonia das coisas todas  a  minha volta. Pouco importava as pessoas. A vida estava nas coisas... Na minha consciência intima do inanimado, do silencioso barulho dos objetos.

Oscilando entre os artefatos de cultura através das horas, percebo o quanto a engenhosidade humana ultrapassou os limites da natureza.  Minha plena consciência dos objetos é onde reside o mais profundo da condição humana, pois é isso  que nos proporciona  a curiosa habilidade de representar a realidade e reinventa-la segundo nossas mais abstratas necessidades.


O ser humano não se conforma a natureza, ele inventa e reinventa constantemente seu próprio mundo através dos artefatos culturais. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A JANELA E OS TELHADOS

Meus olhos visitavam uma paisagem antiga
Através da janela do quarto de hóspedes.
Via apenas telhados e melancolias
E a copa de algumas árvores.
Ruas e pessoas não atrapalhavam
A vista.
E eu imaginava infâncias brincando
Naqueles telhados sujos
Que pareciam elevar-se
Acima do mundo.
Eu tinha os olhos abertos.

Mas não estava acordado.

UM DIA VAZIO

Precisamos todos de um dia vazio,
sem nada para dizer
ou sobre o que pensar.
Apenas um dia
para se viver sem qualquer responsabilidade
ou obrigação.

Um dia para não se  preocupar com alguém
e esquecer de si mesmo também.
Apenas um dia ,
onde não caiba definições, aflições
ou conclusões.
Um dia que seja tão vazio
que nos permita, finalmente,

saber realmente da vida.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A DECADÊNCIA DA ARTE DA LEITURA

 Sei que as ideias servem para tudo e para nada ao mesmo tempo.  Tudo depende do estado de espírito de quem as pensa ou compreende. Afinal, a existência é algo ilegível, um trabalho inútil que finda com a morte.

Não há nada que se possa dizer ou pensar que venha a anular isso. A vida da espécie é aquela que realmente conta até que, como os indivíduos, a própria espécie encontre sua extinção. Infelizmente  nenhum de nós viverá o suficiente para participar do fim da humanidade.


O que sei é que há livros e ideias demais no mundo. Não tenho tempo para ler todos e a maioria dos que li se quer me lembro direito. Hoje em dia consumimos livros  como qualquer outra mercadoria. O próprio ato da leitura tornou-se mecânico, uma mania. Mesmo entre os mais bem letrados.