quarta-feira, 14 de setembro de 2011

NOTA SOBRE O LIVRO A CONTRACULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS II

Como fica explicitado na terceira parte da obra, CONTRA CULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS é antes de tudo uma peça literária de militância politico\cultural voltada para o debate sobre o presente e o futuro da nova esquerda norte americana.

Neste ponto, parece-me pertinente chamar atenção para o balanço sombrio que esta singular narrativa nos oferece sobre o tema acusando a tendência neo-moralista autoritária  que de muitas maneiras  vem se afirmando tanto na cultura quanto na contracultura contemporânea:

“A Nova Esquerda Moderna tem o potencial de se transformar na força politica antiautoritária mais importante do mundo contemporâneo, porque está em oposição direta aos crescentes poderes de corporações gigantescas. Monolitos empresariais globais estão, em essência, se fundindo com a maioria dos governos do mundo e se colocando na posição de determinar as próprias condições físicas e materiais sob as quais irão viver as pessoas de todas as partes, que tipo de ar irão respirar, que tipos de prédios irão cerca-los, que tipo de trabalho elas irão fazer ou mesmo se serão totalmente excluídas do trabalho, que tipo de produtos irão consumir, e que tipos de programas estarão disponíveis por intermédio dos meios de comunicação de massa e mesmo ( se eles conseguirem) da internet. Eles estão invadindo a privacidade de todo mundo para globalizar ( isto é, integrar) sua base de consumidores de modo à atender a integração de seus interesses empresariais, e eles estão utilizando informações anteriormente particulares para excluir pessoas do serviço de saúde, de empregos, da concessão de credito e da habitação. Eles estão criando um sistema fechado em que as escolhas e oportunidades do individuo são capturadas em uma rede de base de dados empresariais que não pode ser contestada . Benedito Mussolini definiu o facismo, e sua definição era a completa integração do estado e das empresas.

Infelizmente, a Nova Esquerda Moderna também inclui o que este autor considera elementos claramente reacionários. Um exemplo radical seria o  daqueles  que querem devolver a humanidade ao estágio de caçadores-coletores. E embora a maioria dos ambientalistas neo-hippies defenda a tecnologia “apropriada”, um numero substancial é de neoludistas, que se opõe a qualquer tecnologia. Esta crescente cultura antiprometéica ganha força em face dos extraordinários abusos da intervenção tecnológica pelas forças de cobiça e do poder. Você pode encontra-los, juntamente com os fundamentalistas religiosos de direita, se opondo veementemente  não apenas  à clonagem, mas à pesquisa  com células-tronco;. Não ao patenteamento de novas formas de alimentos transgênicos, mas a própria biotecnologia.

Muitos ambientalistas radicais também tem a necessidade extremamente forte de dizer as pessoas como elas devem viver:  o que dirigir (preferencialmente uma bicicleta), o que comer (nada de carne), o que fumar (legalizar a maconha, mas perseguir os que fumam tabaco), o que vestir ( nada de peles, maquiagem, nada caro) e como gastar  o seu tempo livre ( não ver televisão). Entrar em uma Starbucks pode ser crime de pensamento. Pisar em um Burger King pode ser assassinato. Dirigir um utilitário pode ser um crime de guerra!”

Ken Goffmam e Dan Joy. A Contra Cultura através dos tempos: do mito de Prometeu à cultura digital. Traduão de Alexandre Martins RJ: Ediouro, 2007, p.394

Esta verdadeira pressão social neo moralista denunciada pelo autor é um fenômeno contemporâneo que realmente merece maior atenção. Diante dele, a reafirmação dos valores elementares da contracultura, como autonomia e liberde individual, é mais do que saudável. O que não é, evidentemente, suficiente para garantir a afirmação fecunda das tendências contraculturais na contemporaneidade. Por uma série de razões considero esta questão  como um tema interessante e ainda em aberto.... 

NOTA SOBRE O LIVRO A CONTRACULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS


CONTRA CULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS by Ken Goffman e Dan Joy é um livro provocativo e original sobre uma das grandes matrizes da cultura contemporânea.

Encontramos nesta curiosa obra uma redefinição do conceito de contracultura quea faz um sinônimo de livre pensamento, uma espécie de contra hegemonia ideológica , para lembrar Gramsci, recorrente na invenção de sociedades e culturas ao longo da aventura humana.

Considero tal premissa um deliberado ato de  anacronismo histórico, mas ao qual não recuso alguns méritos enquanto estratégia discursiva que chama atenção para a hipótese de uma contemporaneidade da contra cultura ainda pouco explorada.
Segundo os autores:

“... O impacto final da contracultura na história frequentemente é determinado pela adoção de seus símbolos, artefatos e práticas pela cultura dominante de uma forma que os isola violentamente de suas fontes na experiência real. Ainda assim, os traços históricos deixados pelas contraculturas podem ser identificados ao se observar a história com uma compreensão da essência da contracultura. Essa forma de ler os registros culturais oferece uma interminável fonte de inspiração, informação e afirmação, permitindo que as contraculturas extraiam muita energia de épocas e personagens históricos anteriores.

A contracultura é ”ruptura” por definição, mas também é uma espécie de tradição. É a tradição de romper com a tradição, ou de atravessar as tradições do presente de modo a abrir uma janela para aquela dimensão mais profunda  da possibilidade humana que é a fonte perene do verdadeiramente novo- e verdadeiramente glandioso- na expressão e no esforço humano. Desta forma, a contracultura pode ser uma tradição que ataca e dá inicio a quase todas as outras tradições.”

Ken Goffmam e Dan Joy. A Contra Cultura através dos tempos: do mito de Prometeu à cultura digital. Traduão de Alexandre Martins RJ: Ediouro, 2007, p.13

Esta pretendida invenção de uma tradição contracultural , pelo menos nos termos  aqui propostos, parece-me mais alegórica do que  autentica ao colocar deliberadamente sobre o mesmo rótulo, sem considerar seus contextos históricos  e  conteudos, expressões tão diversas como a filosofia socrática, os sufis, os trovadores do sec. XII, etc. 

 Mas tal forma de ler os registros culturais é na verdade um ousado modo de ler a própria cultura contemporânea e a herança da contra cultura dos anos 60. Isso sem esquecer seus tantos desdobramentos e metamorfoses em uma variedade de configurações culturais, que se produziram  a partir dos anos 70, e que dariam o tom das décadas seguintes.

Em outras palavras, considero mérito deste livro provocar a discussão sobre o fenômeno da contracultura focando em sua atualidade. Justamente por isso tomo sua terceira parte APÓS HIROXIMA, “A” CONTRACULTURA seu momento mais significativo, pois oferece um sagaz balanço da atividade  contracultural dos anos 60 até os dias de hoje.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

SOBRE TEORIA DA EVOLUÇÃO E A DECADENCIA DO TRANSCENDENTAL: UM FRAGMENTO DE RICHARD RORTY

“...Darwin,entretanto, tornou muito mais difícil a tarefa de ser kantiano. A partir do momento em que as pessoas começaram a fazer experimentos com a própria imagem, como sendo o que Nietzsche, o fervoroso admirador de Darwin, chamou de “animais inteligentes”, elas começaram a achar muito difícil pensar em si mesmas como tendo um lado transcendental ou numeral. Além disso, quando a teoria da evolução de Darwin foi associada à sugestão de Frege e Peirce, antecipada por Herder e Humboldt, de que é a linguagem, e não a consciência  ou a mente, o diacrítico de nossa espécie, a teoria da evolução de Darwin tornou possível ver o comportamento humano- incluindo o tipo de comportamento “superior” anteriormente interpretado como como a satisfação do desejo de conhecer o incondicionalmente verdadeiro e fazer o incondicionalmente correto- como sendo contínuo com o comportamento animal. A origem da linguagem, ao contrário da origem da consciência, ou de uma faculdade chamada “razão”, capaz de apreender a natureza intrínseca das coisas, é inteligível em termos naturalistas. Podemos dar o que Locke chamou de uma “explicaão simples, histórica”, de como os animais pararam de lidar com a realidade e começaram a representa-la, muito menos de como os animais pararam de ser entes meramente fenomenais e começaram a construir o mundo fenomenal.
Podemos, é claro, nos apegar a Kant e insistir que Drarwin, assim como Newton, apenas nos contou uma história sobre os fenômenos, e que as histórias transcendentais tem precedência sobre as empíricas. Mas eu suspeito- e espero- que que os cento e tantos anos que passamos absorvendo e aperfeiçoando a história empírica de Darwin nos tornaram incapazes de levar histórias transcendentais a sério. No curso desses anos, a substituímos gradualmente a tentativa de nos vermos do lado de fora do tempo e da história, pela construção de um futuro melhor para nós mesmos- uma sociedade utópica, democrática. O desejo de ver a filosofia como nos auxiliando a nos transformarmos, ao invés de nos conhecermos, é outra.”

Richard  Rorty in UM MUNDO SEM SUBSTÂNCIA OU ESSÊNCIA in  PRAGMÁTICA. A FILOSOFIA DA CRIAÇÃO E DA MUDANÇA. Organização de Cristina Magro e Antônio Marcos Pereira. BH: Editora UFMG,2000, p.91-92  


UM MUNDO SEM RUPTURAS

“Quando desistimos da ideia de que o sentido do discurso é representar acuradamente a realidade, perdemos o interesse na distinção entre os construtos sociais e outras coisas. Passamos a nos confinar ao debate a respeito da utilidade de construtos sociais alternativos.”

 Richard Rorty in ÉTICA SEM OBRIGAÇÕES UNIVERSAIS

Inventa-se um mundo novo todos os dias. Entretanto, ele não nos parece muito diferente daquele que abandonamos no dia anterior. Pois na contemporaneidade, a ideia ou sentimento de ruptura em nosso agir coletivo diluiu-se na vivencia de um cotidiano fluido e opaco onde mudanças são apenas mudanças. Afinal, já não há codificação possível da realidade que transcenda sua condição de discurso, de jogo, onde tudo o que importa é sua própria construção e não a adequação aquillo que convencionamos chamar de real... Atingimos um estágio civilacional que já não pode saltar sobre si mesmo...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

POEMA IMANÊNCIA


É preciso guardar
Um pouco de azul
Nos olhos
Para saber
Um dia de sol,
Combinar luz
E trevas
No corpo abstrato
Dos fatos
Em pluralidade de formas
Que nos apresentam
Todas as coisas
Em gratuitos gestos de existência...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

NOVÍSSIMO SISIFO


Faço-me
Nos pequenos acasos
De um dia aberto
Em festa de fatos.

Faço-me no provisório
E transitório território
Do devir de mim mesmo,
Na sucessão de momentos
Que compõem meu próprio rosto.

Em nada, entretanto,
Vislumbro-me sólido
Ou seguro...

Ao final do dia,
Bem sei,
Estarei desfeito.

VIRTUAL FUTURE

A partir de agora
Viverei apenas
Para o dia seguinte,
Para o virtual
Dos amanhãs pretendidos
Contra os limites do tempo de agora.

Serei em tudo
Futuro,
Onírica versão
Das vontades e delírios
De passados arrependidos...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

NOTA SUBJETIVA SOBRE O COTIDIANO SENTIMENTO DO PASSAR DAS COISAS

Não é a percepção do devir cronológico que nos sugere o devir do tempo vivido, mas a vaga consciência de que cada intervalo cronológico caracteriza-se por um leque específico de possibilidades e opções que lhe são próprias.



Assim, a constante desconstrução de cada momento de aqui-e-agora , que é sucedido por outro equivalente, inspira-se no caráter múltiplo do próprio aqui-e-agora, e não em qualquer aparente linealidade inerente a fenomenologia da temporalidade.



Em outras palavras, o sentimento humano da mudança, nossa percepção do passar do tempo e das coisas, é na verdade qualitativa, e não quantitativa como sugere a rotina de um relógio ou a atenção de um cronômetro.



Todas as coisas se transformam em nossa percepção de todas as coisas e não nas próprias coisas...

TEMPO E BOEMIA

Orientado por um relógio



De ponteiros quebrados


Que acompanha o movimento


De despidas horas,


Bebo um pouco


Do tempo dos outros


Em um canto de mesa


De bar e sombra.


Espero a conta


Do dia seguinte


Em goles de sereno


E acaso...

A IMPESSOALIDADE DAS SENSAÇÕES

As sensações



jamais envelhecem,


não se prendem


a qualquer rosto


ou memória.


Ocorrem


O tempo todo


E em todas as partes


Nas infinitas possibilidades


Do acontecer humano


Disperso


Pelos quatro cantos do mundo...