Hoje em dia, um cada vez maior numero de cientistas escrevem para o grande público. O que é um fenômeno realmente interessante, considerando a complexidade de muitos temas divulgados diante de nosso conservador senso comum.
Um bom exemplo disso é a coletânea O FUTURO DO ESPAÇO TEMPO inspirada pela celebração denominada Kripfest, no Caltech, ocorrida em junho de 2000 em comemoração dos sessenta anos do físico Kip Thorne.
A lista de palestrantes do evento contou com nomes de peso como o do britânico Stephen Hawking e do cientista de vanguarda Alan Lightman, autor de obras de divulgação como SONHOS DE EINSTEIN .
Fugindo de temas espinhosos como viagens no tempo e buracos negros, que perpassam os textos da coletânea, quero aqui comentar justamente sobre a contribuição deste último autor citado através de seu ensaio O FISICO COMO ROMANCISTA. Neste, Lightman busca estabelecer as diferenças e afinidades entre as linguagens artística e cientifica de forma realmente interessante e provocativa.
Segundo ele, físicos e romancistas são igualmente movidos por uma compulsão irracional e inspirados pela estética.
Partindo desta premissa, o autor assim nos configura o processo criativo tanto nas artes quanto nas ciências:
“ Uma experiência que os físicos e os romancistas possuem em compartilham, uma experiência verdadeiramente extraordinária, é o momento de criação.
Todos sabemos que uma grande parte das atividades dos cientistas e dos artistas não é especialmente criativa: desenvolver os detalhes de um calculo, verificar a lubrificação do selo de uma bomba de vácuo, pesquisar o ambiente para um romance, aplicar o tom de fundo de uma pintura. Mas, há outros períodos, que podem durar apenas alguns segundos, ou algumas horas, em que ocorre algo diferente, quando o cientista ou o artista ficam possuídos pela inspiração e acho que a experiência, neste caso, é bem similar.”
(...)
Que belo e estranho paradoxo da criatividade, esse que nos faz mergulhar profundamente dentro de nós mesmos para criar algo, recorrendo as coisas mais pessoais e intimas, e ao mesmo tempo separar-nos completamente de nós próprios no processo. Quando estou escrevendo, esqueço onde estou e quem sou. Torno-me puramente espiritual; misturo-me com os outros espeiritos que crio. Na minha percepção, esses são os momentos em que um ser humano mais se aproxima da eternidade. São os meus momentos de maior felicidade.”
(Alan Lightman. O físico como romancista. In O Futuro do Espaço Tempo/ Stephen W. Hawking... ( et al.): introdução Richard Price/tradução Jose Viegas Filho-SP: Companhia das Letras, p. 197- 198)
Difícil não perceber aqui o quanto, do ponto de vista daquilo que, na falta de melhor e mais digna palavra, chamamos de “espiritual”, domínio próprio das lógicas discursivas de inspiração religiosa, realiza-se plenamente como algo inerente a condição humana sem o peso de discursos e premissas metafísicas ou teológicas...
A verdade é que tanto físicos e artistas devem muito a imaginação criadora em sua inventiva busca de “verdades”.
Mas, como também nos alerta este fantástico ensaio, cientistas e artistas se distanciam na construção pessoal de suas linguagens próprias: O cientista, por regra geral, procura nomear, conceitualizar, as coisas na mesma medida em que, um literato, por exemplo, busca evitá-lo.
Fato que não impede que ambos, já muitos distantes de qualquer dogmatismo ou noção tradicional de verdade de inspiração metafísica, se aproximem novamente diante da irracionalidade radical que sustenta nossa experiência de mundo na construção de iuma nova experiência de racionalidade:
“ Como fui treinado nas ciências e nas varias maneiras de dar nome às coisas, enfrentei, na qualidade de escritor ficcionista, uma luta constante. O grande duelo da minha vida literária, e da minha vida como um todo, deu-se na tensão entre o racional e o intuitivo, o lógico e o ilógico, o certo e o incerto, o linear e o não linear, o deliberado e o espontâneo, o previsível e o imprevisível.
Vivo essa tensão sob a forma de uma constante torção do estômago, quando estou consciente do meu corpo, e sempre como uma comoção mental. Aprendi a viver com este desconforto. Ele pode até mesmo ser uma fonte de força. Com o tempo, passei a crer que tanto a certeza quanto a incerteza são necessárias no mundo. Talvez esta seja uma idéia obvia para a maioria das pessoas, mas ela não é facilmente reconhecível para alguem que foi treinado nas ciências.”
( Idem, p.189-190)