Uma passagem em especial do capitulo VI do ORLANDO de Virginia Woolf me fascina por sua complexa simplicidade ao questionar, mediante subjetivas interpretações de pequenas e cotidianas imagens de natureza, o próprio significado da vida sem sobriamente oferecer qualquer resposta ...
“... Continuaremos, pois, a explorar esta manhã de verão em que todos estão adorando a flor da ameixa e a abelha. E cantarolando vamos perguntar ao estorninho ( pássaro mais sociável que a calhandra) em que pensa, à beira da caixa de lixo, de onde recolhe, por entre os gravetos, restos de cabelo do cozinheiro. Que é a vida? Perguntamos, no portão da granja. Vida, vida, vida, grita o pássaro, como se estivesse ouvindo e soubesse precisamente o que queremos dizer, com este maçante hábito de fazermos perguntas dentro e fora de casa, e vai piando e piando margaridas, como fazem os escritores quando não sabem o que hão de dizer em seguida. E então, diz o pássaro, que eles vêm aqui, e me perguntam o que é a vida; vida, vida, vida.
Arrastamo-nos pelo caminho do brejo, até o cabeço do morro, azul-vinhoso e púrpura escuro, e atiramo-nos ao chão, e sonhamos, vendo um gafanhoto carregar para casa uma palinha. E ele diz ( se a cicios como os seus ser dado nome tão sagrado e terno) que a vida é trabalho, ou assim interpretamos o ruído de seu gasnete sufocado de pó. E a abelha e a formiga concordam, mas se ficarmos aqui bastante tempo e interrogarmos as mariposas, quando chegam a noite, insinuando-se por entre as campânulas mais pálidas do que elas, sussurrarão aos nossos ouvidos coisas sem sentido, como as que se ouvem nos fios telegráficos, em tempestades de neve: hi-hi-há. É riso! Dizem as mariposas.
Tendo, pois ,interrogado o homem, o pássaro e os insetos, porque os peixes- dizem os homens que têm vivido em grutas verdes, solitários, anos inteiros,, para ouvi-los falar -, os peixes nunca, nunca falam, e assim talvez saibam o que a vida é; tendo interrogado a todos sem ganharmos em ciência, e apenas aumentado em velhice e frio ( pois não tínhamos implorado o dom de aprisionar num livro uma coisa tão difícil, tão rara, que se pudesse jurar ser o sentido da vida?), voltemos para trás e digamos diretamente ao leitor que ansiosamente espera ouvir o que é a vida: - ai de nós, não o sabemos.”
( Virgina Woolf. Orlando/tradução de Cecília Meireles. RJ: Nova Fronteira, 1978, p. 152-15 3)