quarta-feira, 28 de outubro de 2009

REAL FUTURE



Não espero da vida
A perfeição de algum
Sonho antigo,
Apenas a branda alegria
De cada dia
Entre esperanças
E apostas
Na invenção de magros horizontes.


Sei que no vazio acontecer
De algum tempo futuro
Encontrarei ansioso
Algum atemporal pedaço
De primavera e existência...




terça-feira, 27 de outubro de 2009

UM FRAGMENTO DE ORLANDO by VIRGINIA WOOLF



Uma passagem em especial do capitulo VI do ORLANDO de Virginia Woolf me fascina por sua complexa simplicidade ao questionar, mediante subjetivas interpretações de pequenas e cotidianas imagens de natureza, o próprio significado da vida sem sobriamente oferecer qualquer resposta ...


“... Continuaremos, pois, a explorar esta manhã de verão em que todos estão adorando a flor da ameixa e a abelha. E cantarolando vamos perguntar ao estorninho ( pássaro mais sociável que a calhandra) em que pensa, à beira da caixa de lixo, de onde recolhe, por entre os gravetos, restos de cabelo do cozinheiro. Que é a vida? Perguntamos, no portão da granja. Vida, vida, vida, grita o pássaro, como se estivesse ouvindo e soubesse precisamente o que queremos dizer, com este maçante hábito de fazermos perguntas dentro e fora de casa, e vai piando e piando margaridas, como fazem os escritores quando não sabem o que hão de dizer em seguida. E então, diz o pássaro, que eles vêm aqui, e me perguntam o que é a vida; vida, vida, vida.
Arrastamo-nos pelo caminho do brejo, até o cabeço do morro, azul-vinhoso e púrpura escuro, e atiramo-nos ao chão, e sonhamos, vendo um gafanhoto carregar para casa uma palinha. E ele diz ( se a cicios como os seus ser dado nome tão sagrado e terno) que a vida é trabalho, ou assim interpretamos o ruído de seu gasnete sufocado de pó. E a abelha e a formiga concordam, mas se ficarmos aqui bastante tempo e interrogarmos as mariposas, quando chegam a noite, insinuando-se por entre as campânulas mais pálidas do que elas, sussurrarão aos nossos ouvidos coisas sem sentido, como as que se ouvem nos fios telegráficos, em tempestades de neve: hi-hi-há. É riso! Dizem as mariposas.
Tendo, pois ,interrogado o homem, o pássaro e os insetos, porque os peixes- dizem os homens que têm vivido em grutas verdes, solitários, anos inteiros,, para ouvi-los falar -, os peixes nunca, nunca falam, e assim talvez saibam o que a vida é; tendo interrogado a todos sem ganharmos em ciência, e apenas aumentado em velhice e frio ( pois não tínhamos implorado o dom de aprisionar num livro uma coisa tão difícil, tão rara, que se pudesse jurar ser o sentido da vida?), voltemos para trás e digamos diretamente ao leitor que ansiosamente espera ouvir o que é a vida: - ai de nós, não o sabemos.”

( Virgina Woolf. Orlando/tradução de Cecília Meireles. RJ: Nova Fronteira, 1978, p. 152-15 3)



O PARADOXO DA "PSICOLOGIA PROFUNDA"


A psicologia profunda pode ser considerada o mais complexo e difícil campo dos saberes ditos científicos. Pois se seu objeto é a mente humana, por razões obvias, não é possível produzir qualquer formulação exterior a ele.
Toda formulação ou reflexão sobre a mente pressupõe a própria mente como premissa conceitual; paradoxo que lhe afasta das demais ciências.
Ao ocupar-se do irracional e do indeterminado da mente através da noção de inconsciente, a psicologia profunda tende a definir-se acima de tudo como um jogo simbólico. O que faz da sua matéria prima concreta justamente as fantasias que estruturam a consciência e qualquer experiência cognitiva do que chamamos ou socialmente consideramos real.
Ao longo do século XX a psicologia analítica de Carl Gustav Jung, mais do que qualquer outra vertente, parece ter explorado esta perspectiva de modo criativo e fecundo, no que diz respeito a muitas questões hoje não tão polêmicas...
Mas ainda há muito o que se explorar neste campo... O que pressupõe uma nova concepção de ciência e racionalidade; uma definitiva superação da modernidade...


sábado, 24 de outubro de 2009

PRESENT TIME



O tempo amanhã

Será claro e firme.
Mas hoje permanecerá
Nebuloso e fechado
Desfazendo o dia
Em um silêncio raso
E cotidiano.


Mil horas dormem
Em minha insônia.
Escapo aos fatos
Mínimo e provisório,
Deixando correr
O momento
De colher a chuva
Que me chama lá fora...

DREAM IN DAY



No ponto incerto

Do nascer do dia
Tento tocar o sentimento
Do desencontro de todos os eus,
Sondar vazios, abismos
E infinitos
On the road
Até que nada mais
Faça sentido,
Tenha importância
Ou me machuque
Como uma emoção quebrada.

DEVIR BIOGRÁFICO E MEMÓRIA



O segredo da vida é que nada nela é essencial. Tudo é provisório e descartável. Inclusive a própria existência... Mas é justamente o fato de nada ser definitivo e eterno, o que nos faz atribuir qualidades e valores a determinados momentos e situações; o que nos leva a rebelião contra a temporalidade de tudo mediante o evocar da memória. Uma memória que não recolhe apenas detritos de passados, mas que também inventa futuros e se perde nos labirintos bizarros do tempo presente...




quinta-feira, 22 de outubro de 2009

VOICE POINT



Sei que a vida

Não cabe nos signos
Espalhados no branco
De uma folha de papel.
Tudo que lá está
É o abstrato significado
Que nos encanta a existência,
A aventura de dizer
O que somos in mundo
No caos profundo
De palavras domesticadas
E livres de cotidiano
In ontology of the present
And pós- modernity life...

UMA LEITURA PÓS MODERNA DO LUDICO DE VIAJAR



Uma das mais universais e atemporais imagens que decoram o rico universo do patrimônio simbólico da humanidade é a viagem. Não basta invocar a imagem de Ulisses, a saga dos argonautas ou os inúmeros relatos de viajantes da época dos descobrimentos marítimos de primórdios da modernidade, para dizer a essencialidade deste mito à condição humana. Isso porque ele transcende qualquer aventura épica contaminando o micro universo cotidiano do mais convencional individuo contemporâneo.

A final, toda viagem representa um deslocamento ontológico. Não importa muito seu destino, propósito ou a pré- disposição anímica daquele que se lança em seu roteiro. Mas para algumas pessoas viajar pode se confundir com o domínio de uma arte muda centrada na experiência radical do outro na relativização de si mesmo, em uma modalidade quase ilegível de evasão ou suspensão do cotidianamente vivido na experiência do inteiramente outro de um lugar desconhecido.
Viajar pode ser assim a chave de um múltiplo deslocamento; a um só tempo ontológico, social, cultural e, de varias maneiras, afetivo e intuitivo em discreta transgressão de si mesmo no afrouxamento de cristalizadas referências biográficas e pessoais de lugares e pessoas vividos como parte de nossa identidade.
Em outras palavras, em um mundo globalizado e cada vez mais multi cultural onde todas as distâncias e referências foram relativizadas por um desenvolvimento técnico cientifico sem procedentes, viajar pode ser algo mais do que visitar e conhecer lugares. Pode ser um desafio a velhas certezas da cultura gregária e nacional estabelecida pela modernidade mediante um exercício constante de desconstrução e reconstrução de si mesmo na incorporação da pluralidade e diversidade de uma realidade que nos faz cada vez mais indeterminados... como tudo que nos cerca.
Já não a contexto que domestique o caos infinito de possibilidades que agora definem o mundo que coletivamente inventamos a cada novo e desafiante dia...


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Arthur Hugh Clough e a cultura vitoriana




“Se as esperanças eram ingênuos, os medos podem ser mentirosos”.

Arthur Hugh Clough

Nascido em Liverpool, Arthur Hugh Clough (1819-1861) foi um dos mais celebres poetas britânicos do século XIX. Sua poesia é profundamente vitoriana, marcada por uma religiosidade não ortodoxa, pois tanto sua vida como poesia personifica como nenhuma outra a crise religiosa que caracteriza a cultura na Inglaterra oitocentista. Justamente por isso, uma das temáticas centrais de sua obra é a indecisão ou a incapacidade de agir. Alem da questão religiosa, também lhe afligiram as crises políticas do seu tempo. Em 1848 o poeta viajou a França para testemunhar os conflitos que então sacudiam Paris e culminariam na experiência da Comuna.

Embora inspirados por um mundo bem diferente do nosso, os poemas de Clough ainda nos encantam com seu profundo sentimento de impotência que, de outras formas e por razões diferentes, nos são contemporâneos...
 
In a London Square

Put forth thy leaf, thou lofty plane,
East wind and frost are safely gone;
With zephyr mild and balmy rain
The summer comes serenly on;
Earth, air, and sun and skies combine
To promise all that's kind and fair:—
But thou, O human heart of mine,
Be still, contain thyself, and bear.
December days were brief and chill,
The winds of March were wild and drear,
And, nearing and receding still,
Spring never would, we thought, be here.
The leaves that burst, the suns that shine,
Had, not the less, their certain date:—
And thou, O human heart of mine,
Be still, refrain thyself, and wait.

Tradução livre e precária:
 
Em uma avenida de Londres

Estende a folha teu plano elevado, tu
Oriente vento e geada são seguramente findados;
Com a chuva leve e refrescante
O verão vem serenamente;
Terra, ar, sol e céu a combinar
Prometem tudo que é justo: --
Mas tu, ó meu coração humano,
É fadado ainda, a conter a ti mesmo, e suportar.
Os dias de dezembro foram breves e frios,
Os ventos de março foram selvagens e melancólicos,
E, tendo-os afastados e próximos, 
pensamos presente
A primavera.
As folhas que nascem, os sóis que brilham,
Não tinham, no entanto, a data certa: --
E tu, ó meu coração humano,
é ainda fadado a abster-te e esperar.




NIETZSCHE E O SIGNIFICADO DA HISTORIOGRAFIA



A coletânea ESCRITOS SOBRE A HISTÓRIA reunindo fragmentos de Fredrich Nietzsche sobre o tema, é uma referência indispensável para os críticos da modernidade e, mais especificamente dos defensores da pretensão a objetividade do conhecimento histórico.
Pode-se dizer que a historicidade, esta grande invenção do século XVIII, é inerente a imagem de mundo cristalizada pelo espírito moderno e suas teleologias racionais assentadas sobre o vicio da verdade que inspira toda tradição ocidental.
O mais radical exemplo de tal filosofia encontra-se no sistema hegeliano e na sua concepção de História como processo contra a qual Nietzche se insurge ferrenhamente em sua critica ao historicismo. É essencialmente contra a idéia de totalidade, de universal e identidade articuladas pela racionalidade sistêmica dos conceitos que Nietzche elabora sua critica a historiografia de seu tempo.
Para ele, o mundo, o homem e a natureza existem em devir, em uma intricada pluralidade de processos ou fluxos inspirados por uma potência cega condicionada apenas ao acaso e a necessidade.
Nestes termos, perde qualquer sentido a hipótese de uma “História Universal” ou racional. O que é muito coerente com a leitura que o filosofo fazia de sua época como um momento de reviravolta de todos os valores e na qual anunciava a boa nova da “Morte de Deus” ou do fim definitivo de toda metafísica, de todas as finalidades e sentidos tradicionais.
Destaca-se na coletânea aqui comentada a “ II Consideração intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida”,onde o autor desenvolve a premissa de que o elemento histórico e o elemento a-histórico são igualmente necessários à saúde de um indivíduo, de um povo e de uma cultura:

“... A serenidade, a boa-consciência , a atividade alegre, a confiança no futuro,- tudo isto depende, num individuo, assim como num povo, da existência de uma linha de demarcação entre o que é claro e visível e o que é obscuro e impenetrável, da faculdade de sentir com um poderoso instinto quando é necessário ver as coisas sob o ângulo histórico, e quando não. Este é exatamente o princípio sobre o qual o leitor é convocado a refletir: o elemento histórico e o elemento a-histórico são igualmente necessários à saúde de um individuo, de um povo, de uma cultura.”

( II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para vida. In Fredrich Nietzsche. Escritos sobre História./ Apresentação, tradução e notas de Noeli Correia de Mello Sobrinho. RJ: Ed. PUC-Rio; SP, Loyola, 2005, p.74 )

Tal relativização da consciência histórica elege a vontade livre como cifra para a singularidade humana. Sem ela o individuo dilui-se na impessoalidade do processo histórico, torna-se um apêndice dele, o mesmo ocorre com uma cultura ou “povo”. A individuação,.. A singularidade social e pessoal, reside no a-histórico de uma “consciência irônica de si mesmo” além de toda referencia de processo e sentido temporal...