terça-feira, 27 de outubro de 2009

UM FRAGMENTO DE ORLANDO by VIRGINIA WOOLF



Uma passagem em especial do capitulo VI do ORLANDO de Virginia Woolf me fascina por sua complexa simplicidade ao questionar, mediante subjetivas interpretações de pequenas e cotidianas imagens de natureza, o próprio significado da vida sem sobriamente oferecer qualquer resposta ...


“... Continuaremos, pois, a explorar esta manhã de verão em que todos estão adorando a flor da ameixa e a abelha. E cantarolando vamos perguntar ao estorninho ( pássaro mais sociável que a calhandra) em que pensa, à beira da caixa de lixo, de onde recolhe, por entre os gravetos, restos de cabelo do cozinheiro. Que é a vida? Perguntamos, no portão da granja. Vida, vida, vida, grita o pássaro, como se estivesse ouvindo e soubesse precisamente o que queremos dizer, com este maçante hábito de fazermos perguntas dentro e fora de casa, e vai piando e piando margaridas, como fazem os escritores quando não sabem o que hão de dizer em seguida. E então, diz o pássaro, que eles vêm aqui, e me perguntam o que é a vida; vida, vida, vida.
Arrastamo-nos pelo caminho do brejo, até o cabeço do morro, azul-vinhoso e púrpura escuro, e atiramo-nos ao chão, e sonhamos, vendo um gafanhoto carregar para casa uma palinha. E ele diz ( se a cicios como os seus ser dado nome tão sagrado e terno) que a vida é trabalho, ou assim interpretamos o ruído de seu gasnete sufocado de pó. E a abelha e a formiga concordam, mas se ficarmos aqui bastante tempo e interrogarmos as mariposas, quando chegam a noite, insinuando-se por entre as campânulas mais pálidas do que elas, sussurrarão aos nossos ouvidos coisas sem sentido, como as que se ouvem nos fios telegráficos, em tempestades de neve: hi-hi-há. É riso! Dizem as mariposas.
Tendo, pois ,interrogado o homem, o pássaro e os insetos, porque os peixes- dizem os homens que têm vivido em grutas verdes, solitários, anos inteiros,, para ouvi-los falar -, os peixes nunca, nunca falam, e assim talvez saibam o que a vida é; tendo interrogado a todos sem ganharmos em ciência, e apenas aumentado em velhice e frio ( pois não tínhamos implorado o dom de aprisionar num livro uma coisa tão difícil, tão rara, que se pudesse jurar ser o sentido da vida?), voltemos para trás e digamos diretamente ao leitor que ansiosamente espera ouvir o que é a vida: - ai de nós, não o sabemos.”

( Virgina Woolf. Orlando/tradução de Cecília Meireles. RJ: Nova Fronteira, 1978, p. 152-15 3)



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