Organizada por Michael Baur e Steven Baur, sob a coordenação de William Irwin, a coletânea BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO, pode ser interpretada como um convite a uma viagem mágica, corrigindo: uma Magical Mistery Tour que, para alguns fãs da banda parecerá sem propósito ou irrelevante para apreciação da musica dos Fab Four. Eu, ao contrário, considero fascinante e até mesmo lúdica a proposta de “pensar” os Beatles e seu impacto sobre a cultura popular do século XX através da filosofia. A comentada coletânea realmente nos permite compreender de modo mais profundo o porquê dos Beatles serem a maior banda de rock de todos os tempos e, ao mesmo tempo, alguma coisa a mais do que apenas uma banda de rock para grande parte dos seus fãns.
Para mim a musica dos Beatles é o mais perfeito pano de fundo do mais profundo e banal acontecer da vida. Acho sinceramente que eu seria outra pessoa caso nunca houvesse vivido suas canções ou colorido meu mundo com as cores vivas do psicodelismo...
Voltando a coletânea, ao longo de seus nove capítulos (referência a Revolution 9?), aos poucos vamos desvelando relações entre as musicas da banda e os dilemas do seu tempo que, de algum modo, ainda são os nossos. Seja a filosofia do amor hippie e o pacifismo diante de um mundo cada vez mais violento e instável, o dispertar da consciência e o psicodelismo como uma resposta a falência das religiões e da moral tradicional em um mundo cada vez mais complexo ou ininteligível, a aceitação e aprendizado positivo da cultura do consumo frente a nossa busca de autenticidade e individualidade, dentre outras questões.
Considero um dos mais interessantes ensaios desta obra o composto por James Crooks PEGUE UMA CANÇÃO TRISTE E FAÇA-A MELHORAR: OS BEATLES E O PENSAMENTO PÓS MODERNO.
Ler os Beatles através das lentes da Pós modernidade não é absolutamente um despropósito. Afinal, existem paralelos possíveis, por exemplo, entre o aguçado senso de humor da banda e a recusa de metas narrativas pelo pós moderno que se traduz no irônico e sarcástico ou quase, de fato, “egocentrismo bufão”. Que importa?
“Mas os filósofos pós modernos precisam ser sérios? Parte da magia da meta narrativa dos Beatles é a adaptação ininterrupta daquilo que denominei antologia “deixe-me de fora” por um mais amplo deleite “inclua-me” no mundo que dá boa vinda às coisas tolas, como uma piada entre amigos. A atitude fica evidente em quase todas as entrevistas concedidas a uma imprensa ansiosa e sem fôlego, durante o período da Beatlemania ( Repórter: “ O que você pensa a respeito de Beethoven?” Ringo: Eu adoro-principalmente seus poemas”), no capricho infantil de canções como “Yellow Submarine”, “Octopus’s Garden” e “Bungalow Bill”, e na gentil paródia de outros gêneros em “When I’m 64”, Your Mother Sahould Know”, Honey Pie”, e “Back in the USSR”. Os Beatles dão voz aos modos de jocosidade e ironia em um sentido amplo, de maneira tão hábil e abrangente quanto o fazem com os da alienação- incluindo aquele audível com clareza nas obras de Jacques Derrida ( 1930-2004), e outros para quem a alternativa ao efeito “Nowhere Man”, que persegue a critica hiper-seria do pensamento moderno, é a “desconstrução”.
O exemplo aqui é “Glass Onion”. No fim da década de 1960, a banda queria desencorajar a legião de fãs que interpretava as letras das canções como algum tipo de código cósmico. Jhon faz isso em Glass Onion” com uma releitura de algumas de suas próprias letras anteriores, definindo-as como vôos de imaginação. Isso, por sua vez, produz uma forma genial de autoconsciência artística. As próprias palavras renunciam aos poderes atribuídos a elas. O processo criativo se torna transparente por completo- como muitas camadas de vidro. Derrida e seus seguidores querem margear os perigos da filosofia moderna, provocando uma percepção similar. Para eles, como para John, a linguagem é jocosa. O que ele nos dá, na verdade não é uma representação de identidades estáveis ( objetos, “eus”, instituições e estados), mas o fluxo primordial da não-identidade- o nada ou abismo- de onde as identidades emergem.”
O trabalho do pensamento pos moderno, nessa visão, consiste em enfraquecer e desmanchar todas as formas discursivas nas quais os códigos cósmicos ou significados determinados de qualquer tipo- máscaras da indeterminação original da linguagem- se acomodam. Entre eles, com certeza, estão os valores e métodos do pensamento revolucionário tradicional mas também uma série de relações opositoras mais abrangentes, que todos os pensadores anteriores teriam considerado axiomáticas: argumentos contra a livre associação; autor versus leitor; texto versus mundo. A desconstrução retira essas oposições Sob o regime delas, a escrita filosófica pós-moderna se torna uma colcha de retalhos de trocadilhos e etimologias, piadas, citações e comentários expandidos, cujo objetivo consistente é dissolver toda a importância determinada em um jogo de palavras, para produzir no meio do pensamento um “efeito Glass Onion”.
(James Crooks. PEGUE UMA CANÇÃO TRISTE E FAÇA-A MELHORAR: OS BEATLES E O PENSAMENTO PÓS MODERNO, in Os BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO. ( Coordenação de William Irwin)/ tradução: Marcos Malvezzi. SP: Editora Madras, 2007, p. 183-184)
Mas, definitivamente, para se avaliar o valor desta coletânea e a aparentemente estranha proposta de pensar The Beatles através da filosofia, nada mais pertinente do que as seguintes palavras de Richard Falkenstein e John Zeis em QUARTETO COM UMA DIFERENÇA:
“ O que há nos Beatles que os faz únicos na história da música popular? Embora os tentáculos de sua influência se estendam para muitas outras áreas da cultura popular além da música, é pura e simplesmente sua musica e rápida e evolução que fundamentam o proeminente status da banda na musica popular. A música dos Beatles, como toda a grande forma de arte, é importante porque revela certas verdades básicas sobre quem e o que somos como seres humanos e as quais coisas damos valor absoluto. E, se isso estiver certo, uma discussão a respeito das música da banda e da filosofia nela incorporada não é um mero exercício de analise teórica, mas um instrumento prático e útil para aumentar nossa apreciação da própria música. Isso não significa que a estética filosófica que este ensaio atribuirá a musica dos Beatles seja algo do qual eles estavam conscientes, ou com o qual concordariam em retrospecto. Mas assim como as partituras de gravações produzidas por Hal Leonard ( que nem mesmo eles conseguiam ler) melhora o entendimento e a apreciação da musica dos Beatles para aqueles que conseguem lê-las, sua filosófica também o faz em outro nível de abstração.”
(Richard Falkenstein e John Zeis. QUARTETO COM UMA DIFERENÇA, in Os BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO. ( Coordenação de William Irwin)/ tradução: Marcos Malvezzi. SP: Editora Madras, 2007, p. 227-228 )
Por tudo o que aqui foi dito e citado, creio que posteriormente precisarei desdobrar esta resenha dialogando mais profundamente com o livro a partir de minha leitura pessoal e intima dos Beatles...
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